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A maestria da performance: o que faz um bom ator?

Para trazer personagens à vida, o ator precisa de preparo, técnica e vocação
Por: Amanda Nascimento (amanda_nascimento@usp.br)

Do público geral aos cinéfilos, a atuação pode ser a força central que leva espectadores  à sala de cinema ou à frente do sofá. Há atores em nível de renome tão alto que, ao estarem atrelados a um filme, criam expectativas no público e na crítica para denominá-lo um “filmaço”. Mas o que define um bom ator? Construção. Foi essa a palavra indicada por Bruno Gavranic ao  descrever um bom intérprete. Doutorando e ator formado pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD-USP), Gavnaric acrescenta: “Um trabalho de interpretação, que muita gente acha que é uma expressão espontânea, é fruto de muito trabalho: para você interpretar, você precisa entender bem o que é aquela personagem”.

Um pouco da história da atuação

Mesmo tendo suas origens na Grécia Antiga, o nascimento da atuação moderna data do século 19, mais especificamente na Rússia. A arte foi revolucionada pelo diretor e ator Konstantín Stanislavski, pioneiro no desenvolvimento de um método de atuação realista e emocionalmente autêntico.

Na norma interpretativa da época, atores falavam, gesticulavam e se moviam pelos palcos de forma caricata, seguindo a tradição de comédias e tragédias clássicas. Para o diretor, o público se conectaria melhor com peças teatrais em que os atores pudessem incorporar e vivenciar seus personagens, extraindo o máximo de realismo possível. 

Stanislavski afirmava que, ao interpretar um papel, o artista deveria fazer os seguintes questionamentos: 

  • Quem ele é?
  • Onde ele está? 
  • O que ele faz lá? 
  • Quais circunstâncias o trouxeram ao presente momento? 

Usando como exemplo o personagem Mr. Darcy, de Orgulho e Preconceito (1813):  no método, ele é Fitzwilliam Darcy, mais conhecido como Mr. Darcy; está na zona rural da Inglaterra, no início do século 19; como membro da aristocracia britânica, acompanha seu amigo, Mr. Bingley, a um baile e suas circunstâncias se relacionam ao contexto do romantismo literário inglês.

Já as circunstâncias, configuram o subtexto. Este é a camada de significado oculta, que vai além do que é dito e, por isso, permite se compreender as motivações dos personagens e as mensagens implícitas da obra. É por conta dele que os componentes psicológicos são fundamentais para o trabalho de um ator. Esse processo, que envolve ensaios e improvisação, é importante para que artistas se situem em seus personagens.

Konstantin Stanislavski em preto e branco, criador de um método de atuação
Para Stanislavski, a ação leva à emoção, não o contrário. [Imagem: Wikimedia Commons]

O método em Hollywood 

Ao chegar em Hollywood, o Método Stanislavski se tornou a norma entre os anos 1940 e 1950. O cineasta Elia Kazan foi um dos responsáveis por introduzir os ensinamentos de Stanislavski a atores premiados, como o incomparável Marlon Brando.

Foram filmes tais quais Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire, 1951) e Sindicato de Ladrões (On The Waterfront, 1954), ambos dirigidos por Kazan, que permitiram Brando se destacar e demonstrar suas habilidades naturalísticas na arte da atuação, o que o levaria ao estrelato. Audiências ficaram impressionadas com a capacidade de Brando de se perder no papel e incorporar um personagem, alterando a estrutura hollywoodiana. 

O sistema de Stanislavski, com a fama de Brando, tornou-se fonte de inspiração e desejo para a nova geração de atores, como Jack Nicholson, Al Pacino e Robert De Niro, que passaram a buscar novas formas de entender e interpretar seus personagens. 

Ator Marlon Brando
Marlon Brando ganhou o Oscar de Melhor Ator em 1955 por sua performance em Sindicado de Ladrões. [Imagem: Wikimedia Commons]

Outros estilos de atuação

No entanto, a arte de atuar possui variados estilos, a depender da intenção e da mensagem que o intérprete quer transmitir. Gavranic explica que, enquanto o método convencional tenta esconder o trabalho da interpretação, também existe beleza nas atuações que reconhecem outros tipos de performance: “Existem outras formas de interpretação, que vão no caminho contrário, elas procuram deixar o tempo todo aparente o quanto aquilo é um trabalho de reprodução da realidade.”

Os mímicos, por exemplo, através de gestos ensaiados, são capazes de transmitir mensagens sem usar a fala, apenas emitindo sinais. “O teatro de improvisação exige muito trabalho prévio, isso significa que os atores se entendem muito, dominam o mesmo repertório de conhecimento de linguagens, de expressões ou de falas”, afirma Gavnaric.

Atores mímicos em teatro
A mímica foi um recurso artístico muito utilizado nas representações de teatro da Grécia Antiga. [Imagem: Reprodução/FreePik]

Quais critérios constroem uma boa performance?

Muito além de memorizar suas falas, o trabalho do ator envolve uma construção, tanto física quanto mental, que visa o desenvolvimento do personagem. Alguns dos aspectos técnicos que qualificam a performance são: enunciação ressonante, dicção articulada, respiração controlada, e as capacidades de se permanecer alerta e engajado enquanto contracena.

Sobre o significado de um ator tecnicamente proficiente, Gavnaric adiciona: “É uma pessoa que tenta dominar as formas diferentes de se expressar e de se comunicar com o mundo, seja através da palavra, do gesto, da fala e da integridade da expressão facial”.

A enunciação e dicção necessárias para memorizar um monólogo, por exemplo, são relevantes, mas as liberdades criativas que o intérprete toma ao longo da cena são fatores que embelezam e refinam o momento. Em Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1997), o Dr. Sean Maguire (Robin Williams) tem um monólogo de 5 minutos, que é elevado por façanhas como o contato visual, o tom de voz utilizado, as pausas entre frases e a vulnerabilidade demonstrada.

Ator Robin Williams em cena de monólogo
Matt Damon e Robin Williams, que recebeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Gênio Indomável. [Imagem: Divulgação/Miramax Pictures]

A habilidade de contracenar é um outro aspecto a ser levado em conta. É relevante a aptidão de saber reagir e estar alerta enquanto encena, mesmo quando quem fala é o outro intérprete. Em Um Limite Entre Nós (Fences, 2016), obra que acompanha o casal vivido por Denzel Washington e Viola Davis, os mestres da atuação contracenam com excelência, elevando a qualidade do longa. A conhecida cena de discussão do casal é um exemplo dessa habilidade. 

Atriz Viola Davis em Um limite entre nós
Davis ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel em Um Limite Entre Nós.  [Imagem: Divulgação/ MMXVI Paramount Pictures Corporation]

Um bom intérprete também reconhece a necessidade de sutilezas, sem exageros. Às vezes, o que funciona em cena são os momentos mais ternos. Um exemplo disso seria Moonlight: Sob A Luz Do Luar (2016), quando Juan (Mahershala Ali) ensina Chiron (Alex R. Hibbert) a nadar. A vulnerabilidade é tão grande que a cena sequer precisa de muitas falas para ser tocante, já que as expressões faciais fazem todo o trabalho emocional.

Ator Ali em Moonlight
Moonlight ganhou as categorias de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator Coadjuvante para Ali no Oscar de 2017.  [Imagem: Reprodução/ David Bornfriend/A24]

Atores devem ter a inteligência para viver um roteiro. Na comédia, é primordial captar a essência da piada e a transmitir para o público, missão que envolve o timing cômico, o uso de pausas, cadência, enunciação e ritmo para contar a piada. É um trabalho que envolve instinto e carisma, a fim de cativar a audiência. 

Ademais, muito do que o ator traz em cena é fruto de bagagem pessoal, experiências anteriores que auxiliam na construção e interpretação de seu personagem. O corpo e a visão de mundo do ator são seus instrumentos de trabalho, ou seja, quanto maior o entendimento sobre suas qualidades, pontos fracos, percepção de mundo e  pessoas ao seu redor, maiores serão as ferramentas que terá à disposição para construir sua performance.

Comprovação disso são as performances de atores com mais anos de experiência. Interpretações como as de Fernanda Montenegro em Central Do Brasil  (1998), Song Kang-Ho em Parasita  (Gisaengchung, 2019) e Anthony Hopkins em O Silêncio Dos Inocentes (Silence Of The Lambs, 1991) são obras-primas resultantes de décadas de carreira.

Como aponta Gavnaric, a vocação, isto é, a disposição para estudar, procurar e sondar novas maneiras de aperfeiçoar seu trabalho, é mais importante do que o talento inato. “Acima de tudo, o ator é um profissional. Isso significa que você não é um Deus, isso significa que você também não é um Xamã”, brinca.

O intérprete domina maneiras de se comunicar com o mundo e é livre para usufruir de estilos distintos de atuação, mas, ainda assim, deve manter seu compromisso com a arte e com seu público. “O ator é aquela figura que dá o seu corpo, literalmente, para montar uma imagem de tudo aquilo que a sociedade esconde. O trabalho do ator do teatro, do cinema, é escancarar a sociedade”, completa Bruno Gavnaric, “Esta é a grande responsabilidade”.

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