Se você já assistiu ou leu algum dos volumes de Harry Potter, você provavelmente já ouviu falar de quadribol. O “esporte dos bruxos”, criado pela escritora J.K. Rowling, aparece com muita frequência na saga e tem até livro sobre a sua história, de forma que é bem improvável não reconhecer esse nome. Entretanto, até mesmo um grande fã da série pode não saber que, há algum tempo, o quadribol deixou de ser apenas ficção e se tornou um esporte real.
Na saga, o espectador é apresentado a um universo mágico, paralelo ao mundo real, cheio de detalhes e peculiaridades, desenvolvido com muito cuidado pela autora. E, se os bruxos frequentam escolas diferentes, têm uma culinária tradicional e até mesmo um Ministério próprio, claro que não faltaria um esporte específico do mundo da magia.
Originalmente, o quadribol é jogado por bruxos montados em vassouras voadoras e conta com bolas que se movem sozinhas. De fato, parece ser um esporte impossível de se jogar na vida real. Contudo, atualmente existem até seleção brasileira e Copa do Mundo de quadribol. O esporte adaptado para a vida real é chamado por muitos de “quadribol dos trouxas” (termo utilizado na saga para denominar aqueles que não têm poderes mágicos), e tem despertado a curiosidade de muitos fãs e esportistas.
Tudo começou como uma brincadeira entre dois amigos, estudantes da Faculdade de Middleburry, em Vermont, nos Estados Unidos, em 2005. Aos poucos, outras pessoas foram se interessando e vários times surgiram nos EUA e, depois, em muitos outros países.No Brasil, o primeiro time a ser criado foi o Rio Ravens, em 2010, no Rio de Janeiro. Hoje, existem times em várias cidades e alguns campeonatos nacionais. Mas como um esporte que inclui tanta magia funciona na realidade? Aos poucos, foram feitas várias adaptações que transformaram esse esporte numa coisa nova, mas sem perder sua identidade.
Preparar, apontar… voo?
“O quadribol é muito fácil de entender, mesmo que não seja fácil de jogar”, explica o personagem Olívio Wood no primeiro livro da série, Harry Potter e a Pedra Filosofal. “Tem sete jogadores de cada lado. Três deles são artilheiros. […] Os artilheiros atiram a goles um para o outro e tentam metê-la em um dos aros para marcar um gol”. No esporte original, a goles é uma bola vermelha similar a uma bola de futebol, e em cada lado do campo existem três aros, aos quais se refere o jogador, na passagem citada. Na vida real, ela é substituída por uma bola de vôlei, e os aros são feitos de canos PVC. Há também o goleiro, que tem a função de defender os aros, em ambas as versões do quadribol. No livro, Harry chega a comparar essa parte do jogo com um “basquete com seis cestas e vassouras”, e, na verdade, é mais ou menos isso mesmo, mas só um pouco mais complicado.
“Os balaços voam pelo ar tentando derrubar os jogadores da vassoura. É por isso que tem dois batedores em cada time. […] A função deles é proteger o time dos balaços e tentar rebatê-los para o outro time”, explica Wood. No mundo mágico os balaços são bolas que têm vida própria, e, para rebatê-los, os batedores utilizam tacos similares a tacos de beisebol. Eles são adaptados para bolas de queimada, que são arremessadas em outros jogadores pelos batedores do mundo real (com as mãos mesmo).
Além disso, na versão mágica, há o pomo de ouro, que “é a bola mais importante de todas. É muito difícil de se apanhar porque é veloz e pouco visível. A função dos apanhadores é agarrá-la. Eles têm que se meter entre os artilheiros, batedores, balaços e a goles para agarrá-lo antes do apanhador do time contrário, porque o apanhador que agarra o pomo ganha para o seu time mais cento e cinquenta pontos, o que praticamente lhe dá a vitória. […] Um jogo de quadribol só termina quando o pomo é apanhado, o que pode demorar uma eternidade.” Na adaptação, o pomo é uma bola de tênis presa por um velcro no short de uma pessoa, que pode correr livremente pelo campo;, e apanhá-lo rende apenas trinta pontos.
Por fim, na vida real, as vassouras são substituídas por canos de PVC, que não podem ser derrubados enquanto os jogadores correm pelo campo durante o jogo. Faixas coloridas na cabeça identificam a função de cada componente do time em campo no momento.
Times e Competições
No dia 28 de abril, o Arquibancada visitou o treino do time Kelpies do Orion, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Eles explicaram um pouco do funcionamento do jogo e falaram sobre as competições que existem no esporte.
Além do Campeonato Carioca, existe o Campeonato Brasileiro, do qual o time já participou em anos anteriores. Este ano acontecerá também a primeira edição do Campeonato Paulista.
Sobre a Copa do Mundo, os jogadores contaram que, para participar, é preciso arcar com as despesas e, por isso, na última edição do evento não foi necessário um processo seletivo para montar o time que representaria o Brasil, já que o número de inscritos não ultrapassou o limite. Contudo, para a próxima Copa, que acontecerá em 2020 e ainda não tem sede definida, ainda não se sabe ao certo como funcionará o processo, já que, atualmente, existem mais times e, portanto, mais jogadores interessados em participar. Esse ano, ocorreu em julho o primeiro campeonato Panamericano, do qual os Estados Unidos foram campeões, e o Brasil não participou.
Um esporte para todos
Embora a ideia de jogar um esporte mágico e fictício na vida real já seja bastante diferente, essa não é a única peculiaridade do quadribol. Dentre as muitas coisas incomuns no regulamento, uma que merece destaque é a chamada “regra de gênero”. De acordo com ela, é permitido que cada equipe tenha no máximo quatro jogadores em campo que se identifiquem com o mesmo gênero. Para avaliar isso, considera-se o gênero autodeclarado pela pessoa, com o qual ela se identifica de forma independente ao sexo registrado. Além disso, de acordo com o manual oficial de regras, a Associação Internacional de Quadribol (IQA) também reconhece e aceita aqueles que não se identificam com o sistema binário de gênero.
Esse tipo de regra somente é possível em um esporte que não conta com a divisão em categorias de gênero (masculino e feminino), e realmente cria um ambiente de diversidade e aceitação. Quando perguntamos aos jogadores do time Kelpies do Orion qual era a melhor parte de jogar quadribol, ouvimos que era justamente o fato de ser um esporte muito inclusivo. No jogo há espaço para todos os tipos de atleta: sempre vai ter um lugar para se encaixar no time.
Para quem olha de fora, pensar em quadribol na vida real pode parecer louco ou até um pouco engraçado, já que a ideia original do esporte é realmente bastante distante das possibilidades que a vida real nos oferece. Pesquisando e conhecendo um pouco mais, porém, é fácil começar a acreditar que, mesmo sem vassouras voadoras e bolas encantadas, esse esporte pode trazer um pouco de magia para o mundo “trouxa”. Afinal, jogar quadribol é fazer do impossível, possível. Ou, pelo menos, nos fazer acreditar que poderia ser.