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Teatro do Oprimido: quando a política encontra a arte

A criação de Augusto Boal quebra a quarta parede e instiga a mudança de perspectiva social em seus “espect-atores” diante da estética do opressor

“A arte sempre é política. Mesmo o teatro, que diz que é ‘neutro’, que só faz o entretenimento, tem um objetivo por trás: de só fazer entretenimento para você não pensar muito, ou para você pensar de uma determinada forma. Então, não tem neutralidade” 

— Bárbara Santos, dramaturga e diretora de teatro.

 

Quando falamos de teatro, pensamos logo nas produções musicais da Broadway ou em Shakespeare; enquanto que as produções brasileiras são, geralmente, esquecidas. Embora acredite-se que o descaso cultural deriva da falta de valorização e de divulgação das artes do país, é preciso considerar que, além disso, uma das razões pelas quais a cultura sofre tentativas constantes de ser silenciada, é pelo seu caráter político, exposto pela fala da dramaturga Bárbara Santos.

 

Neste quesito, surge o Teatro do Oprimido. Ele realiza a quebra da quarta parede — expressão utilizada para descrever quando os espectadores participam da peça teatral — e procura enfatizar o caráter político e libertário das artes. De acordo com José Batista Dal Farra (Zebba), professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, o Teatro do Oprimido tem essa ideia do teatro como um veículo de transformação social. Ele faz com que os seus participantes possam refletir sobre as suas vivências em cena e demonstra o caráter político das situações conhecidas como cotidianas. 

 

Dessa maneira, Augusto Boal, dramaturgo e criador do Teatro do Oprimido, promove uma ação teatral que possibilita a transformação de espectadores em atores. Ele, inclusive, cria a expressão que une as duas palavras: espect-atores. Por fim, Boal demonstra, por meio do Teatro do Oprimido, que é possível utilizar a arte para questionar a sociedade. Além disso, ele possibilita que outras pessoas possam se ver como cidadãos ao entrarem no palco e dialogarem com suas realidades que estão sendo encenadas. 

 

Augusto Boal (1931-2009): criador do Teatro do Oprimido

Nascido em 1931, na região da Penha, no Rio de Janeiro, Augusto Boal já dava enfoque nas suas primeiras obras em temas como trabalhadores precarizados, pescadores e racismo. Durante a Ditadura Militar, suas peças provocantes e sua presença em protestos contra a censura fizeram com que ele se tornasse um alvo fácil do Regime. O dramaturgo chegou, inclusive, a ser preso e torturado em 1971 e, após essa violência, exilado — período em que o Teatro do Oprimido surge.

 

Augusto Boal ganhou grande influência por todo trabalho realizado pela dramaturgia brasileira e mundial. O Teatro do Oprimido chegou a circular em mais de 70 países e o seu criador foi nomeado como “Embaixador do Teatro” pela UNESCO 

 

O dramaturgo Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, em palestra.
Augusto Boal dando uma palestra para admiradores [Imagem: Reprodução/Thehero]

 

Em entrevista à Jornalismo Júnior, o professor Dal Farra comentou que o caráter inovador do Teatro do Oprimido, ao colocar enfoque no teatro político, foi responsável pela repercussão que tal metodologia teve. Entretanto, ele acrescenta que Augusto Boal não teve a mesma valorização em seu país de origem. 

 

A ditadura e o teatro

De acordo com a professora da USP, Maria Sílvia Betti, especialista em letras com foco em dramaturgia, quando o golpe se consolidou e o governo ditatorial teve início, não só o teatro, mas também a música popular e a literatura, passaram a ficar expostos. Na universidade, professores e intelectuais de esquerda passaram a ser perseguidos e muitos tiveram que deixar o país. 

 

Em 1968, a situação piorou consideravelmente, porque foi instaurado o Ato Institucional número 5 (AI-5). “O que esse ato fez alterou para muito pior o contexto anterior. Ele instaurou a censura prévia a todos os meios de comunicação. Então, nada podia ser veiculado nem na televisão, nem na rádio, nem na imprensa e nem no teatro que não tivesse sido submetido a instâncias da censura”, afirma Maria Sílvia Betti. Para que os artistas e opositores do Regime pudessem exercer o livre pensamento crítico e de criação, eles utilizaram metáforas, duplos sentidos e entrelinhas em suas obras.

 

A professora ainda faz uma análise da relação entre a Ditadura Militar e a maior participação da classe média em peças teatrais. Segundo ela, após 1968, devido à censura, que impedia a liberdade de expressão, não se podia mais fazer teatro de rua, nem em centrais sindicais. “Todos os elos de contato entre intelectuais de esquerda e classes trabalhadoras, seja proletariado, seja campesinato, foram sumariamente cortados. Então, volta-se a fazer teatro para a classe média que podia pagar os ingressos e assistir os espetáculos dentro de teatros”, conta Maria Sílvia Betti. 

 

Dessa forma, durante o Regime Militar, a arte, inclusive o teatro, teve que achar outras maneiras de sobrevivência devido à censura. José Batista Dal Farra deixa isso claro ao afirmar que “o oprimido não é a elite. A elite é o opressor. Então, naturalmente, você fazendo um teatro do oprimido, você vai ter que criticar o opressor que é a elite”. Por isso que essas formas teatrais foram tão ameaçadas no período ditatorial, pois criticavam aqueles que estavam comandando o Brasil de maneira anti-democrática

 

A estética do opressor

Bárbara Santos afirma que Augusto Boal criticava a estética do opressor, um imaginário criado por este que influencia os oprimidos a acreditarem em realidades impossíveis. Ela segue dando um exemplo atual do programa televisivo Big Brother Brasil, no qual os participantes concorrem por um prêmio de 1 milhão e meio, afirmando que este imaginário faz com os telespectadores acreditem que todos têm a possibilidade de serem milionários. Bárbara Santos continua esta linha de pensamento trazendo para uma realidade mais comum, a do motorista de aplicativo que acredita ser um empreendedor. “Um motorista do Uber começa a achar que é empresário dele mesmo. Temos um novo imaginário. O trabalhador não precisa ter aqueles direitos que tinha antigamente, porque, hoje em dia, todos são empreendedores. Não precisa mais do décimo terceiro. É todo um imaginário de um sucesso impossível”, afirma a dramaturga.

 

Ainda de acordo com Bárbara Santos, o que Boal criticava é que não existe nada neutro. “Não existe um teatro neutro, uma estética neutra, sempre tem um objetivo. Querem criar um imaginário”, afirma a diretora teatral. Então, analisando os dois exemplos acima, o opressor do programa televisivo seria a própria emissora em que ele é transmitido, pois cria uma realidade irreal e não faz isso apenas para entreter, afinal nada é neutro. Mas sim, para gerar um pensamento de um imaginário falho, visto que é praticamente impossível ser milionário desta maneira. Além disso, no caso dos motoristas de aplicativo, o opressor é aquele que se alimenta do conceito de que o usuário é empresário dele mesmo, e não lhes garante seus direitos como um trabalhador comum.

 

Dessa forma, o Teatro do Oprimido ganha mais uma importância: combater a estética do opressor, já que aquele possibilita o diálogo entre as pessoas sobre suas realidades, representando-as em peças. Portanto, os indivíduos conseguem achar soluções para suas opressões, realizando que têm a capacidade de criar uma estética dos oprimidos, gerada nas produções feitas a partir da metodologia do Teatro do Oprimido e busca trazer imaginários mais verdadeiros para suas realidades.

 

No entanto, é preciso escutar os argumentos do opressor para que haja uma análise de meios necessários para combatê-lo. Bárbara Santos afirma que esse processo é similar às estratégias de uma guerra, onde os dois combatentes tentam descobrir os próximos passos de seu adversário para conseguirem uma vantagem. Por isso também é preciso pensar coletivamente, já que uma pessoa sozinha não vencerá a “guerra”. 

 

As facetas do Teatro do Oprimido

O Teatro do Oprimido é esquematizado por Augusto Boal como uma árvore, a qual apresenta um solo fértil em palavras como solidariedade, ética, economia, filosofia, história, política e multiplicação. Segundo o professor Zebba, essa escolha de Augusto Boal ocorre porque o dramaturgo procura enfatizar estes conceitos como base da ação teatral. Além disso, no tronco, nos galhos e nas folhas da árvore, é possível ver algumas técnicas teatrais pertencentes a essa metodologia. 

 

Devido ao seu forte caráter político, visível nas suas produções que criticavam a realidade cotidiana das populações à margem da sociedade brasileira, Augusto Boal desenvolveu diversas técnicas do Teatro do Oprimido para diferentes situações sociais. Estão entre elas: 

 

  • Teatro Imagem: Ensina uma transformação social, caracterizada pela substituição teatral da sua realidade atual por uma mais justa, por meio da mudança corporal. Os espect-atores são convidados a realizar uma espécie de escultura humana que permita interpretações das relações criadas ali no Teatro Imagem. Assim que a escultura é feita, é preciso modificá-la para achar uma solução para o problema representado;

 

  • Teatro Fórum: Os atores realizam uma representação cênica de um problema social cotidiano, como a falta de transporte público, e, após essa apresentação, os espect-atores entram em cena e buscam achar uma solução para o dilema na peça;
  • Teatro Jornal: Os atores selecionam matérias jornalísticas e representam as histórias como peças teatrais. Esse método possibilita que as pessoas vejam de maneira mais clara a objetividade da notícia e a negligência de questões sociais em algumas dessas matérias;
  • Ações Diretas: O grupo teatral vai para algum espaço público realizar intervenções diretas na realidade, como protestos a favor dos camponeses e marchas LGBTQIA+;
  • Teatro Legislativo: Os atores debatem sobre práticas de conhecimento e entendimento político legislativos, considerando o Estado democrático. A prática resulta na elaboração de rascunhos de lei que serão entregues a políticos responsáveis, visando acabar com a opressão discutida;
  • Teatro Invisível: Em um ambiente cotidiano, atores fazem a cena teatral, e precisam estar preparados para improvisar, uma vez que os espectadores não sabem que aquilo é uma cena teatral. Assim, é imprescindível que não dêem indícios de que aquilo é uma cena para que o espectador se torne ator sem saber — espect-atores;
  • Arco-íris do Desejo: Os espect-atores refletirão, de maneira terapêutica, por meio de exercícios e técnicas teatrais, sobre as diferentes formas de lidar com as pressões sociais. Essa atividade gera a reflexão para reconhecer as relações que marcam a psique produzindo traços que impedem o sujeito de agir sobre suas relações atuais que o colocam em sofrimento.

 

 

 

O esquema em desenho de árvore explica as nuances do Teatro do Oprimido.
Representação da árvore do Teatro do Oprimido [Imagem: Reprodução/Luisalvaz]

Teatro do Oprimido na atualidade

A importância da metodologia de Augusto Boal é visível em diversos aspectos. Existem três lugares, por exemplo, em que é possível analisá-la: Instituto Augusto Boal, Centro do Teatro do Oprimido e Teatro de las Oprimidas

 

O primeiro  foi fundado um ano após a morte do dramaturgo, com o intuito de repercutir e preservar as obras e as memórias do carioca. Já o Centro do Teatro do Oprimido surgiu em 1986, enquanto Boal ainda estava vivo. Ele realiza laboratórios e seminários voltados para a estética do Teatro do Oprimido, com espetáculos teatrais e projetos socioculturais.

 

A metodologia chamada Teatro de las Oprimidas, idealizada por Bárbara Santos, é similar ao Teatro do Oprimido, mas voltada para questões em relação às opressões que as mulheres sofrem.  A relação do Teatro das Oprimidas com o do Oprimido é que este nasceu primeiro, e aquele foi desenvolvendo estéticas e uma abordagem específica, ou seja, uma linha feminista, para tratar das opressões que as pessoas presenciam de uma outra perspectiva. Em entrevista à Jornalismo Júnior, a diretora afirmou que a criação do projeto partiu da vontade de apresentar as opressões que as mulheres enfrentam por uma perspectiva feminista, que não culpabiliza as mulheres.

 

Na imagem, há um desenho da árvore representando o Teatro do Oprimido, mas adaptada com o tronco em formato de um corpo feminino, representando o Teatro de Las Oprimidas.
Símbolo do Teatro de Las Oprimidas [Imagem: Reprodução/Instagram/@redmagdalenainternacional]

 

Caso haja interesse dos leitores em conhecerem mais sobre o Teatro do Oprimido na atualidade, no Teatro da USP (Tusp), nos dias 20 de junho a 1 de julho, ocorrerá o evento  Encontros com Boal, em que os espectadores poderão conhecer mais sobre o trabalho do artista. 

 

A importância do Teatro Oprimido 

Bárbara Santos afirma que é fundamental que essas maneiras de repercutir as criações de Boal na atualidade sejam mantidas, pois todos têm direito à arte: “Todo mundo tem que ter esse direito a poder ser criativo, porque a criatividade te dá a capacidade de imaginar. E, se você não tem capacidade de imaginar, não tem capacidade de imaginar o futuro. Então ter a capacidade de criar imaginários, de representar o real, de você entender qual é a sua realidade, é muito importante”, afirma a diretora teatral. Assim, o Teatro do Oprimido ajuda os seus seguidores a sonharem com um futuro melhor e com novas possibilidades, pois ele instiga uma imaginação mais crítica da realidade. 

 

Ainda de acordo com a dramaturga, essa metodologia teatral considera todas as pessoas artistas e tenta ajudá-las a elaborarem uma narrativa sobre suas vivências. Dessa maneira, cria-se um diálogo com o público e, a partir deste, busca-se uma resposta para os problemas que as pessoas narram. Essa forma de fazer teatro incentiva que os espectadores sejam os atores — espect-atores — e representem a sua opressão cotidiana, tal qual racismo e misoginia, como uma maneira de acharem uma solução para saírem dela. 

 

O Teatro do Oprimido revolucionou a maneira de fazer teatro e ampliou seu público ao criar os espect-atores. Augusto Boal via, no teatro, uma maneira de se tornar cidadão no seu país e por isso criou a metodologia que possibilitou o encontro da política e da arte. 

 

“Aquele que transforma as palavras em versos transforma-se em poeta; aquele que transforma o barro em estátua transforma-se em escultor; ao transformar as relações sociais e humanas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em cidadão” 

– Augusto Boal

 

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