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Observatório | Assassinato de ativistas na Amazônia evidencia questões graves do Brasil

Homicídio de Bruno Pereira e Dom Phillips repercute na mídia e reflete questões profundas do Brasil

No dia 5 de junho de 2022, o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, oeste do Amazonas, foi reportado e causou grande repercussão na mídia. A dupla defendia a Amazônia e os povos originários que vivem na região e são constantemente ameaçados por organizações criminosas envolvidas com retirada de madeira ilegal, contrabando de drogas e de armas, pesca e caça ilegal. O assassinato dos ativistas, confessado por um dos suspeitos dez dias após o desaparecimento, reflete um cenário de abstenção do Estado e de exploração da região por poderes paralelos.

 

Quem eram Dom Philips e Bruno Pereira

Muito antes de se dedicar à cobertura da Amazônia, o primeiro grande amor de Domenic Philipps, nascido em 1965 no sul de Liverpool, foi a música. Não à toa, seus primeiros trabalhos como repórter foram no ramo do jornalismo cultural. No entanto,  Dom Philipps se destacou como jornalista  quando se tornou um nome importante em cobertura internacional, escrevendo para jornais como The Guardian, Washington Post e The New York Times. 

Foi nesse cenário que Dom Philipps conheceu o Brasil em 2007, ao visitar a cidade do Rio de Janeiro, e se apaixonou pela música e pela natureza do país. No mesmo ano, se mudou para o país, onde morou por 15 anos, defendendo a Floresta Amazônica e participando de trabalhos voluntários. Passou um tempo no Rio de Janeiro em 2012, onde conheceu sua esposa, a designer Alessandra Sampaio, que afirmou em recente nota que buscará justiça pelo assassinato do marido: “Só teremos paz quando as medidas necessárias forem tomadas para que tragédias como esta não se repitam jamais.”

jornalista Dom Phillips em fotografia na Amazônia
Imagem de Dom Phillips na Amazônia publicada em seu Facebook [Imagem: Reprodução/Facebook]
Apesar da distância continental, Bruno Pereira compartilhava semelhanças com o britânico Dom Phillips, como o fato de também ter estudado jornalismo, na Universidade Federal de Pernambuco, e o amor de ambos pela Floresta Amazônica e seus povos originários. O pernambucano ingressou na Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2010, mas somente em 2018 começou a estudar os indígenas da região do Vale do Javari, após se tornar coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai.

No entanto, em 2019, Bruno Pereira foi exonerado do cargo na Funai, após ter organizado uma ação de fiscalização a garimpeiros ilegais na região. Mesmo afastado de sua posição, o ativista não saiu da região e continuou estudando os indígenas do Vale do Javari como assessor e consultor da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

ativista Bruno Pereira cercado de indígenas
Bruno Pereira com indígenas Korubo em imagem publicada no Instagram da Funai [Imagem: Reprodução/Instagram]
Ao longo de sua trajetória na Amazônia e na sua constante luta pelos povos originários e pela própria Floresta Amazônica, o indigenista sofreu ameaças de diversos grupos criminosos que atuam no Vale. Apesar disso, continuava lutando pela região e denunciando ações ilegais na área.

 

Itinerário da viagem e cronologia do caso

O Vale do Javari é uma Terra Indígena (TI) situada no extremo oeste da Amazônia, demarcada em 2001, e concentra a maior população de povos isolados do mundo. A TI fica na tríplice fronteira com Colômbia e Peru e tem uma posição geográfica atrativa para organizações ilegais que avançam pelos rios, sendo considerada uma das regiões mais perigosas da Floresta. O Rio Itaquaí, um braço do Rio Amazonas, é o principal curso d’água navegado pela equipe.

Em 1º de junho, o indigenista brasileiro e o jornalista inglês se encontraram na cidade de Atalaia do Norte (AM), na região do Vale próxima à fronteira com o Peru. Bruno havia chegado semanas antes para conversar com cinco aldeias e recebeu Dom, que pretendia entrevistar as lideranças indígenas para seu livro “Como Salvar a Amazônia?”.

Já no dia 3, a dupla chega a um posto de vigilância indígena na região do Lago do Jaburu, a mais distante da viagem, onde Dom pretendia fazer as entrevistas. Com a expedição quase finalizada, Bruno e Dom subiram o Rio Itaquaí para retornar a Atalaia do Norte no dia 5. No caminho, realizaram uma parada na comunidade ribeirinha São Rafael para visitar o líder comunitário conhecido como Churrasco, com quem Bruno havia marcado um encontro para conversar sobre a vigilância na região contra invasores e organizações criminosas. No entanto, ao chegar ao local por volta das 6h, Bruno e Dom não encontraram Churrasco, então entraram no barco e continuaram a caminho para Atalaia. 

mapa geográfico da região do Vale do Javari, onde Bruno e Dom foram assassinados
Mapa da região [Imagem: Reprodução/Amazônia Real]
A viagem entre São Rafael e Atalaia do Norte deveria durar duas horas, mas os dois não foram mais vistos pelo grupo que os aguardava em Atalaia. Logo na tarde do dia 5, duas equipes da Univaja fizeram expedições de busca, sem sucesso. 

No dia 6 de junho, o desaparecimento foi divulgado pela Univaja e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI). A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal começaram a investigar o caso e a Marinha e o Exército colocaram equipes de busca na região. No dia 7, as buscas foram reforçadas pela Funai, pela PF, pelas Forças Armadas e pela Força Nacional.  

Em 8 de junho, a polícia prendeu o primeiro suspeito de envolvimento no caso: Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como Pelado, que teria ameaçado indígenas que colaboravam com as buscas. No dia seguinte, a polícia encontrou vestígios de sangue na lancha de Amarildo.. No dia 10, seus parentes alegaram que ele era inocente e que havia sido torturado por policiais. A Justiça impôs a apuração do relato de agressão, mas a PF não havia se manifestado sobre a violência.

Na tarde de domingo (12), pertences de Bruno e Dom foram encontrados no interior do Amazonas pelas equipes de busca e levados para a perícia de Manaus. Segundo o coordenador da equipe dos Bombeiros em Atalaia, Barbosa Amorim, os objetos pessoais estavam próximos à casa de Pelado, numa região de igapó.

Nota da Polícia Federal sobre o assassinato de Bruno e Dom
Nota da PF divulgada no domingo (12) sobre as buscas de Bruno e Dom [Imagem: Divulgação/PF]
No dia 13, houve supostas confirmações da morte da dupla: a Embaixada do Brasil no Reino Unido informou a localização dos corpos à família e a esposa de Dom informou ao repórter André Trigueiro sobre os falecimentos. Após a PF e a Associação Indígena negarem a informação, a Embaixada admitiu o erro no dia seguinte e enviou um pedido formal de desculpas à família do jornalista. Ainda no mesmo dia (14), Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como “Dos Santos” e irmão de Amarildo, foi preso temporariamente por possível envolvimento com o caso. 

No dia 15 de junho, a PF comunicou que Amarildo confessou que Bruno e Dom foram assassinados, esquartejados, queimados e enterrados. Após Pelado indicar a localização dos corpos, equipes foram ao local e encontraram “remanescentes humanos”, segundo Eduardo Alexandre Fontes, chefe da PF no Amazonas.

Nesta quinta-feira (16), os restos mortais encontrados  chegaram em caixões no Aeroporto de Brasília em uma aeronave da PF. Os corpos foram submetidos à perícia pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC), no Setor Policial Sul, que confirmou que se trata do corpo de Dom Phillips.

No dia seguinte (17), a PF afirmou que não houve mandante ou organização criminosa no homicídio, mas que não descarta a possibilidade de novas prisões. Fontes ligadas à GloboNews informam que o inquérito apurava a conduta de cinco suspeitos, incluindo um possível mandante. Na manhã de sábado, a perícia confirmou a identificação dos restos mortais de Bruno Pereira e revelou que os dois morreram por armas de fogo: Bruno recebeu três tiros, na cabeça, no tórax e no abdômen, e Dom, um tiro no abdômen). 

 

Questões geopolíticas do crime

O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips está ligado às atividades ilegais da região do Vale do Javari, mas também está inserido em um quadro geopolítico que afeta o Brasil inteiro. O geógrafo André Roberto Martin, graduado pela Universidade de São Paulo (USP) e especializado em geopolítica, compreende que o país enfrenta um problema sério quanto à concepção antiquada da doutrina do exército brasileiro em relação à Amazônia. O argumento da frente pioneira — induzir a ocupação humana nas regiões mais distantes para defender o território brasileiro — não cabe à atualidade, visto que a demografia brasileira avança sobre os países vizinhos, e não o inverso.

Além de envolver uma mentalidade ultrapassada, a legitimidade das próprias Forças Armadas brasileiras perante a sociedade é outro ponto a se considerar para a questão. O Brasil é um dos poucos países que não tem intervenção militar em seu território, o que permite o melhor exercício da sua soberania comparado aos outros países com intervenções estadunidenses, como a Alemanha e o Japão. No entanto, mesmo com essa liberdade de atuação da sua soberania, o país carece de vontade para defender a soberania nacional, a honra do Exército brasileiro e a sua capacidade técnica. André enxerga que duas coisas enfraquecem o Brasil: “De um lado, a mentalidade dos anos 50 [dos militares que consideram a Amazônia um monopólio deles, e não do povo brasileiro]; e de outro, a estupidez de uma ala podre das Forças Armadas que está ganhando com o contrabando de tudo”.

 

Uma guerra política contra os indígenas

Nota de luto da Univaja após o crime
A Univaja publicou uma nota oficial de luto pelo caso em seu Instagram [Imagem: Reprodução/Instagram]

Após a confirmação do assassinato da dupla na quarta-feira (15/06), a Univaja afirmou que o homícidio pode ser considerado um crime político e pediu a continuidade das investigações em uma carta aberta. Para o órgão, a razão principal para a morte da dupla foi o fato de ambos defenderem os direitos humanos e os direitos dos indígenas em uma região dominada por criminosos ambientais.

Além disso, a Univaja realizou críticas à Polícia Federal pela demora nas buscas e em responder as denúncias do grupo, o que resultou no assassinato da dupla. E ainda denunciou possíveis criminosos que existem na região, como uma quadrilha de pescadores e caçadores profissionais que, em conjunto com narcotraficantes, “ingressam ilegalmente em nosso território para extrair nossos recursos e vendê-los nos municípios vizinhos.”

“Manifestamos nossa preocupação com nossas vidas, a vida das pessoas ameaçadas (pois não era somente o Bruno Pereira), componentes do movimento indígena, quando as forças armadas e a imprensa se deslocarem de Atalaia do Norte. O que acontecerá conosco? Continuaremos vivendo sob ameaças? Precisamos aprofundar e ampliar a investigação. Precisamos de fiscalização territorial efetiva no interior da Terra Indígena Vale do Javari. Precisamos que as Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs) da Funai sejam fortalecidas.” afirmou a Univaja em nota oficial publicada nas redes sociais.

 

A repercussão internacional sobre o assassinato de Dom e Bruno

Seja pelo fato de envolver o assassinato de um cidadão britânico ou pela morte de ativistas ambientais ser um assunto de importância pública, o caso de homícidio de Dom Phillips e Bruno Pereira recebeu cobertura de jornais internacionais do mundo todo, como The Guardian, The Washington Post e Le Monde. Como aponta Rodrigo Medina, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é possível que a  imagem do Brasil no cenário internacional piore cada vez mais e ameace a economia brasileira por um possível boicote a produtos brasileiros, devido ao descaso governamental com a Amazônia e à maior presença de crimes na região.

nota da embaixadora sobre o desaparecimento
Nota da embaixadora interina do Reino Unido no Brasil, Melanie Hopkins, sobre a busca de Dom Phillips e Bruno Pereira. [Imagem: Reprodução/Instagram]

No entanto, é pouco provável que o país venha a sofrer com sanções econômicas ou sociais. O cenário que possui mais chance de ocorrer é a falta de investimentos e apartes internacionais no Brasil, podendo prejudicar a economia brasileira. 

Além disso, era de se esperar que o governo inglês realizasse declarações e ações para tentar solucionar o caso, como revelam a fala do primeiro-ministro da Inglaterra Boris Johnson ao se tratar do caso —”estamos profundamente preocupados” — e o oferecimento de ajuda inglesa para encontrar a dupla. Contudo, é improvável que o governo inglês mova ações jurídicas e sanções penais contra o Estado brasileiro, já que é praticamente impossível “responsabilizar internacionalmente o governo Bolsonaro pela morte do jornalista britânico”, segundo Medina. 

 

*Imagem de capa: montagem por Felipe Velames, com imagens de Facebook, Flickr e Instagram

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