Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

29º Festival Internacional de Documentários | Super carioca, super-homem, super ele: estreia de ‘No coração do Brasil’ mostra toda força e irreverência de Luiz Melodia

Alessandra Dorgan e Patrícia Palumbo nos apresentam o cantor que desceu do morro do Estácio para morar no coração do Brasil

Por Vito Santos (vvitofs@usp.br)

Na noite do dia 13 de abril, estreou na Cinemateca, como parte do 29º Festival Internacional de Documentários, Luiz Melodia – No coração do Brasil (2024). O longa documenta a trajetória de altos e baixos da carreira do cantor e compositor carioca que faleceu em 2017. Foi revisitado seu passado no Largo do Estácio, sua amizade com outros grandes nomes da MPB, além de também ser mostrado, com detalhes, seu jeito marginal de se impor no mundo da música. Com roteiro assinado por Patrícia Palumbo e Alessandra Dorgan — que é quem também dirige o longa-metragem — a estreia lotou as cadeiras da sala de exibição com fãs e admiradores de Luiz Melodia.

O filme se inicia com os chiados de um vinil que alterna entre músicas de grandes nomes da música brasileira da década de 60. E, de repente, em um palco de show, com a banda acompanhando por detrás, centralizado, observando seu público, que se movimenta de forma tacanha em meio aos acordes dançantes banhados de soul e cadenciados pelo samba, Melodia faz seu acalorado discurso. Para ele, seu show é espaço de confraternização, lugar propício para todos se aproximarem em intimidade, um espaço em que não haveria repressão, contrastando com o cotidiano do país que vivia, na época, uma ditadura militar. Finaliza dizendo: “’‘Tô’ cansado de apartamento”, usando do duplo sentido que há entre as moradias verticalizadas, símbolos de uma classe média urbana, e o verbo apartar. A partir dessa sequência, a narrativa daquele que acreditava que a música, enquanto existir, será sempre sinônimo de liberdade é iniciada.

Filmagens da periferia do Rio de Janeiro das décadas de 60 se interpolam a falas de Luiz Melodia sobre  sua infância no Estácio e sua aptidão pela música. Filho de Oswaldo Melodia, de quem herdou a alcunha de “Melodia”, sempre acompanhava o pai em suas rodas de samba.  As composições do carioca preenchem o espaço das imagens, enquanto as filmagens se incumbem de apresentar ao espectador a história do cantor.

Cartaz do festival "É Tudo Verdade" na Cinemateca
A cinemateca brasileira recebeu o 29º Festival Internacional de Documentários “É Tudo Verdade” [Arquivo pessoal / Vito Santos]

Waly Salomão e Torquato Neto, expoentes do movimento tropicalista, são revelados ao público como os que de início acompanhavam a jornada do aspirante Luiz Carlos dos Santos. A eles se junta Gal Costa que, apresentada a uma das composições de Melodia, decide colocá-la no repertório de seu espetáculo Fatal (1971). É com a canção Pérola Negra na voz da cantora que Luiz ganha reconhecimento fora das ruas e vielas do morro do Estácio.  Mais tarde, Bethânia também o procura para incluir Estácio, Holly Estácio, outra composição de sua autoria, em seu disco Drama (1972). Quando apresentado às cantoras, o compositor já estava prestes a desistir da música, mas encontrou na interpretação dessas o empurrão que precisava.

Alessandra Dorgan foi a responsável por pensar e executar, juntamente com a equipe de produção de 'Luiz Melodia – No coração do Brasil'
Alessandra Dorgan foi a responsável por pensar e executar, juntamente com a equipe de produção, o filme que homenageia o cantor carioca [Arquivo pessoal / Vito Santos]

Todas as cenas são narradas pelo próprio artista e essa escolha é fruto da iniciativa da diretora.

“Poderíamos ter feito esse filme de outras maneiras mas achamos importante que o próprio Luiz Melodia contasse a sua história”

Alessandra Dorgan

O longa apresenta filmagens históricas inéditas, tanto do cantor, como dos demais. Gal em toda sua exuberância canta apaixonadamente ao público “Baby te amo / Nem sei se te amo” em um show de cores em technicolor. Bethânia caminha tímida pelas ruas do Rio, enquanto Luiz Melodia fala, em entrevista, como a influência delas foi importante para sua carreira.

As filmagens de décadas passadas foram retiradas, tanto do arquivo pessoal de Jane Reis, viúva do cantor, quanto de arquivos históricos de emissoras de TV. Algo que exigiu da produção altos custos de licenciamento e intensa pesquisa. “Foi muito difícil conseguir acesso [às filmagens de Melodia], as emissoras cobram caro por esse conteúdo”, afirma Daniel Gaggini, produtor do longa-metragem documental, em entrevista concedida ao Cinéfilos.

“Fazer esse documentário é reconhecer a figura de Luiz Melodia e mostrar a todos suas importância”

Daniel Gaggini

O produtor continua, dizendo: “O trabalho da pesquisadora Camila Camargo foi essencial para encontrar e selecionar as filmagens que entrariam no documentário”. A diretora Alessandra Dorgan destaca, também, a importância do trabalho de pesquisa para a confecção do filme, que nasceu, inclusive, de uma iniciativa da roteirista Patrícia Palumbo de pesquisar a vida e obra de Melodia. Fala, ainda,  de como os altos custos de licenciamento acabaram adiando a etapa da produção. “O orçamento era baixo, então de sete anos de produção, dois foram só para conseguir licenciar [as filmagens]”.

Daniel Gaggini, produtor de 'Luiz Melodia – No coração do Brasil' afirma que Luiz Melodia é um marco da música popular brasileira e jamais poderia passar despercebido
Gaggini afirma que Luiz Melodia é um marco da música popular brasileira e jamais poderia passar despercebido [Arquivo pessoal / Vito Santos]

O longo trabalho de pesquisa é visível na produção audiovisual, cuja estrutura apresenta sequências de entrevistas que se complementam, pintando, pincelada por pincelada, o retrato falado de Luiz Melodia. Não há um discurso de fundo que gerencie a narrativa em panoramas lineares, o que se conecta com o jeito disruptivo do carioca e adiciona um subtexto emotivo enorme à película.

Anos depois do encontro com Gal e Bethânia, vem o primeiro álbum, neste Melodia canta suas composições com o timbre de sua própria voz. Em suavidade de samba-canção, balanço de jazz e mistura de ritmos e gêneros, rola Negra (1973) consagra Luiz Melodia dentro da música popular brasileira. Mas, o sucesso estrondoso só viria com toda sua força, como conta o próprio músico, no lançamento da música Juventude Transviada em 1975, para a trilha sonora da novela Pecado Capital (Rede Globo, 1975 – 1976).

O público, nesse momento, vê um Luiz Melodia incomodado pelo sucesso e pela mídia. “Quero a liberdade de poder ir no bar como anônimo”, diz o cantor, que na iniciativa de fugir do posto de estrela e das demandas inalcançáveis das gravadoras, se muda para a Bahia. Melodia aqui é retratado como um artista que, por não se curvar perante as exigências comerciais, foi rotulado como underground, ou até mesmo, alternativo, termo que esse combatia dizendo que era, na realidade, marginalizado.

Jane Reis, viúva do carioca, atesta que o documentário teve a preocupação de trazer a representação mais fiel de quem foi Luiz Melodia e esse anseio se mostra a partir da escuta da equipe de produção às demandas dela quanto ao retrato do músico. “Acompanhei todo o processo [de produção do longa] de perto e auxiliei diversas vezes”, afirma Jane.

“Esse documentário foi um presente para mim e para todos que admiram o legado que ele deixou, o filme demonstra Luiz Melodia bem do jeito que ele era”

Jane Reis
Jane Reis contribuiu com boa parte das filmagens de Melodia usadas em 'Luiz Melodia – No coração do Brasil'
Jane contribuiu com boa parte das filmagens de Melodia usadas no longa documental [Arquivo pessoal / Vito Santos]

O documentário trata de focar nessa persona inquieta, que rejeita os rótulos impostos e busca sua própria forma de ser na música. Melodia dança, canta, arranja e se apresenta ao lado de ilustres nomes como Elza Soares, Zezé Motta e a banda Black Rio. “Os meus shows estão sempre cheios, graças a mim”, diz o músico ao ser questionado sobre seus poucos álbuns em relação ao tempo longo de carreira. Acredita, também, ter sido boicotado pelas gravadoras por levar a rua consigo em suas letras e em seu jeito de ser. Prova isso em uma de suas composições, interpretada por Gal Costa no álbum Índia (1973), “Vou caminhar um pouco mais atrás da lua/ Vou caminhar um pouco mais atrás da rua”.

O legado de Melodia permanece vivo, não só através de seus discos e gravações de estúdio, mas agora também por meio dos recortes audiovisuais de sua vida e sua história. Sem medo, o cantor da estirpe daqueles que tem o morro no nome continua a lotar salões mesmo após sua morte e prova, mais uma vez, que desceu do morro do Estácio para morar no coração do Brasil.

A estreia do documentário lotou salão Grande Otelo, o maior da Cinemateca Brasileira [Arquivo pessoal / Vito Santos]

*Imagem de capa: Divulgação/ MUK

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima