Nas culturas ocidentais, bibliotecas sempre foram um pilar de poder e erudição. Quanto mais livros, mais conhecimento. Hoje, em meio à desvalorização dos livros, elas lutam para manter seu espaço e eternizar as milhares de histórias que são guardadas em suas estantes. O aluno de biblioteconomia da USP, Henrique Corleone, acredita que os livros nunca vão acabar, apenas estão passando por uma fase de adaptação às novas tecnologias. Em contrapartida, entre 2007 e 2017, mais de 21 mil livrarias e papelarias fecharam as portas no Brasil, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
São Paulo possui 102 bibliotecas municipais espalhadas pela cidade, que se integram por um sistema único. São 46 em Centros Educacionais Unificados (CEUs), 56 nos bairros, além dos centros culturais em bairros periféricos. Todas juntas possuem um acervo de mais de cinco milhões de livros e outros conteúdos, como CDs, DVDs e jornais. Esses espaços são totalmente geridos pelo governo da cidade de São Paulo. De acordo com o Portal de Transparência de despesas da Prefeitura, o orçamento de 2019 prevê gastar por volta de 20 milhões de reais com “obras, instalações, equipamentos e material permanente”, pasta esta que inclui a manutenção das 102 obras municipais. Contudo, não há dados específicos para os gastos exclusivamente com bibliotecas.
Essas bibliotecas sobrevivem ao caos de uma metrópole como a paulistana e a todo estresse no modo de vida de seus cidadãos. São, na verdade, uma fuga a essa realidade. Lá, há silêncio e calma para se ler um livro ou revista em um ritmo diferente do cotidiano. Em 2018, as bibliotecas de bairro, que somam 51, tiveram aproximadamente 1 milhão de visitantes. Desde que o rádio, a TV e, principalmente, a internet surgiram, a leitura foi cada vez mais suprimida.Hoje, ler livros com frequência é raro: o brasileiro lê em média 2,5 livros por ano. Geraldo Magalhães, frequentador da Biblioteca do Jardim Bonfiglioli, é uma exceção à regra, e lê por volta de um livro por mês. Conta que se não fosse pela gratuidade no aluguel de livros na biblioteca, não pagaria por eles e não leria com tanta frequência.
Em uma tarde na biblioteca Mário Schenberg, no bairro da Lapa em São Paulo, consigo ouvir passarinhos, que cantam no quintal de inverno do espaço, e sentir o cheiro de mato depois de uma garoa que caiu por uns minutos. Por entre esses sons ambientes, escuto cadeiras sendo arrastadas, sinal de que tenho companhia no amplo local. Por volta das quatorze horas, crianças chegam para uma atividade recreativa: é a apresentação de uma marionete que canta cantigas populares e conta histórias. Elas não atrapalham, só enchem de vida o lugar antes quase vazio de pessoas.
Esse tipo de episódio, que pode abranger vários tipos de arte —desde música a teatro— é uma maneira de atrair mais pessoas ao espaço público. Geraldo conta que eventos assim são uma ótima forma de interação entre os moradores de seu bairro, já que sem isso não conheceria muitos de seus vizinhos. As bibliotecas, diferente do que, muitas vezes, o senso comum pensa, podem ser sim um local de sociabilidade.
A biblioteca como espaço de convivência é evidente na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Lá há um espaço de estudo em grupo e até mesmo aluguel de salas de audiovisual, onde pode-se assistir a filmes, séries e ouvir discos de vinil com outras pessoas.
Uma das barreiras para o uso de bibliotecas é a difusão de e-books, desde o Kindle até plataformas de leitura no celular. Eles se popularizaram por serem de fácil leitura, ocuparem pouco espaço e serem, muitas vezes, de graça. Além disso, algumas bibliotecas municipais sofrem com desatualização e dependem de doações para adquirir livros mais recentes. É difícil competir com a rapidez com a qual a internet despeja novos conteúdos aos usuários. Não só livros de escritores famosos, mas fanfics, contos, poesias… Enfim, todos os tipos de texto produzidos pelo mundo que podem ser compartilhados a todo instante para todos.
Frente à essa competitividade, Henrique Corleone expõe o momento de mudanças que as bibliotecas estão passando. Segundo ele é cada vez mais comum a criação dos “centros culturais”, onde há não apenas livros mas conteúdo audiovisual e eventos para todas as idades. As visitas a bibliotecas não se resumem mais apenas à procura de livros e passam a ser um espaço mais democrático, já que pessoas que não sabem ler podem participar também. Durante o mês de julho, por exemplo, serão oferecidos diversos shows de artistas,por conta das férias escolares.O calendário pode ser encontrado neste link.
As bibliotecas públicas continuam existindo e resistindo em meio às novas tecnologias. Seja para ler o jornal, assistir a uma apresentação, apenas passar o tempo ou até mesmo estudar, elas ainda atraem um público que tira os pés do acelerador e busca maneiras de escapar por um tempo da rotina exaustiva que vivemos. O problema é que a maioria de nós aceita continuar em alta velocidade e perde a possibilidade de viver outras experiências.
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