Este filme faz parte do 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
78 planos e 52 segundos. Bastou uma cena para que Hitchcock decidisse levar a cabo um dos maiores clássicos do cinema de terror: Psicose (Psycho, 1960). Sua obstinação era tanta que ele contratou o melhor artista gráfico da época (Saul Bass) só para desenhar o storyboard do momento em que a protagonista era assassinada no banheiro. Não só isso, como o filme ainda teve que ser inteiramente pensado em preto e branco para que o sangue das facadas não ficasse gráfico demais. Talvez nunca antes uma cena determinasse tão profundamente os desdobramentos de todo uma obra, seja em termos de produção ou de roteiro – afinal, perdemos nossa então protagonista ainda no meio da projeção. Trazendo ainda uma radiografia completa dos elementos que fizeram da cena do banheiro o que ela é hoje, 78/52 (2017) é também repleto de curiosidades políticas e comportamentais da década de 60.
Para isso, o diretor Alexandre O. Philippe procura nomes de peso do universo do horror, como Eli Roth (de O Albergue (Hostel, 2005)), Guillermo del Toro (de O Labirinto do Fauno (Pan’s Labyrinth, 2006)) e Jamie Lee Curtis (atriz em Halloween (1978)), além de especialistas em áreas mais técnicas, como Walter Murch (editor), Danny Elfmann (compositor) e Peter Bogdanovich (crítico), para discutir o tema com mais propriedade. E uma saída interessante que Philippe encontra é colocá-los reagindo à cena em questão, o que dá um aspecto emocional às análises de cada um. Além disso, o documentário recupera entrevistas famosas de Hitchcock, como uma em que ele discute sua carreira com o cineasta francês François Truffaut.
Logo de início, incomoda um pouco o tom excessivamente elogioso dos entrevistados à obra e ao diretor, porém, conforme a discussão se sucede, todos os comentários são justificados. Vemos então alguns dos temas presentes em Psicose e recorrentes na filmografia do diretor (a importância dos banheiros, a hiper-proteção destrutiva da mãe e o poder voyeurístico do olhar), a sua transgressão (já que em todos os sábados e domingos, Hitchcock falava de sexo e violência em seu programa televisivo) e os avanços trazidos ao gênero (a partir daqui, o terror passaria a dialogar menos com criaturas fantásticas, e mais com histórias que pudessem de fato acontecer na vida real).
Constatamos também o preciosismo de Hitchcock, que traria até mesmo 20 tipos de melões diferentes para escolher um que melhor simulasse o som das facadas, quando espetados. Quando aos aspectos mais fílmicos, o documentário ainda se preocupa em detalhar a montagem picotada e caótica, as icônicas cordas da trilha sonora e até mesmo a escolha de objetos simbólicos para compor o cenário. Nessa profusão de informações, é impressionante que nada soe apenas jogado. E aqui, grande parte disso deve-se a destreza com que Philippe alterna momentos mais explicativos com outros em que os entrevistados simplesmente relacionam ou relatam o impacto que o filme teve em suas vidas – uma dessas mais divertidas se dá quando Oz Perkins tira sarro da artificialidade, aos dias de hoje, de algumas das cenas do pai (Anthony Perkins, que interpreta o vilão Norman Bates).
Entendendo por fim que o que podia ter sido dito sobre Psicose já fora passado nos 90 minutos de projeção, o diretor ainda acerta em nos poupar de uma conclusão repleta de elogios redundantes. Encerrando assim cru como um assassinato, 78/52 não amacia nossa experiência, mas nos tira extasiados do cinema, como há quase 60 anos atrás, 52 segundos também fariam.
Trailer:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com