Este filme faz parte da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
O rock ‘n’ roll dos anos 80 conquistava o mundo todo, até mesmo a cidade de Leningrado na União Soviética. Sob a influência de David Bowie, Blondie, Iggy Pop e tantos outros nomes hoje consagrados, os primeiros rockeiros soviéticos surgiam, sob a ameaça e o julgamento do país que considera o ritmo como produto dos Estados Unidos. Verão (Leto, 2018) não aborda aspectos políticos, mas a própria existência destes personagens mostra uma resistência a certos aspectos do regime soviético.
O filme, do diretor Kirill Serebrennikov, acompanha o astro do rock soviético em ascensão Viktor (Teo Yoo), seu mentor Mike (Roman Bilyk) e seus colegas. Um grupo de roqueiros que tentam suavizar as letras de suas músicas, tocam para platéias que permanecem sentadas com seriedade durante todo o show, ainda devem satisfações à mãe e aproveitam pequenos prazeres quase infantis. Os personagens fogem do estereótipo “sexo, drogas e rock ‘n’ roll”, muitas vezes propositalmente, como forma de evitar serem comparados aos astros americanos. Porém, de uma forma quase ingênua, o filme é desprovido de conflitos ou de qualquer violência.
Isso não quer dizer que não ocorram impasses ou que não há ação, porém todos os acontecimentos se desenrolam sem que ninguém sequer levante o tom de sua voz. Natasha (Irina Starshenbaum), a esposa de Mike, começa a se apaixonar por Viktor e, mesmo um pouco incomodado, o marido permite que os dois fiquem juntos e até facilita o encontro entre eles. Sem alterar os ânimos, os personagens prosseguem e o filme também. O ponto central da trama é o rock ‘n’ roll, a composição de letras, e a organização de shows Todo o resto é coadjuvante.
O longa se apresenta em preto-e-branco e com uma fotografia excelente. A câmera parece se encaixar sob medida nos corredores e portas estreitos dos pequenos apartamentos que servem de cenário, e quando em locais abertos procura ângulos que conseguem transformar até um beco em cenário bonito. Alguns dos melhores momentos são os devaneios nos quais os personagens passam a se imaginar cantando ou fazendo parte de cenas musicais. A tela ganha desenhos coloridos e a trilha sonora escolhida é composta por clássicos, que combinam com o momento e fazem o espectador cantarolar junto. Um dos personagens insistentemente segura um cartaz dizendo “isto não aconteceu” sempre que as cenas musicais tomam contornos de imaginação.
Algo que aconteceu na vida real, porém, foi o sucesso de Viktor e sua banda — Kino —, que crescem ao longo da narrativa. O filme não é sobre a superação de um desafio ou de um obstáculo no caminho dos personagens, mas sim um retrato sobre a ascensão do rock na União Soviética. Figuras que, mesmo desprovidas da violência característica, discordavam do meio apenas sendo elas mesmas.
por Fernanda Pinotti
fsilvapinotti@usp.br