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Lei Paulo Gustavo: as leis de incentivo à cultura e suas implicações

Após dois anos de pandemia, dentre as várias esferas da sociedade, a cultura é uma das que enfrentam graves prejuízos. Esclarecemos a atuação do projeto de Lei Paulo Gustavo nesse cenário, assim como as suas implicações políticas e econômicas

‘’Primeiro, eu sem patrocínio, com a pandemia… Como a gente vive de bilheteria, você me pergunta como a gente viveu esses dois anos’’, relata José Paulo Rosa, ator e diretor do Grupo Ria, grupo independente de teatro em São Paulo. O depoimento de José representa o que maioria dos artistas brasileiros viveu durante o isolamento social da COVID-19, que impôs a interrupção das atividades culturais. Alguns deles tiveram que se reinventar, buscar outras alternativas de trabalho, e outros se viram à margem da desesperança.  Devido aos desastrosos danos deixados pelo período pandêmico, o projeto de Lei Paulo Gustavo, proposto pelo Senador Paulo Rocha (PT-PA) e subscrito por outros parlamentares, visa garantir ações emergenciais voltadas ao setor cultural.

A matéria a seguir aborda as leis de incentivo à cultura, o processo legislativo envolvido, o setor cultural na economia e a atuação governamental. 

 

O que é a Lei Paulo Gustavo?

A proposta de lei complementar homenageia o ator e humorista Paulo Gustavo, vítima da Covid aos 42 anos. A lei pretende reparar os danos sociais e econômicos da pandemia de forma emergencial. Para isso, prevê a entrega aos Estados, Distrito Federal e Municípios de 3,89 bilhões de reais, provindos do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Da quantia prevista, R$ 2,797 bilhões serão destinados ao setor de audiovisual.

Os Estados, Distrito Federal e Municípios devem promover discussão conjuntamente com os civis a fim de administrar e gerir o investimento contemplado pela lei. Outra pretensão vigente é a de estimular a desconcentração dos projetos a serem apoiados, dando ênfase no protagonismo e participação de minorias da sociedade.

O projeto foi aprovado pelo Senado, de onde a iniciativa de lei nasceu, no final do ano passado. Posteriormente, passou por modificações pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 e sofreu veto presidencial no dia 06 de abril. No dia 05 de julho, o Congresso Nacional derrubou o veto, que impedia com que o projeto se tornasse lei.

Convém saber o que acontece especificamente em cada uma das etapas do processo legislativo. 

 

Entendendo mais sobre o processo legislativo brasileiro

As etapas necessárias para que uma lei entre em vigor parecem pouco conhecidas, o que compromete a completa compreensão de questões políticas. O processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções e leis complementares. Nesse contexto, importa dar enfoque às leis complementares, na qual o projeto de Lei Paulo Gustavo se enquadra. 

[Imagem: Arquivo Pessoal / Inti Queiroz]
O Brasil, enquanto República Federativa, divide-se em três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. A teoria foi proposta pelo filósofo Montesquieu, sendo base dos Estados Democráticos Contemporâneos. O poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, composto pelo Senado Federal e a Câmara dos Deputados, denominados Casas Legislativas. ‘’É bem importante entender. Até no ano de eleição as pessoas ficam muito preocupadas, quem vai ser o presidente, quem vai ser o governador e esquecem do [poder] Legislativo, porque é nele que a gente faz o país andar de verdade’’, explica Inti Queiroz, assessora parlamentar na Câmara dos Deputados e pesquisadora de políticas culturais. 

Na obra Direito Constitucional, de Alexandre de Moraes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, o processo legislativo é dividido em três fases, a fim de o tornar mais elucidativo: introdutória, constitutiva e complementar. Na fase introdutória, apresenta-se a iniciativa de lei, que no caso da Lei Paulo Gustavo partiu dos próprios membros do Congresso Nacional, mas que poderia ser desenvolvida pelo Chefe do Executivo, o Presidente, ou pelos próprios cidadãos. 

Após a apresentação do Projeto de Lei, encaminha-se para a fase constitutiva, na qual ocorrerá a deliberação parlamentar, ou seja, ampla discussão e votação nas duas Casas Legislativas, de forma a analisar a constitucionalidade e mérito do projeto. Alguns projetos de lei são votados apenas nas Comissões, que são órgãos parlamentares compostos por deputados, sendo suficiente para a decisão. Já outros de maior complexidade precisam ir ao Plenário, órgão máximo de decisões legislativas, no qual se discute projetos que já passaram pelas Comissões. 

Caso haja aprovação, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, parte-se para a deliberação executiva, em que o Presidente decide por veto ou sanção durante o prazo de quinze dias úteis após o recebimento da matéria. Passado o período sem a manifestação do executivo, o projeto de lei pode ser considerado sancionado. Cabe salientar que o Projeto de Lei pode ser aprovado com alterações, tanto em instância parlamentar, quanto executiva.

O Presidente, por sua vez, pode escolher vetar por entender que o Projeto é inconstitucional ou contrário aos interesses públicos, ou até mesmo pelos dois motivos. No entanto, o veto apenas impede que o projeto seja imediatamente convertido em lei, o que não prejudica sua posterior análise pelo Poder Legislativo, assim como ocorreu na Lei Paulo Gustavo. “O presidente Bolsonaro vetou apoio de R$ 3,89 bilhões ao setor cultural. Mas nós vamos derrubar! A pressão começa agora”, publicou o autor do projeto, Paulo Rocha, em sua rede social.

Apesar de permitir a análise, o veto traz implicações para o andamento da lei, e para que seja rejeitado é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores (257 votos na Câmara e 41 votos no Senado). Na sessão parlamentar que reverteu a decisão do presidente em relação ao projeto de lei Paulo Gustavo de ontem, 356 deputados e 66 senadores votaram pela derrubada do veto, e assim foi feito. O ato ocorreu mediante a presença e pressão de artistas.

Quando ocorre sanção, etapa para qual a Lei Paulo Gustavo agora segue, entra-se na fase complementar, que consiste na promulgação e na publicação. A primeira garante a executoriedade da lei, enquanto a segunda lhe dá notoriedade e faz com que se torne de conhecimento público. A promulgação é feita pelo Presidente da República ou, em sua omissão, pelo Presidente do Senado. Por fim, a lei entrará em vigência após 45 dias em todo país. 

 

Mapa conceitual sobre processo de aprovação da lei [Imagem: Reprodução / Câmara dos Deputados]

 

Justificativas do veto e a economia brasileira

O presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou em texto alguns pontos para justificar sua decisão de veto integral, que foi publicado no Diário Oficial da União em abril de 2022. Afirmou, primeiramente, que o projeto contrariava o interesse público por criar uma despesa que ultrapassaria o limite do teto de gastos.

O teto, proposto por Michel Temer em 2016, para os próximos 20 anos, estabelece que as despesas obrigatórias da União não excedam as despesas do ano anterior, reajustadas pela inflação. A regra surge em um momento de crise econômica de 2015 e alta insustentável dos gastos públicos, que necessitavam ser contidos. Segundo dados da Instituição Fiscal Independente do Senado, o limite do teto de gastos para este ano está na casa de 1,677 trilhão, enquanto o Projeto de lei Paulo Gustavo prevê 3,89 bilhões para ser distribuído de forma descentralizada.

Foto Alice
[Imagem: Arquivo Pessoal / Alice de Souza Silva]
 ‘’Esse valor não parece grande, e efetivamente não é quando comparado ao poder de gastos total, mesmo que os gastos deste ano já estejam 18,3% maiores que os do ano passado. Ainda há bastante verba para ser utilizada pelo governo em suas demandas e há espaço para o fazer de forma segura e responsável. A distribuição desse dinheiro depende daquilo que o governo considera prioritário’’, analisa Alice de Souza Silva, bacharel em economia pela Faculdade de Economia e Administração USP (FEA-RP/USP) e graduanda de jornalismo na Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP). Alice acrescenta que é de nosso conhecimento que a cultura, para Bolsonaro, não é considerada uma área importante, já que desde o início de seu governo trata essa pasta com descaso.

Outra questão apresentada pelo Presidente foi que o projeto comprimiria outras despesas não obrigatórias em áreas que se encontram em níveis críticos, como a saúde, educação e investimentos públicos, o que resultaria em um problema do ponto de vista fiscal. ‘’Houve muito achismo sobre a Lei Paulo Gustavo e até a própria questão: ’Ah, por que o dinheiro não vai para saúde?’. Bom, é um dinheiro que é da Cultura, vem do Fundo Nacional de Cultura e que precisa ser usado na cultura’’, ainda em entrevista dada pela pesquisadora e gestora de políticas culturais, Inti Queiroz.

A cultura exerce papel fundamental na economia brasileira, empregando milhões de brasileiros e movimentando a máquina econômica, ainda que seja pouco valorizada e fomentada. Os dados apresentados por pesquisas confirmam a influência do setor cultural no âmbito econômico. 

 

 

A Lei Rouanet já não supre as demandas da cultura?

Muito se questionou a respeito da similaridade entre a Lei Paulo Gustavo e a Lei Rouanet, o que gerou desinformação sobre o assunto. “Se aprovado este projeto de lei Paulo Gustavo o Congresso estará dando um passa moleque no TCU e homenageando a sacanagem com dinheiro público. A ojeriza dos tempos de CPI da Lei Rouanet irá retornar. É simplesmente isso” publicou Eduardo Bolsonaro (PSL) em sua página do Twitter. Na verdade, as duas leis diferem em proposta.

A lei Rouanet, Lei Federal de incentivo à cultura, foi criada em 1991 pelo então ministro da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet, e consiste em investimentos da iniciativa privada em projetos culturais. O dinheiro investido pela pessoa física ou jurídica será descontado do seu Imposto de Renda, dentro dos percentuais permitidos pela legislação tributária. Embora a lei tenha sido responsável pelo grande desenvolvimento de atividades relacionadas à cultura, seu caráter centralizador foi bastante questionado. 

[Imagem: Reprodução / José Paulo Rosa]
José Paulo Rosa, do Grupo Ria, conta que seu grupo de teatro teve um projeto aprovado pela Lei Rouanet, mas quando foi realizar a captação de recursos, a empresa de refrigerante alegou que seu público-alvo não era o mesmo que o dele, por isso, o patrocínio não foi concedido. 

‘’Nós da classe artística de verdade, nós que martelamos um preguinho por dia para formar público, nós que estamos aí na luta de fazer teatros alternativos, de formação de público, ou até de caráter mesmo, a gente nunca recebe os grandes patrocínios’’, confessa o diretor de teatro. A declaração indica a problemática envolvida na seleção dos artistas beneficiados de acordo com os interesses das empresas, além da consequente elitização de produtores.

Os pequenos e periféricos artistas geralmente não são contemplados com auxílios financeiros, o que torna ainda mais difícil desempenhar a profissão. Já a Lei Paulo Gustavo, em projeto, propõe uma distribuição extensa de recursos. O objetivo é a recuperação do setor cultural, que só será possível com a descentralização do investimento.

Apesar das diferenças entre a Lei Paulo Gustavo e a Rouanet, há uma evidente semelhança: ambas sofrem críticas do Governo atual. 

 

Reprodução de tweet de Eduardo Bolsonaro
Eduardo Bolsonaro pronuncia-se em sua rede sobre a Lei Rouanet [Imagem: Reprodução / Twitter / Eduardo Bolsonaro]

‘’Eu não quero essa briga, eu não quero ser de direita ou de esquerda, eu quero discutir como nós vamos fazer agora pela cultura brasileira’’, finaliza o diretor do Grupo Ria. Para além de posicionamentos políticos e ideológicos, o setor cultural é de interesse público geral, tendo em vista seu impacto sobre aspectos sociais e econômicos. A cultura enfrenta dificuldades para sobreviver, e a luta laboriosa de trabalhadores do ramo, como a de José Paulo Rosa, infelizmente não é suficiente para sustentar um setor tão importante e amplo como esse. Parece, então, imprescindível a busca por valorização, investimento e fomento para que a cultura permaneça viva. E, cada vez mais viva.

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