A palestra “Charles Darwin e Jornada da Ciência” ocorreu no Salão de Ideias da 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no domingo, 3 de julho, e contou com a participação de Leda Cartum e Sofia Nestrovski — idealizadoras do podcast Vinte mil léguas e autoras do livro As vinte mil léguas de Charles Darwin, Fernanda Diamant, criadora da editora Fósforo e da livraria Megafauna, e, infelizmente, não teve a presença do jornalista de ciência da Folha de S. Paulo, Reinaldo José Lopes, pois estava com covid-19.

O título da palestra e os convidados foram suficientes para atrair o público amante da área científica, como Ana Carolina Bezerra, graduada em física pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em jornalismo científico no LabJor da Universidade estadual de Campinas (Unicamp) e, atualmente, trabalha com a edição de livros didáticos na FTD. “Como entusiasta [da área científica, esse tipo de palestra] é a materialização de uma coisa que eu sempre quis trabalhar, pensando em como eu vejo o conhecimento científico e o seu compartilhamento. Essa democratização é importante para a sociedade”, diz Ana, que é ouvinte de longo prazo do podcast.
O evento, mediado por Fernanda, abrangeu as diversas partes do trabalho feito pelas convidadas: desde a ideia inicial, passando pelo processo de pesquisa e terminando no impacto do podcast.
A ideia
Leda e Sofia, ambas formadas em Letras e com mestrado em Literatura, disseram não ter nenhuma experiência com a área científica antes do projeto. Elas ganharam um prêmio pela Revista Quatro Cinco Um para fazer um projeto de iniciação científica. Fernanda brinca e diz que o tema “Charles Darwin” foi mais uma imposição dela do que uma escolha. “A gente não tinha a menor familiaridade com os textos científicos, foi uma coisa completamente nova. Mas a gente tinha muita familiaridade com poesia e literatura, e começamos a ler o livro do Darwin, A origem das espécies, como líamos na literatura. Com esse foco, percebemos que o texto científico tem a mesma atenção no mundo que o escritor tem, afinal de contas, o Darwin também é um escritor”, relata Leda.
A pesquisa
“Teve momentos que estávamos escrevendo juntas e eu escrevia uma página inteira, aí vinha a Leda no dia seguinte e apagava tudo. Isso rola o tempo todo entre a gente e nós precisamos desapegar e confiar uma na outra”, conta Sofia. Elas sempre foram escritoras, mas escrever um roteiro de podcast é diferente de escrever um livro, ainda mais, quando o tema é de uma área que elas nunca tinham se aprofundado antes. Manter o padrão, sintetizar e ter um prazo de entrega são algumas características dessa produção.
Quanto à primeira temporada, que aborda o naturalista britânico Charles Darwin, todas as cartas escritas por ele podiam ser encontradas e em bom estado na internet. Porém, com Alexander von Humboldt, explorado na segunda temporada do podcast, não foi tão fácil assim. Haviam poucos materiais disponíveis e muitos estavam em alemão ou até em latim. Todo esse estudo levanta a questão da responsabilidade quanto ao conhecimento científico. O público perguntou: “Como vocês se sentem tendo essa responsabilidade científica?” Fernanda, que é editora de ciência há muito tempo, falou sobre como é publicar ciência: “O nosso papel é político e é muito importante juntar a ciência à cultura”. Leda ressalta: “É um público muito diferente do meio acadêmico. E vamos entendendo que há uma responsabilidade aí também. Isso fez com que sentíssemos mais vontade de conhecer novas pessoas, conversar com quem entende dos assuntos que temos interesse em falar”.
A pesquisa para trazer todos os dados corretos também foi complexa . Para manter a qualidade do podcast, elas fizeram muitas entrevistas, foram atrás de especialistas para falar dos assuntos que elas não dominavam: “Nós fazemos uma planilha no Excel com todos os textos fichados. Chegamos a ter 70 fichamentos organizados para sempre colocarmos os créditos e acharmos tudo o que precisamos quando necessário. Cada porta que entramos nos leva a outras dez. Usamos a nossa curiosidade como guia”, comentam Sofia e Leda.

O impacto
Renovado para a terceira temporada, o podcast Vinte mil léguas virou o livro As vinte mil léguas de Charles Darwin, lançado com o apoio da editora Sesc. Ele é a transformação da primeira temporada da obra auditiva para o mundo literário. Além disso, Leda e Sofia foram convidadas a integrar a curadoria da exposição “Darwin, o original”, no Sesc Interlagos, para a qual reuniram conteúdos da passagem do pesquisador pelo Brasil. No podcast, Leda analisa que a visita de Darwin ao Brasil levanta aspectos científicos e sociais, visto que ele estudou a fauna e flora brasileira, levou-as para a Europa e criticou o país por conta da presença da escravidão.
Em entrevista ao Laboratório, Sofia fala que sua inspiração para ter tanto empenho durante a pesquisa consiste em conversar com pessoas que estão fazendo coisas diferentes das dela, criar conexões, caminhar e, segundo ela, “buscar ativamente pela motivação”. Para Leda, tudo o que a interessa tem uma espécie de brilho, ela olha e vê que tem algo de importante. Isso a motiva e, assim, elas nunca se desapaixonam do trabalho delas, sendo muito apegadas. Na palestra, ela parafraseia a escritora Simone Weil dizendo: “A beleza é algo em que se pode prestar atenção”, o que é um bom resumo da inspiração de Leda.
A palestra deixou ensinamentos além dos de Darwin e sua jornada e foi importante para a compreensão de como é feito o podcast Vinte mil léguas e também a importância de eventos como esse para todos, incluindo os amantes de ciência. “Eu acho muito importante essas iniciativas [podcast Vinte mil léguas] para incentivar as pessoas. Ele é muito importante por ser interdisciplinar, ele parte dos cientistas como escritores também. As autoras dão o contexto histórico, o que influenciava eles, o que eles pensavam e nós vemos como isso vai mudando a sociedade. Vamos entendendo a ciência, não como algo fechado de laboratório, mas como algo que é de todos e que tem implicações para todo mundo”, relata Ana Carolina.
*Imagem de capa: Arquivo pessoal/ Alessandra Ueno
