Por Suzana Petropouleas
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A católica família de Bridget Ertz (Hilary Swank) leva bastante a sério o “até que a morte os separe” —- mas e quando a união de seus pais, Bert (Robert Foster) e Ruth (Blythe Danner), é ameaçada pela possibilidade de que a mãe, com Alzheimer avançado, teria melhores cuidados numa instituição especializada do que ao lado do marido com quem há décadas divide a construção de suas memórias? A relutância de Bert em permitir que a esposa vá para a instituição escolhida por Nicky (Michael Shannon), irmão de Bridget que cuida dos pais, é amor? Apego? Ou medo de ser, também, esquecido pela mulher com quem construiu uma vida junto?
Nas primeiras cenas, Tudo o Que Tivemos (What They Had, 2018) pode parecer só mais um drama familiar hollywoodiano como outros já produzidos. Mas o roteiro e direção de Elizabeth Chomko trazem originalidade ao longa, retratando amor, família e morte com uma sensibilidade que permite apresentar com delicadeza diferentes nuances e perspectivas sobre as questões que permeiam o filme.
Bridget é casada há 20 anos com um rapaz aprovado pela família. Agora, aos 40, estaria ela ainda feliz? Num dos mais bonitos diálogos do longa, desenvolvido com maestria por Swank (vencedora do Oscar de Melhor Atriz por Meninos Não Choram e Menina de Ouro), a personagem ressalta a solidão que também pode permear a vida a dois. Por que ela não tem o que os pais tiveram?
Com simplicidade e sem condescendência, o longa convida a audiência a refletir sobre essas questões com brandura e uma dose afetuosa de humor. Bert —- o patriarca cuja insistência em manter-se cuidando da mulher amada adoecida, aliada à ótima interpretação de Foster, cria um personagem que facilmente ganha o carinho do público —- faz questão de descartar qualquer idealização fantasiosa sobre relacionamentos de longo prazo, tão comum em filmes do gênero. “Não é mágico. Você encontra alguém que suporta e assume um compromisso”, afirma em um dos diálogos para a filha descontente em seu próprio casamento. Ainda assim, é difícil não aspirar a um amor como o do casal de idosos ao se deparar com cenas como a que um divertido Bert de cabelos brancos e óculos de grau casualmente retoca a raiz dos cabelos da esposa no meio da cozinha da casa que dividem.
A dinâmica entre Bridget, que mora longe dos pais e só aparece para visitas ocasionais, e o irmão Nicky, exausto e sobrecarregado pela tarefa de cuidar sozinho dos progenitores, gera os principais momentos de humor e também de tensão do roteiro. Embora antagonize a maioria das decisões da irmã ao longo do enredo, Nicky é também uma vítima da situação. “O único antagonista é o tempo”, afirma Chomko nas notas de produção da obra. É o tempo quem esvai progressivamente as memórias de Ruth, desgasta à exaustão a relação de Nicky com os pais e coloca o casamento de Bridget à prova.
A diretora entende bem do tema. Há 17 anos, sua própria avó foi diagnosticada com Alzheimer, mobilizando toda sua família para o que descreve como um dos maiores desafios da vida de todos os envolvidos. A obra é assim, também, tanto um retrato quanto um tributo à vida em família e a importância do amor — e do humor —- em momentos de crise.
O filme estréia nos cinemas brasileiros em 2 de maio de 2019. Veja o trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=BxdFyt28dFs