Conheça quem são esses novos imigrantes que chegam da América Latina para o Brasil, e como os brasileiros reagem a essa nova onda de imigração
Texto e fotos por Bruna Rodrigues (bru.rodrigues.silva@gmail.com)
A figura do imigrante presente no imaginário de muitos é a clássica imagem daquelas famílias numerosas provenientes da Europa que desembarcavam pelos portos nos séculos XIX e início do XX . Essa visão histórica nada se assemelha ao que ocorre atualmente, até porque o Brasil tornou-se um polo para outros povos e culturas, mostrando uma nova caracterização da população brasileira.
Nos últimos anos, devido a seu crescimento no cenário mundial, o Brasil tem-se mostrado, para a América Latina principalmente, um lugar próspero e com muitas oportunidades para quem deseja ter a possibilidade de melhorar de vida. Por essa razão a quantidade de imigrantes provenientes do mesmo continente é tão expressiva.
A maioria desses imigrantes é procedente de países como: Bolívia, Paraguai, Peru, Chile, Argentina e Colômbia, e vêm em busca de uma vida melhor. Como também, procurando uma alternativa frente a dificuldade de ingressar em países de primeiro mundo, como Portugal e Espanha, que antes os recebiam, mas que agora, com a crise, fecham as suas portas.
Mesmo que essa condição seja extremamente precária, esses estrangeiros possuem alguns direitos assegurados, como o acesso à saúde pública e, no caso de seus filhos, à educação gratuita. Eles podem regularizar as suas situações por meio de anistias dadas pelo governo, e assim terem uma chance de melhorarem de vida, seja se fundindo a uma nova cultura ou não.
Mesmo não possuindo tantas dificuldades para entrarem ou permanecerem no Brasil, em 2008 existiam 600 mil imigrantes em situação ilegal, segundo uma avaliação estimada pelo Serviço Pastoral dos Migrantes, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Entretanto, o Ministério do Trabalho estima que existam cerca de 180 mil ilegais, um total de 20 % dos estrangeiros regularizados no país.
Esses vários imigrantes clandestinos enfrentam diversos problemas, que vão desde as horas excessivas de trabalho até o xenofobismo, como também a dificuldade em se legalizar. Tudo isso com propósitos bem claros, como a busca por melhores oportunidades de vida junto com a possibilidade de mandar dinheiro para os familiares que ficaram em seus países de origem. O infográfico acima traz a relação de quanto esses imigrantes ganhariam em seus países e o quanto ganham no Brasil, e a porcentagem que mandam para seus parentes em suas terras natais.
Feira Kantuta
A feira boliviana Kantuta, que ocorre todos os domingos no bairro do Pari, em São Paulo, é um bom exemplo de como esses imigrantes não se misturam totalmente à cultura de seus novos países. Nela a cultura desse país andino está por toda a parte, simbolizando quase um pedaço da Bolívia no centro de São Paulo.
Essa feira existe desde 2002 e é administrada pela Associação Gastronômica Cultural e Folclórica Boliviana “Padre Bento”, sustentada pelos próprios feirantes e por empresas ligadas principalmente ao transporte de pessoas da Bolívia para o Brasil. Em 2001, ela era feita na Praça Padre Bento, mas com o passar do tempo esse lugar ficou pequeno demais para abrigar essa feira que só crescia. Foi no ano seguinte, que a Associação foi fundada e com ela esse evento cultural mudou de lugar, indo para outra praça maior, entre as ruas Pedro Vicente, Carnot e das Olarias.
Essa nova praça foi batizada de Kantuta, palavra que também dá nome a uma flor que cresce no altiplano andino e que possui as cores da bandeira boliviana. Esse evento foi legalizado e em dias festivos, como a Independência da Bolívia, o Carnaval, o Dia das Mães e das Crianças, cerca de três mil barracas são montadas.
O que dá a sensação de estar na Bolívia quando se adentra a Kantuta é o fato de que todos falam em espanhol, seja nas barracas ou pelo alto-falante, além da feira ser famosa pela sua culinária extremamente típica, como o anticucho, coração de boi no espeto, ou o api (suco de milho roxo, que se bebe quente). Outra atração dessa feira é o artesanato, com seus potes de argila e suas peças de lã de lhama. Sem falar dos serviços, como o de cabeleireiro, que também são muito comuns. E, em alguns dias, grupos folclóricos se apresentam com suas músicas e trajes típicos das danças bolivianas.
A existência dessa feira boliviana prova a necessidade que esses imigrantes possuem de manter um contato com suas raízes, pelo fato de não se incorporarem totalmente à cultura brasileira. Mesmo que esse evento tenha se tornado um ponto turístico, das duas mil pessoas circulam por lá todos os domingos cerca de 90% são bolivianos que vão matar a saudade de seu país de origem.
Pastoral dos Migrantes
A imigração sempre foi algo muito difícil, até porque deixar a sua terra natal em busca do desconhecido é uma experiência um tanto traumática. Os bolivianos da Feira Kantuta já passaram pela fase mais crítica desse processo, que é a chegada e o estabelecimento no Brasil. Muitos deles já possuíam parentes e promessas de emprego por aqui, o que representa uma grande facilidade para esse estrangeiro. Já aqueles que não possuem nenhuma alternativa prévia e literalmente buscam pela sorte nesse novo país sofrem mais.
Uma possibilidade para esses que têm o trabalho de descobrirem sozinhos um novo país é a Pastoral dos Migrantes. O Serviço Pastoral dos Migrantes, fundado em 1985, é um organismo vinculado ao Setor Pastoral Social da CNBB. Dentre suas atividades está a acolhida desses migrantes, sejam os estrangeiros ou os brasileiros de outras regiões. Além disso, eles orientam e dão assessoria jurídica aos recém-chegados, como também um suporte baseado na religião. Eles também são responsáveis pela organização da Semana do Migrante, que ocorre desde 1986, que tem o propósito de conscientizar e acolher o migrante.
A Pastoral dos Migrantes possui três setores principais, são eles: migrantes sazonais/ temporários, que são aqueles que se deslocam temporariamente relacionados, sobretudo, ao trabalho nas safras agrícolas e carvoarias; os migrantes urbanos e os imigrantes latino-americanos, com o objetivo de atuar em questões que dizem o respeito à cultura, à documentação, à lei dos estrangeiros e aos direitos humanos.
Mesmo relacionada à religião, a Pastoral dos Migrantes cumpre o seu papel na acolhida dessas pessoas que apenas possuem o sonho de construir uma vida melhor, quem sabe, um pouco diferente daquela que possuíam em suas terras natais. Outro fator de suma importância é a preocupação que eles possuem na conscientização da comunidade em geral, prevenindo o xenofobismo.
Povo acolhedor
Diante do histórico repleto de imigrantes que o Brasil possui, bem como, da alta taxa de miscigenação, é fácil entender o porquê aceitar essas pessoas com hábitos, aparências e culturas completamente diferentes não é um obstáculo intransponível. Mesmo que o preconceito contra o estrangeiro ainda exista no Brasil, o brasileiro tem-se mostrado mais receptivo para com os imigrantes do que outros povos.
Uma pesquisa realizada em âmbito mundial pelo Instituto Ipsos MORI revela que 49% dos brasileiros acreditam que a presença dos imigrantes torna um país mais interessante de se viver. O Brasil foi o que obteve uma maior porcentagem nessa pesquisa, o infográfico abaixo traz a posição e os valores dos dez primeiros países nesse ranking. Outra pergunta realizada nessa mesma pesquisa foi se a imigração traz benefícios para a economia, 47% dos brasileiros responderam que sim. Os países que participaram dessa pesquisa foram: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Hungria, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Polônia, Rússia, Suécia e Turquia.
O povo brasileiro mostra-se, segundo a pesquisa, como um povo acolhedor, que sabe lidar muito bem com a imigração. Não podia ser diferente, até porque os brasileiros não são um povo, mas sim a miscigenação de vários, que, ao longo da sua história, tiveram papéis imprescindíveis. Assim como eles, esses novos imigrantes latino-americanos estão ao mesmo tempo descobrindo e criando um novo Brasil.