No último dia oficial do Pint of Science, os temas envolveram jornalismo, biologia e até mesmo política. O evento ocorreu em cidades do mundo inteiro reunindo pesquisadores e interessados de várias áreas em bares para conversar sobre ciência de maneira informal e regada a muita comida e bebida. Na quarta-feira, dia 16 de maio, o Laboratório esteve presente no Café Journal, Quintal do Espeto e Japan Tower.
Confira também as coberturas do primeiro e segundo dias.
Além dos genes: que vem de nossos pais e o que vem do meio ambiente (Por Bianca Muniz)
Aquilo que os pais nos passam, geneticamente, é o que a gente vai ser? Com essa indagação inicia-se a discussão sobre até que ponto a genética de nossos pais influencia no que somos, o que motivou a palestra “Além dos genes: que vem de nossos pais e o que vem do meio ambiente” da professora Vânia D´Almeida do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). A pesquisadora explica que nem todas as nossas características são derivadas de um componente genético parental: há também um componente ambiental ditando o que somos, chamado epigenética. “A epigenética serve para entender que as experiências da minha vida ficam gravadas no meu material genético, no meu DNA. Então eu sou o que herdei dos meus pais no momento da fecundação mais tudo o que passei na minha vida”, explica Vânia.
A ciência esclarece como essas experiências são gravadas: dentro do núcleo de cada célula, há o DNA. Com o tempo, a informação genética presente nele recebe modificações e isso ocorre através de reações químicas – entre elas, a metilação, em que moléculas de carbono e hidrogênio se ligam em uma região específica do DNA. A metilação é uma “marca epigenética” que age como um interruptor de luz, que ao invés de ligar ou desligar uma lâmpada, faz isso com uma informação genética. “Então uma experiência da minha vida não altera o conteúdo genético, mas pode fazer com que ele esteja ligado — e, portanto, funcione — ou desligado, fazendo com que determinada característica deixe de aparecer” exemplifica a professora.
Um exemplo de experiência que altera essas marcas no DNA é o cuidado parental, ou seja, os cuidados que filhotes recebem de suas mães. Em laboratório foi visto que ratos filhotes que recebiam menos atenção materna se tornavam mais estressados e menos cuidadosos com sua prole quando adultos. Isso poderia significar que os ratos “puxaram” sua mãe, entretanto, cientistas testaram essa afirmação realizando adoções: filhotes de ratas menos cuidadosas passaram a receber atenção de mães mais cuidadosas. No futuro, esses ratos não apresentaram o mesmo estresse e ausência de cuidado com seus filhos, e isso é visto no DNA pela presença da marca epigenética em algumas regiões.
O mesmo pode ser visto em alguns acontecimentos traumáticos, como a Segunda Guerra Mundial, o atentado de 11 de setembro e o furacão Katrina. Uma pesquisa realizada no Estados Unidos mostrou que filhos de pais que viveram no ambiente estressante da Segunda Guerra quando crianças, apresentam modificações epigenéticas em uma região específica do DNA, fazendo com que uma determinada característica deixe de aparecer. Foi visto nesse estudo que a presença dessa marca estaria relacionada a uma tendência para o desenvolvimento de alguns transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade.
A pesquisadora também destaca que muitas dessas marcas são influenciadas pela dieta, deixando a famosa frase “a gente é o que a gente come” ultrapassada, pois também “somos” aquilo que nossos pais, avós e outras gerações se alimentaram. A alimentação é um fator essencial para ligar ou desligar informações genéticas nos filhos, e isso também está envolvido na propensão para o aparecimento de doenças, como problemas cardiovasculares.
“A gente tem uma herança genética, mas a gente também herda as marcas de nossos pais. Ao longo da vida, passamos por várias situações que não controlamos e temos uma série de influências ambientais”, conclui a professora. Entretanto, ela também relembra que temos como reprogramar muitas informações a partir de hábitos saudáveis, priorizando a qualidade de vida.
Jornalismo científico: Meio ambiente e Biologia (Por Carolina Fioratti)
Temas como poluição, degelo das calotas polares e efeito estufa são sempre comentados nas escolas, ou seja, o indivíduo cresce sabendo dos problemas que ocorrem no mundo em que vive. Por outro lado, os jornalistas têm também uma grande participação na divulgação desses conflitos, e assim deu-se o tema do último dia de Pint of Science, “Jornalismo científico – meio ambiente e biologia”.
Para iniciar a conversa, o evento teve como convidada a docente do curso de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo, Cilene Victor da Silva. A professora nomeou sua apresentação como “Mariana: os desastres acontecem quando nos esquecemos deles”, e falou sobre a responsabilidade do jornalista de manter alguns assuntos na mídia para evitar o pior. Ela também diferenciou os desastres tecnológicos e ambientais e enfatizou a culpa da Samarco (empresa mineradora) no acidente de Minas Gerais.
Em seguida, foi recebido o jornalista e escritor Thiago Medaglia. Seu foco foram as calotas polares, buraco na camada de ozônio, aquecimento global e problemas envolvendo a Amazônia. Thiago comentou sobre alterações climáticas e também sobre a importância do Protocolo de Montreal, tratado em que os países se comprometem a substituir as substâncias que afetam a camada de ozônio, que de acordo com o palestrante, está dando certo. Apontou por fim alguns fatores sobre a Amazônia, inclusive a leve queda em seu desmatamento, que mesmo sendo algo positivo, ainda não deve ser motivo de comemoração. Por fim, questionou o público sobre o valor da ciência e como ela tem sido vista nas redes sociais.
O último palestrante da noite foi o André Biernath, repórter da Revista Saúde. Nesse momento o jornalismo foi o foco principal do debate. André trouxe a importância da infografia, um pouco de sua história e suas principais aplicações. Para terminar, explicou de maneira didática como montar um bom infográfico e fortaleceu a ideia de que apesar de tudo, o mais importante é a boa apuração.
Conjuntura Política, Corrupção, Controles, Democracia (Por João Pedro Malar)
O ano de 2013 foi marcado por uma série de manifestações populares no Brasil, que exigiam, entre outras coisas, uma renovação da política. Anos depois, esse desejo ainda se mantém, mas é compartilhado por uma sociedade polarizada, e não deve se concretizar nas eleições de 2018. É assim que Marco Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) resume a conjuntura política neste ano eleitoral.
O professor explica que, hoje, o sistema eleitoral brasileiro dificulta que os chamados outsiders –pessoas que nunca tiveram cargos políticos– ou que partidos menores com propostas de renovação consigam resultados expressivos nas eleições, já que concentra recursos financeiros e tempo de televisão e rádio nas mãos dos grandes partidos, os quais buscam manter a situação política atual. Outro fator que impede essa renovação seria a própria sociedade, que não possui mais um forte ímpeto por essa renovação, mostrando sinais de uma fadiga em relação à política.
Em relação a candidaturas específicas, Teixeira aponta que é improvável que o ex-presidente Lula consiga a confirmação da sua candidatura. Nesse caso, o Partido dos Trabalhadores (PT) deverá lançar outro candidato, com o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) sendo o nome mais provável. Para o professor, porém, o partido não deverá conseguir manter todos os votos que o ex-presidente receberia. Uma parcela do eleitorado lulista, nesse caso, migraria para os pré-candidatos Marina Silva (REDE) e Ciro Gomes (PDT).
Quanto ao polêmico pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL), o professor acredita que a falta de um projeto definido prejudicará o deputado, mesmo que, hoje, as chances de que ele passe para o segundo turno das eleições sejam altas. Nesse caso, Teixeira defende que prevalecerá um voto útil, ou seja, um voto em candidatos que teriam maiores chances de derrotar Bolsonaro, independentemente das propostas defendidas por esses candidatos.
Já o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), apresenta-se como um nome forte por ser um importante político de um grande partido, o que lhe traria muitos recursos e tempo de propaganda, elementos vistos por Teixeira como determinantes nestas eleições. Entretanto, a falta de carisma do político e as diversas denúncias de corrupção que atingiram o vice-governador e o seu partido dificultam a viabilidade de Alckmin. Vale ressaltar que partidos que tradicionalmente apoiam o PSDB, como o DEM e o PSD, ou já anunciaram que não apoiarão o partido (caso do primeiro) ou não se pronunciaram oficialmente (caso do segundo).
O quadro político hoje é marcado por dúvidas, e não certezas, com uma grande fragmentação de candidaturas, tanto na esquerda quanto na direita. Essa indefinição deve ser esclarecida até o dia seis de agosto, prazo máximo para os partidos anunciarem alianças e candidaturas. Quanto à influência das redes sociais, para o professor, deverá ser grande, mas não determinante.
Para Teixeira, é essencial que ocorra uma reforma do sistema político atual, mudando a distribuição de recursos e viabilizando candidaturas menores ou independentes, tradicionalmente com propostas de renovação, algo fundamental na atualidade. Abordar o problema das concessões feitas em nome da “governabilidade” também seria algo essencial.
O professor finaliza com a ideia de que é apenas com uma participação maior da sociedade que os problemas políticos de hoje serão resolvidos, a partir do desenvolvimento de uma democracia mais direta. A conclusão é que, mesmo não sendo para principiantes, o Brasil possui solução, ainda que ela não esteja no horizonte próximo.