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Uso de drones pode auxiliar estudo e diálogo com comunidades pesqueiras tradicionais

Com uso de novas técnicas de sensoriamento remoto, pesquisa ajuda a caracterizar áreas de conflitos na pesca artesanal
Barco de pesca próxima a região costeira.
Por Theo Schwan (theo.schwan@usp.br)

Estudo publicado nesta segunda-feira (29) no periódico Ciência Rural avalia o uso de aeronaves remotamente pilotadas para mapeamento e investigação de zonas de pesca no sul do estado do Rio de Janeiro. A pesquisadora responsável, Kátia Mendes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), afirma que a aplicação de drones no monitoramento da atividade pesqueira artesanal é benéfica e pode gerar resultados positivos para a economia local.

Intitulado “Viability of the use of drones applied in the mapping of artisanal commercial fisheries: A case study in Sepetiba Bay, Rio de Janeiro,” o artigo explora a possibilidade do uso de drones para sensoriamento remoto – aquisição de imagens para construção de mapas fotográficos e mosaicos – no município de Itaguaí, RJ. Os resultados do trabalho, conduzido de setembro a novembro de 2017, permitiram a identificação de zoneamentos urbanos e industriais, o rastreio de pescadores e pescados, além do monitoramento de conflitos territoriais.

“A gente precisa entender o que, de fato, acontece na região,” afirmou a pesquisadora em entrevista à Jornalismo Júnior. Para Kátia, acompanhar a região e seus stakeholders é fundamental, principalmente em lugares comprometidos ambientalmente, como é o caso da Baía de Sepetiba, alvo de atividades mineradoras. Essa nova abordagem de pesquisa promete dar início à busca por soluções sustentáveis para os conflitos relacionados às comunidades tradicionais pesqueiras.e

Trazendo a tecnologia para casa

Para conseguir ver o que acontecia no litoral de Itaguaí, o método de monitoramento remoto adotado pelo grupo de Mendes se baseou no uso do Sistema de Informação Geográfica (SIG, ou GIS, em inglês). Essa técnica ajuda a unir dados georreferenciados em um ambiente digital, possibilitando a construção de mapas que conseguem transmitir informações sobre a região estudada. 

A análise de atributos distribuídos espacialmente faz parte do que é chamado de geoprocessamento: um conjunto de técnicas matemáticas e computacionais criadas para facilitar a compreensão do que ocorre no espaço geográfico. Se existe um “onde” no problema, o SIG pode ser a chave para sua organização e solução.

Kátia afirma que um dos seus objetivos na pesquisa é trazer tecnologias e métodos para o Brasil, e a adoção de drones é uma forma de se aproximar do que está sendo feito lá fora. A aeronave do estudo coletou fotos padronizadas, que foram inseridas em um software de SIG capaz de alinhá-las e de extrair informações, como topografia ou elevação da superfície. A partir desse mosaico de imagens, criou-se o mapa que fundamentou o artigo.

Apesar da complexidade do trabalho, a pesquisadora se mostra apaixonada e otimista quando afirma que os custos associados aos equipamentos, à operação e ao processamento – que são altos – podem ser contornados, já que parcerias com projetos de pesquisa públicos e privados ajudam a diminuir as dificuldades de financiamento.

Conflitos pelo espaço

Mendes diz que a motivação para seguir essa linha de pesquisa surgiu no interesse por estudar contaminação de pescados e conflitos sociais. A região da Baía de Sepetiba é recortada pela mineração industrial e pela pesca artesanal, sendo a interação entre esses dois grupos conflituosa. A presença de empresas mineradoras afeta tanto a segurança dos pescadores quanto a do alimento, esse ameaçado pelos resíduos resultantes do extrativismo mineral.

Embora o risco de contaminação para saúde pública ainda seja baixo diante dos dados coletados, a cientista afirma que o monitoramento da presença de metais nos pescados é necessário em função da presença dessas empresas mineradoras, da gestão de resíduos precária e da matriz geológica da região. O município de Itaguaí, assim como boa parte do litoral do Rio de Janeiro, foi construído em cima de “terras raras”, solo naturalmente rico em metais comumente associados à poluição.

O monitoramento, então, não só ajuda na fiscalização da baía ao coletar informações durante os voos capazes de auxiliar no rastreamento dos peixes, como também contribui para denúncias igualmente importantes para garantir a segurança sanitária e a origem legal dos produtos. A chegada da pesca industrial não regulamentada, que adota barcos maiores e técnicas mais agressivas, está acabando com os estoques marinhos da região. “Sepetiba era um berço,” comenta a pesquisadora ao afirmar que a pesca artesanal e de subsistência estão ameaçadas, botando em cheque a cultura da comunidade local.

A aplicação dos drones também pode ser benéfica para a identificação das espécies capturadas, principalmente daquelas ameaçadas. A pesca incidental – quando se captura indivíduos além do alvo – é um grande risco, que vem aumentando à medida que os estoques de pescados diminuem como consequência de um extrativismo irresponsável.

A atividade de mineração e a chegada da pesca invasiva alterou a dinâmica econômica da Baía de Sepetiba. Kátia relata que, nas entrevistas conduzidas com a população de Itaguaí para traçar o perfil local, descobriu que as grandes embarcações estavam tomando os espaços dos pescadores artesanais, e “você vê o pesar na voz.” Muitos destes, então, migraram para grandes empresas sediadas no município. Para não perder o elo com a cultura e gerar renda, barcos de pesca são transformados em turísticos.

O espaço político também está em disputa. A compensação ambiental acordada com as gestões governamentais acaba virando uma moeda de troca, comprando o futuro da pesca tradicional: “O pescador vira peixe da própria rede.” Para a pesquisadora, traçar o perfil da comunidade, entender suas reais necessidades e buscar dialogar com o governo “é fundamental para garantir a coexistência sustentável entre a serra e o mar.”

“Início, meio e início”

“A gente está fazendo errado” afirma Kátia sobre o distanciamento estéril da academia. Para ela, que acredita em uma ciência cidadã, as comunidades devem ser parte ativa da pesquisa. O foco é “compreender quem são aquelas pessoas, do que elas precisam de verdade” numa abordagem mais próxima da etnografia.

Ao buscar desconstruir a forma de entrada da academia nas comunidades tradicionais, ela tentou uma integração na colônia de pescadores sem ser invasiva, adotando o ritmo de vida e os costumes locais. Com sucesso e auxílio de dois pescadores locais, a condução das entrevistas ajudou na construção do perfil da população. Conhecê-los, para Mendes, foi fundamental para começar a buscar alternativas para uma exploração sustentável do ambiente costeiro. É essa abordagem multidisciplinar, na união com os dados geográficos, que ela acredita estar o futuro da pesquisa científica.

Próximos passos

Segundo Mendes, o necessário agora é força política. É reconhecida a urgência de compartilhamento dos dados produzidos com as autoridades de gestão pesqueira governamentais e não-governamentais e o dever de dar voz à comunidade local. 

“Estou na academia para quebrar paradigmas, fazer diferente”. É nessa promessa que ela se propõe a finalizar o trabalho e entregar os resultados para a colônia de pescadores de Itaguaí. “Não conseguiria dormir em paz,” Kátia afirma quando conta os planos para reunião de agradecimentos e devolutiva com a comunidade: “Não fui para usurpar, fui para contribuir.”

Imagem de capa: Theo Schwan/ Acervo Pessoal

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