Jornalismo Júnior

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Serial, Making a Murderer, e a sociedade voyeur

(À esquerda, Sarah Koenig, criadora, produtora e narradora de Serial. À direita, cartaz promocional de Making a Murderer. Imagem: Fredy Alexandrakis) Quando Sarah Koenig criou o podcast Serial, em 2014, ela não imaginava que atingisse tamanha popularidade. Em seu discurso de aceitação do prestigioso prêmio midiático Peabody- o primeiro concedido a um podcast-, ela disse: …

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(À esquerda, Sarah Koenig, criadora, produtora e narradora de Serial. À direita, cartaz promocional de Making a Murderer. Imagem: Fredy Alexandrakis)

Quando Sarah Koenig criou o podcast Serial, em 2014, ela não imaginava que atingisse tamanha popularidade. Em seu discurso de aceitação do prestigioso prêmio midiático Peabody- o primeiro concedido a um podcast-, ela disse: “Nós não esperávamos receber muita atenção, de modo algum. Nós o produzimos, em sua maioria, no meu porão, com almofadas e cobertores jogados para abafar os ruídos”. Nessa noite de premiação, os episódios da primeira temporada do programa já tinham sido baixados mais de 60 milhões de vezes.

Percebe-se que Serial não é um podcast qualquer. Porém, ele não se diferencia apenas pelo número de downloads: seu formato serializado, contando uma única narrativa ao longo de vários episódios, que rendeu o nome e o slogan da produção (“One story told week by week”- Uma história contada semana por semana), é relativamente inusitado, e funcionou a favor de sua popularização. Serial conta a história do assassinato de uma estudante do Ensino Médio, Hae Min Lee, e levanta a questão da possível inocência do suspeito preso em 1999 pelo crime, Adnan Syed. O caso já é digno de um romance policial, e o intervalo entre episódios permitiu que seus ouvintes realmente se envolvessem, investigando por conta própria e divulgando suas especulações nas redes sociais. Pessoas que nem sabiam o que era um podcast entraram em contato com a série, no Twitter; e comunidades quase obsessivas destrincharam cada um de seus detalhes, no Reddit. Hashtags surgiram- #freeadnan sendo a mais recorrente. Mais de 200 mil dólares foram arrecadados para cobrir as despesas jurídicas de Syed. Celebridades deram sua opinião sobre quem era o real culpado. E, em um momento surreal, Sarah Koenig assistiu ao nome de seu podcast ser citado na audiência que determinaria a abertura de um novo julgamento para Adnan.

Em resumo, e contrariando expectativas, o programa recebeu sim muita atenção. Por algum motivo, as pessoas se interessaram em ouvir um documentário em áudio de aproximadamente dez horas de duração. Um fenômeno semelhante ocorreu com a série do Netflix Making a Murderer, lançada no final de 2015, e que de imediato rendeu várias comparações ao podcast. Também documental, também investigativa, e também trabalhando com a figura ambígua de um condenado possivelmente inocente, a série apresenta Steven Avery, preso injustamente por 18 anos pelo estupro de Penny Beernsten, e novamente detido apenas 2 anos após sua libertação pelo assassinato de Teresa Halbach. Avery já foi um pária de sua comunidade na pequena cidade de Manitowoc, Wisconsin, mas hoje conta com milhares de apoiadores ao redor do mundo. Até o presidente dos EUA, Barack Obama, se viu forçado a comentar o caso após uma petição pelo perdão das acusações contra Avery angariar mais de 500 mil assinaturas.

O que explica a ascensão meteórica desses documentários- gênero ao qual, geralmente, não é dada a devida atenção? Antes de mais nada, é preciso admitir a qualidade narrativa de ambas produções. Sarah Koenig é uma jornalista experiente, produtora do consagrado podcast This American Life, e se mantém uma guia extremamente envolvente por todos os entremeios e questionamentos do caso apresentado. Making a Murderer é estratégica ao inspirar a indignação em sua audiência, e deixá-la ansiosa por um desfecho. Mas até que ponto o sucesso dessas séries é determinado apenas pelo talento dos contadores de suas histórias, e até que ponto não se pode suspeitar que há um entretenimento, quase vulgar e voyeurístico, na observação da vida e desgraça alheia?

Documentário ou reality show?

À esquerda, imagem promocional de Serial. À direita, Hae Min Lee, estrangulada e enterrada em cova rasa em Baltimore, 1999. Imagem: Fredy Alexandrakis

O veículo de notícias The Guardian tem se mostrado especialmente sensível a esse tipo de questionamento. No final de 2014, o site publicou duas matérias explorando o potencial sensacionalista de Serial: a primeira diz respeito a uma das já mencionadas comunidades online semi-obsessivas, um subreddit dedicado exclusivamente ao podcast. É um espaço onde os membros sentem-se livres para se tornarem detetives, e especularem sobre a culpa de envolvidos no caso de Adnan Syed. O problema é que, apesar da força narrativa da série, ela não é um drama policial nem uma radionovela; e os acusados são pessoas reais que leem o que é publicado online. E que vez por outra respondem ao debate- que não existe num vácuo virtual. O irmão da vítima (Hae Min Lee) posta regularmente no subreddit e comentou: “PARA MIM É A VIDA REAL. Para vocês ouvintes, é mais um mistério de assassinato, drama criminal, mais um episódio de CSI”.

Já em relação a Making a Murderer, o advogado de defesa de Steven Avery afirmou, também em entrevista ao The Guardian: “Eu nunca vi algo que mostra os bastidores da preparação anterior a um julgamento sério. Foi por essa razão que eu concordei em participar, pra começo de conversa. O público é dado uma impressão de serem júris nesse caso; o que eles fariam? Isso o torna no melhor reality show”. Será que é moralmente correto tornar julgamentos reais de assassinatos no entretenimento da mesa de jantar?

Uma questão de responsabilidade

Talvez tenha-se, nesses exemplos, a síntese dos perigos da subjetividade do Novo Jornalismo, que caminha de encontro à cultura humana do espetáculo, ainda que suas produções sejam melhor fundamentadas e apuradas do que as quais geralmente são associadas ao fenômeno do “sensacionalismo”. Serial e Making a Murderer são representativos de um modelo de transmitir informação que promete ganhar mais espaço, precisamente devido a sua capacidade de “viralizar”, o que exige uma reflexão quanto às consequências do jogo emocional no meio jornalístico.

O cineasta alemão Michael Haneke, roteirista e diretor de filmes consagrados pela crítica, como Amour e A Fita Branca, foi uma vez questionado pelo veículo The Hollywood Reporter sobre qual deve ser o papel do artista frente às tragédias reais, e, mais especificamente, sobre qual deve ser o tratamento dado a figuras antagônicas, como Hitler. No entanto, sua resposta carrega uma mensagem bem mais abrangente:  “Quando você está lidando com uma figura de um contexto histórico tão amplo e profundo, a questão é: quem você está humanizando? […] Você está tentando atingir seus espectadores, sensibilizá-los, mas quais emoções você está gerando? Existe uma questão de responsabilidade, […] em primeiro lugar para com seus espectadores, sua audiência. Responsabilidade significa permitir que sua audiência permaneça independente e livre de manipulação. A pergunta é o quanto eu levo a sério meu espectador, e até que ponto eu o dou a oportunidade de criar suas próprias opiniões, de confrontar a figura histórica por si só? […] Essa é uma pergunta fundamental, quer você esteja lidando com uma figura histórica como Hitler ou simplesmente um indivíduo que você criou para o roteiro.” E quando perguntado se ele próprio consideraria fazer um filme sobre Hitler, continua: “É impossível, para mim, fazer isso, por causa da ideia de criar entretenimento a partir disso, de tornar isso em entretenimento– e esse é o motivo pelo qual eu tenho problemas com o filme [A Lista de Schindler], por exemplo. A ideia, a mera ideia de tentar criar suspense a partir da questão de se do chuveiro sairá gás ou água, para mim isso é horroroso. Qualquer coisa que trate um assunto desse tipo como entretenimento é horrorosa”.

Por Fredy Alexandrakis
fredy.alexandrakis@gmail.com

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