Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Mulheres corpulentas totalmente nuas dançam sensualmente em câmera lenta, com expressões faciais dignas de verdadeiras strippers, ao som de uma música igualmente provocante. Essas mesmas mulheres estão deitadas de bruços, de barriga para cima, em diferentes posições, expostas como peças de arte; o vídeo com elas dançando é transmitido em gigantes telões espalhados por toda a galeria, enquanto a curadora da exposição, Susan Morrow (Amy Adams), observa o sucesso, mas com olhos tristes. Um homem comum, Tony Hasting (Jake Gyllenhaal), dirige seu carro na companhia de esposa e filha, numa estrada escura e calma. A viagem pacata, de repente, é perturbada por um carro que faz algazarra na pista, se coloca na frente, buzina, os homens que estão lá dentro gritam para fora da janela e acabam batendo no carro de Tony, numa cena escura, apreensiva e agoniante, que foca em paralelo o desespero da família, a visão externa da pista e dos carros na iminência de uma acidente; depois de tentativas frustradas de fuga, Tony acaba sendo obrigado a encostar o veículo e conversar com aqueles estranhos homens. Animais Noturnos (Nocturnal Animals, 2016) inicia as duas narrativas fortes, ora escandalosas, ora tensas. Como uma boneca russa, vai nos apresentando histórias dentro de uma maior – que ainda envolve cenas do passado de Susan -, e consegue com que o espectador tenha interesse e fique vidrado em cada uma de suas cenas, independente de qual enredo está sendo narrado no momento.
Tom Ford, depois de sete anos de sua estréia no cinema com o elogiado Direito de Amar (A Single Man, 2009), escreve e dirige este thriller – baseado no romance de Austin Wright “Tony e Susan” – e cria um filme pesado e reflexivo, mas não moralista ou panfletário. As dúvidas, angústias, considerações simplesmente existem, como na vida real. Arrependimentos, vingança, vida de aparências, amor vs dinheiro, solidão estão presentes no entrelaçar das histórias. Acima de tudo, o longa fala sobre escolhas, e de como elas determinam o futuro.
Susan é uma curadora de arte bem sucedida, com um casamento aparentemente bom, mas na verdade é infeliz. Seu relacionamento está em crise, ela já não sente mais prazer no trabalho e em meio a toda essa turbulência, recebe um manuscrito de seu ex marido, Edward (também interpretado por Jake Gyllenhaal), que dedicou o livro a ela. O enredo do manuscrito, dramatizado para nós enquanto Susan o lê, conta a história de Tony, de como ele quer vingar sua esposa e filha. Ao mesmo tempo, é mostrada em flashbacks a história de Susan e Edward, de como eles se conheceram, casaram e se separaram. As três narrativas são paralelas e, de uma forma ou de outra, se complementam. Você compreende melhor os arrependimentos e escolhas de Susan ao olhar para o seu passado e você pode supor o estado emocional do romântico Edward, depois do que sofreu no fim do relacionamento – ela comete um “erro” que julga imperdoável por ele -, pela história narrada em seu livro e pela atitude tomada ao final do filme.
Todo o longa é um verdadeiro espetáculo. Ford cria uma identidade visual para cada uma das histórias que estão sendo contadas. As cenas da vida atual de Susan mostram um ambiente fino, polido, luxuoso, mas intimidador. Já na narrativa de Tony, sob o sol do Texas, tem outras cores, outra aura, não é mais um drama psicológico, é um thriller de vingança. Nos flashbacks, o clima intimista domina os apaixonados Edward e Susan, mesmo quando estão discutindo.
As atuações são impecáveis, Adams e Gyllenhaal entregam a excelência de costume, mas os destaques vão para Aaron Taylor-Johnson, que faz o psicopata, sádico, cínico e assustador Ray, líder de uma gangue de arruaceiros que perturbam carros nas estradas; e para Michael Shannon, no papel do caricato detetive – vibes xerife de faroeste – Bobby, que ajuda Tony com toda sua empreitada. Alguns detalhes dentro do filme o tornam cada vez mais intrigante, como a escalação de Isla Fisher – e sua semelhança com Amy Adams não é mera coincidência – e a bizarra cena do celular. O título do longa também pode trazer revelações: poderíamos supor que os tais “animais noturnos” eram os rapazes da gangue que aterrorizaram a vida de Tony, mas se levarmos em conta que Edward chamava Susan de “animal noturno” quando eles estavam juntos – porque ela tinha dificuldades para dormir – e que ele escreve um romance violento, assustador e impactante, dá o mesmo nome e o dedica para a ex mulher, o todo se torna bem mais complexo. Edward claramente quer que Susan entenda a dor que lhe causou, e ela percebe isso.
O final do filme é emblemático, reafirmando como as escolhas feitas moldam todo o resto. Com Animais Noturnos, Tom Ford nos agracia com um longa forte, perturbador e que fica na memória, um filme que só reafirma sua relevância, não só como estilista, mas também como diretor. Só nós resta torcer para que ele não demore mais sete anos para voltar às telonas.
Confira o trailer:
por Ingrid Aguiar
ingridluisaas@gmail.com