Por Amanda Nascimento (amanda_nascimento@usp.br)
No dia 1º de janeiro de 1999, o euro foi oficialmente introduzido como a moeda única da União Europeia (UE), o maior bloco econômico do mundo. Ele era ambição da UE desde os anos 60 e inicialmente existiu apenas de forma invisível, em transações eletrônicas e contábeis. A partir de 1º de janeiro de 2002, suas notas passaram a circular fisicamente para uso.
Atualmente, mais de 340 milhões de europeus em 20 países adotam o euro, que se consolidou como a segunda moeda mais utilizada em operações financeiras globais, com cerca de 20% das reservas monetárias do mundo. Sua implementação faz parte do objetivo da UE de promover a livre circulação de pessoas, bens e capitais entre as nações europeias.
Criação da União Europeia
A União Europeia é fruto de organizações supranacionais como a Comunidade Europeia de Carvão e Aço (CECA) e a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Essas instituições — criadas após a Segunda Guerra — buscavam reconstruir o continente por meio da cooperação econômica, o que, além de promover trocas comerciais, evitaria conflitos entre nações.
Com isso em mente, o Tratado de Roma, em 1957, formou o Mercado Comum Europeu (MCE), uma zona econômica sem tarifas e com liberdade de circulação entre as regiões. O acordo uniu inicialmente seis países (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e os Países Baixos) e despertou a ideia de uma futura moeda única.
A constância advinda do MCE, no entanto, não durou muito. Problemas no cenário internacional desestabilizaram o sistema de preços da política agrícola comum, um dos pilares da CEE. As tentativas de contornar a situação foram prejudicadas pela crise petrolífera nos anos 70, período de agitação nos mercados mundiais.
O Sistema Monetário Europeu (SME), criado em 1979, foi pensado como a resposta para escapar desse conflito. Sua missão imediata era minimizar a vulnerabilidade da economia europeia frente às oscilações do dólar, mas o sistema acabou por constituir vínculos entre as moedas dos países membros.
Após o SME funcionar por quase 10 anos, o Conselho Europeu anunciou, em junho de 1988, a intenção de formar a União Económica e Monetária (UEM), que resultaria no euro. O planejamento era de que a UEM fosse alcançada em três fases comandadas pelo então presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors.
A união avançou com facilidade devido às conexões já estabelecidas entre os bancos centrais da CEE e à predominância do pensamento econômico liberal. O Relatório Delors definiu que a primeira fase do acordo teria início em julho de 1990, quando foram abolidas as restrições de movimento de capital entre os estados-membros.
Para garantir que essa ação fosse possível, foi necessário transformar o Tratado de Roma em uma união aduaneira com políticas comuns. Assim nasceu o Tratado de Maastricht (1992), que instituiu a União Europeia em seu formato atual.
Mais tarde, em 1994, veio a criação do Instituto Monetário Europeu (IME), cujo objetivo era implementar o Sistema Europeu de Bancos Centrais e produzir o relatório de Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC II). A etapa foi essencial para a última fase da UEM: a introdução do euro, em 1999. Durante seus três primeiros anos, a moeda era invisível, ou seja, utilizada apenas para efeitos contabilísticos e para pagamentos eletrônicos.
A “Europa dos Seis”, do MCE ao final dos anos 90, tornou-se a “Europa dos 15”, com a entrada de Dinamarca, Irlanda e Reino Unido (1973), Grécia (1981), Portugal e Espanha (1986) e Áustria, Finlândia e Suécia (1995).
Apesar de constituírem a União Europeia, quatro estados-membros ficaram de fora da Eurozona: Dinamarca, Reino Unido, Suécia e Grécia — o último aderiu à zona em 2001. No resto da UE, as notas físicas do euro entraram em circulação em 1 de janeiro de 2002 para uso geral da população.
Por que uma moeda única?
Uma união monetária consiste na adoção de uma mesma moeda entre dois ou mais países, com um único banco central como responsável pela regulação de todo o sistema econômico. O euro leva o título de “único” por ser usado não só em transações comerciais, mas também no dia a dia dos cidadãos europeus.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Marcio Bobik Braga, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP), explica o porquê de uma moeda única: a redução nos custos de transações financeiras. “Imagine se cada estado brasileiro tivesse uma moeda diferente: teríamos custos relacionados à conversibilidade monetária e o comércio ficaria mais caro”.
“Para que o comércio flua bem, no caso da União Europeia, é preciso criar um espaço econômico único onde não haja risco de mudança cambial entre os países.”
Marcio Bobik Braga, professor de Economia
A conversão, ou taxa de câmbio, é a relação monetária que determina o preço de uma moeda em relação a outra, isto é, quantos reais são necessários para comprar um euro, por exemplo. A variação cambial é a alteração nesses valores, causada por fatores como inflação, juros e instabilidade política. Por isso, a moeda única é vantajosa, já que é controlada por um único banco central.
Outro incentivo é a facilidade de deslocamento entre as pessoas das nações envolvidas, fator que estimula o turismo nessas regiões e, por consequência, desenvolve a economia. A redução das diferenças financeiras entre governos também favorece essa política.
As características do euro
Os estados-membros da União Europeia devem adotar os chamados critérios de convergência para entrar na Eurozona. Para incorporar a moeda, um país do grupo deve ter:
- Dívida pública inferior a 60% de seu Produto Interno Bruto (PIB);
- Taxa de inflação inferior a 1,5% da média da UE;
- Déficit orçamentário menor ou igual a 3%;
- Taxas de juros de longo prazo inferiores a 2%;
- Legislação que respeite os requisitos da própria UE.
Esse conjunto de regras tem o intuito de solidificar as finanças públicas, já que é preciso assegurar a estabilidade dos preços para o crescimento sustentável do bloco. Para isso, o Banco Central Europeu (BCE) cuida das operações diárias da moeda, a fim de controlar as taxas de juros.
Em economia, a inflação é um aumento nos preços de bens e serviços, o que implica na diminuição do poder de compra da moeda. A taxa de juros é um instrumento-chave para o controle inflacionário. Em geral, quando a taxa de juros aumenta, a tendência é que diminuam os empréstimos, compras e financiamentos. Com menos dinheiro em circulação e menos consumo, a economia desacelera e a inflação diminui — o que é o objetivo do BCE.
Marcio Bobik Braga complementa que “o Banco Central Europeu é o guardião da moeda, o regulador do sistema financeiro, e guardá-la significa tomar ações que controlem a inflação”. Esse controle do BCE deixa a atividade empresarial mais fácil, mais barata e menos arriscada, o que faz do euro uma opção forte no âmbito macroeconômico.
O professor Alex Luiz Ferreira, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), ressalta que, ao mesmo tempo, essas características resultam na perda de autonomia do país em relação à sua política monetária e cambial. O economista relata que, em situações de crise nacional, o governo não pode ajustar suas taxas de juros ou de câmbio, o que dificulta a gestão da demanda agregada (a soma do consumo, do investimento, dos gastos e das exportações líquidas da nação).
Em compensação, o estado-membro ganha a estabilidade da união monetária e a redução de custos de transação pela livre circulação de bens. Ferreira conclui que “[por isso] é crucial a mobilidade de bens e fatores de produção, como trabalho e capital, para compensar a falta desses instrumentos monetários”.
Países fora da Eurozona
Entre os 27 estados-membros da União Europeia, apenas sete não contemplam a Zona do Euro: Bulgária, Tchéquia, Hungria, Polônia, Romênia, Suécia e Dinamarca. Os seis primeiros ainda não atendem aos requisitos necessários para a adoção do euro, mas têm planos de fazê-lo no futuro. Em contrapartida, a Dinamarca decidiu não entrar na Eurozona e optou pela manutenção da sua moeda nacional, a coroa dinamarquesa.
Outro caso atípico é a situação do Reino Unido que, antes mesmo do Brexit em 2020, nunca aderiu ao euro e optou por manter sua própria moeda, a libra esterlina. A professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), Maria Antonieta Del Tedesco Lins, explica que questões políticas e culturais estão atreladas à decisão.
‘’A moeda carrega um significado político e de autonomia dos Estados muito forte e muito importante.”
Maria Antonieta Del Tedesco Lins, professora de Relações Internacionais
Lins explicita que os britânicos mantinham uma política ambígua em relação ao bloco a fim de preservar o vínculo com os Estados Unidos, seu principal parceiro econômico. A postura era vista como uma “tentativa de frear o avanço da integração [europeia]”, visto que a UE não seria tão benéfica quanto à relação já estabelecida com os americanos — fruto das alianças nas duas Grandes Guerras.
As questões históricas pesaram igualmente na escolha. Um antigo Império como a Grã-Bretanha abrir mão da libra esterlina teria um significado político muito expressivo e seria visto com maus olhos pela população. “As pessoas não podiam imaginar carregar na sua carteira alguma nota de dinheiro que não tivesse a cara da rainha estampada”, interpreta Lins.
A crise de 2008 e seu efeito no euro
A crise de 2008 foi um colapso financeiro causado principalmente por empréstimos imobiliários nos Estados Unidos. Hipotecas de alto risco, chamadas de subprime, foram concedidas a pessoas que não tinham condições de quitá-las. A ação levou ao estopim da crise: muitas casas colocadas à venda ao mesmo tempo com preços baixos. A falência dos bancos de investimentos americanos fez com que as bolsas de valores despencassem e as repercussões da crise chegaram a colocar em risco a existência da Zona do Euro.
Países como Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, conhecidos como PIIGS, atingiram altos níveis de desemprego e de endividamento, o que dificultou sua recuperação econômica. Uma das possíveis explicações para o cenário se relaciona à impossibilidade destes países executarem políticas monetárias, em função do monopólio da emissão de moeda pertencer ao BCE.
O professor Alex Luiz Ferreira comenta que “antes mesmo da crise financeira global de 2008, os PIIGS já enfrentavam problemas fiscais significativos e acúmulo de dívidas ao longo dos anos”. Segundo ele, a adesão ao euro limitou suas opções, já que não podiam mais utilizar a política monetária ou cambial para responder a choques econômicos.
As medidas tomadas pelo BCE para combater a crise foram interpretadas como insuficientes e demonstraram as fragilidades do bloco. A busca de baixa inflação pelo banco central acarretou em taxas de juros menores, o que causou a redução das receitas fiscais e o aumento dos gastos públicos nesses países. Ferreira destaca que a situação “evidenciou a tensão de manter uma união monetária sem integração fiscal significativa e transferências dentro da União Europeia”.
A década que se seguiu foi marcada por cortes nos gastos públicos, diminuição de benefícios sociais e aumento de impostos para que as nações voltassem a se adequar aos critérios de convergência. A postura austera resultou em uma média de crescimento de 1,37% ao ano, número 0,8% menor em relação à média da década de 1990, anterior à introdução do euro.
O euro hoje
A nova década tem se mostrado desafiadora para a economia europeia. A pandemia de Covid-19 resultou em restrições severas, o que paralisou a atividade econômica do bloco e levou a uma queda de 6,8% do PIB da União Europeia em 2020. Para tentar mitigar os impactos, os governos alemães e franceses assumiram parte dos salários de empresas para evitar demissões. Houve também um aumento nos gastos públicos para frear a crise.
A Guerra na Ucrânia complicou ainda mais a situação: a dependência do gás russo desencadeou uma crise energética e as nações tiveram que buscar fontes alternativas de energia. Apesar de a inflação na zona do euro ter desacelerado em 2024, a elevação nas taxas de juros dos últimos anos, impulsionada pelo aumento dos preços da energia, afetou o mercado financeiro europeu de forma significativa.