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Futebol e política se misturam? Jogadores e torcidas mostram que sim

'O futebol é uma ferramenta política da população, sobretudo da população trabalhadora. É o seu direito de se manifestar e de se colocar enquanto sujeito na sociedade', afirma Felipe Lopes, professor da Faculdade de Sorocaba

No último mês, torcedores santistas receberam o presidente Jair Bolsonaro com vaias quando o governante atendeu ao jogo do Santos contra o Coritiba, na Vila Belmiro, em São Paulo. A Torcida Jovem do Santos, primeira torcida organizada do time, declarou que não apoiava a presença do político no estádio, muito porque, para ela, tratava-se de uma estratégia de propaganda política às custas da paixão ao clube. Bolsonaro declara-se palmeirense.

O fato gerou comoção nas redes sociais e reacendeu uma discussão que costuma aparecer nos holofotes: futebol e política se misturam? Para alguns, manifestações políticas de qualquer cunho devem ser reservadas ao lado de fora do estádio. Para outros, todos os espaços são passíveis de envolvimento político.

À luz desse impasse, selecionamos dois períodos históricos do universo do futebol, da década de 80 à atualidade, que mostram como a política aparece em diversos contextos e formas.

 

A Democracia Corinthiana (1981-1984) e a demanda por participação política

A Democracia Corinthiana foi um movimento do Sport Club Corinthians Paulista da década de 80. A ação ganhou reconhecimento por seu método revolucionário de administração democrática e atuações políticas firmes, dentro e fora dos estádios, como reivindicações por eleições diretas.

Celso Unzelte analista o movimento político da Democracia Corinthiana.
Celso Dario Unzelte é jornalista, pesquisador, comentarista esportivo, professor da Faculdade Cásper Líbero e escritor. [Imagem: Reprodução/Twitter]
De acordo com Celso Unzelte, jornalista, pesquisador, historiador do clube e professor da Faculdade Cásper Líbero, a mobilização surgiu em um período de vácuo de poder. Vicente Matheus, que havia sido presidente do Corinthians por alguns anos, já não podia se candidatar às eleições de 1981 e decidiu apoiar Waldemar Pires ao cargo, de modo a ser seu vice.

“Ele [Vicente] achava que Waldemar ia ser só um boneco, e que continuaria mandando como vice-presidente, mas Waldemar se rebelou e Matheus se afastou do clube”, descreve Unzelte. Essa guinada nos acontecimentos possibilitou uma renovação no time, principalmente pela adição de Adilson Monteiro Alves, sociólogo, como diretor de futebol. Adilson, com suas ideias pouco ortodoxas, não só contratou Mário Travaglini como técnico, como instituiu um novo modelo de gestão que prezava pela participação dos jogadores.

A politização conjunta encabeçada pelo diretor fez com que os “operários do futebol” tivessem acesso às decisões, além de criar uma partilha de renda que se expandia aos faxineiros e roupeiros. Eram levantadas questões sobre contratações, logística e recursos para organizações de viagens, horários de treino, etc., e o voto foi naturalizado entre os jogadores.

Para Celso, “houve uma grande coincidência ao reunir Sócrates, que era um grande líder da Democracia, e Wladimir, que era uma pessoa ligada ao movimento negro e sindical, e que, por muito tempo, não teve voz por conta de uma condição muito conservadora do clube”. Outras figuras também deixaram sua marca como símbolos do movimento, é o caso de Walter Casagrande, Biro-Biro e Zenon.

Democracia Corinthiana. [Imagem: Reprodução/Twitter]
O novo formato teve um efeito positivo no time, tendo em vista os títulos conquistados em 1982 e 1983. O Corinthians caiu nas graças do povo, que se identificava com o modelo e apreciava as vitórias. No entanto, mais do que um sistema arrebatador por si só, a Democracia Corinthiana bebia do momento de transição da época. “Em todo lugar estavam discutindo democracia. Na verdade, mais do que democracia, se discutia redemocratização”, relata Unzelte.

A derrocada do movimento só aconteceu a partir de 1984, quando Sócrates considerava jogar na Fiorentina, clube da Itália. O jogador alegava que sairia do Corinthians se a Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que restabeleceria eleições diretas para presidente da república no Brasil após 20 anos de regime militar, não fosse aprovada. O Congresso decidiu reprová-la, ainda que a população clamasse por democracia, e o meio-campista cumpriu sua promessa.

Com a saída de um de seus maiores ídolos, o que era uma potente corrente política se desmantelou aos poucos. A derrota de Adilson Monteiro Alves no pleito para presidente, em 1985, finalizou de vez o ciclo.

Esse cenário de colaboração democrática que marcou os anos 80 tem se mostrado cada vez mais distante dentro dos clubes, em razão de gestões continuadas que pouco se alinham aos interesses dos jogadores. Celso descreve que, em 111 anos de existência do Corinthians, existiram poucos presidentes, e estes permaneceram no comando por muito tempo. Para ele, “a Democracia Corinthiana é um oásis com pouca probabilidade de repetição”.

Por outra perspectiva, times que são essencialmente populares costumam acender fagulhas de esperança em um futuro mais democrático. Um exemplo crasso é a manifestação da Gaviões da Fiel, em 1979, com a exposição da faixa que estampava a frase “anistia ampla geral e irrestrita” no estádio do Morumbi, em referência à Lei da Anistia. Ainda em regime militar, a lei concedia libertação aos presos políticos e perseguidos pela ditadura.

Anistia ampla, geral e irrestrita. [Imagem: Reprodução/Twitter Gaviões da Fiel]

Torcidas antifascistas: o que são e para onde vão?

Na era do presidencialismo, a política continua como parte constituinte dos times e de suas torcidas, embora o conservadorismo seja forte no cenário. Em contrapartida, um fenômeno relativamente recente, que marca uma nova época de movimentos em favor da democracia, aparece na forma das torcidas antifascistas.

No exterior, em especial na Europa, muitas torcidas se articulam ao redor de um ideal político definido, através do binômio esquerda-direita, que fundamenta suas alianças e atritos. No Brasil, por outro lado, existem particularidades que diferenciam a práxis dessas organizações.

Felipe Tavares Paes Lopes é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba. [Imagem: Arquivo Pessoal]
Em entrevista ao Arquibancada, Felipe Tavares Lopes, professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba, relata que, no país, existem três cenários específicos de grupos antifascistas.

O primeiro é no Ceará, onde há o setor Ultras Resistência Coral, parte da torcida do Ferroviário Atlético Clube. Esse grupo atua como uma torcida organizada antifascista, haja vista que se promove com a ajuda de elementos comuns ao torcedor tradicional, como faixas, bandeiras e baterias, além de acompanhar os jogos com fidelidade. Ao mesmo tempo, também se associam à luta contra o fascismo dentro e fora dos estádios. Lopes destaca que “este é um fenômeno restrito ao contexto cearense”.

O segundo aparece na forma de núcleos antifascistas e setorizados dentro de torcidas organizadas, como as do São Paulo Futebol Clube: em sua Torcida Independente, existe o Bonde do Che, enquanto a Dragões da Real detém a Frente Guevarista. São conjuntos ou subgrupos de torcedores que compartilham o ideário antifascista e que fazem parte de uma torcida organizada, embora não a representem — algumas destas até preferem manter a neutralidade.

E existem também os coletivos de torcedores antifascistas, que não têm vínculo direto com torcidas organizadas. Entre os torcedores do São Paulo, por exemplo, há o Bloco Tricolor Antifa, enquanto no Corinthians e Palmeiras há o Coringão Antifa e Porcomunas, respectivamente. “É um fenômeno bastante brasileiro, tendo em conta que apresenta muitas especificidades, estas que são difíceis de achar em outros lugares do mundo”, afirma Lopes.

Segundo Felipe, alguns desses coletivos sequer se denominam torcida, pois se entendem como organizações políticas que são cimentadas pelo amor por um time. Seu principal espaço de atuação não é dentro do estádio, mas nos protestos de rua — organizando e participando — e no desenvolvimento de ações nas periferias da cidade.

Não se confundem, em contrapartida, com as organizações antifascistas mais ortodoxas, cujo principal objetivo é combater manifestações fascistas através de estratégias como silenciamento, enfrentamento físico e até armado. “Eles [os coletivos] apostam na promoção de um pensamento de esquerda, sobretudo nas regiões mais pobres, e desenvolvem atividades socioculturais”, complementa.

Ato antifascista em 23 de maio de 2020. [Imagem: Reprodução/Twitter]
Ainda que diferentes em termos de ação, organizações e coletivos, cuja base é o futebol, têm se articulado desde 2018 em prol da mobilização política nas arenas e nas comunidades. Em 2020, algumas torcidas agiram como linha de frente nas manifestações contra o atual presidente Jair Bolsonaro, ao convocar e liderar atos que serviram de inspiração para grupos partidários. Entre os principais motes dos protestos havia a reivindicação por democracia, em contraponto aos recentes levantes que pediam um novo golpe militar.

Esse tipo de ação costuma ser mal vista por alguns setores da sociedade brasileira, que defendem uma divisão rígida entre esporte e política. De acordo com Lopes, há uma razão para que isso aconteça: “O processo capitalista de tornar o futebol um grande mercado está fazendo com que as noções se percam. O futebol é uma ferramenta política da população, sobretudo da população trabalhadora, é o seu direito de se manifestar e de se colocar enquanto sujeito na sociedade”. Ele acrescenta que “futebol e política sequer se misturam, pois são parte um do outro desde a raiz”.

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