Por Maria Eduarda Oliveira (marieduarda@usp.br)
Davide Valsecchi, Jolyon Palmer e Timo Glock definitivamente não são nomes marcantes. Contudo, quando falamos de Lewis Hamilton, Charles Leclerc e George Russell, é muito possível que você já tenha visto e ouvido algo sobre eles por aí. Todos esses nomes possuem uma coisa em comum: foram campeões da Fórmula 2.
O universo dos esportes automobilísticos possui muitas ramificações. Entre elas, está a Fórmula 2 (F2), renomeada em 2017 pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA), substituindo o GP2 Series. Apesar de sua criação original ter acontecido no ano de 1948, a Fórmula 2 passou por muitas modificações ao longo do tempo. Em 1985, devido ao seu alto custo financeiro, foi trocada pela Fórmula 3000, que utilizava os motores e os chassis antigos da Fórmula 1, diminuindo as despesas. No ano de 2005 a categoria também sofreu alterações, se transformando no GP2 Series, competição com um modelo de carro mais similar ao usado na Fórmula 1.
Apontada como a categoria de base mais próxima à Fórmula 1, é nela que jovens pilotos adquirem experiências que podem — ou não — os levar ao estrelato da competição principal. Com o número limitado de vagas oferecidas na F1, é impossível que todos realizem esse sonho. Além disso, existem muitas influências fora das pistas responsáveis por conduzir a trajetória dos pilotos ao topo do mundo automotor. Fatores como a falta de patrocínio, conexões políticas e apoio estrutural tornam a jornada de alguns ainda mais complicada, cometendo os pilotos a enfrentarem obstáculos que vão além do volante.
Com exceção da Austrália, a Fórmula 2 só é sediada em países da Europa e do Oriente Médio [Reprodução/Instagram/@formula2]
Brasil se destaca na F2
Apesar da falta atual de brasileiros estrelando a F1, o Brasil possui um longo histórico de conquistas nos esportes a motor. Unicamente na categoria citada, são oito títulos mundiais, 101 vitórias e 293 pódios. Esse, infelizmente, é um panorama que não se repetiu na última década.
Em contrapartida, a F2 tem apresentado constantemente bons resultados. Felipe Drugovich, paranaense nascido na cidade de Maringá, tornou-se, em 2022, o primeiro piloto brasileiro a se consagrar campeão da categoria em 22 anos, o primeiro depois da reformulação em 2017. Mesmo assim, Drugovich segue aguardando uma chance, agora como piloto reserva da equipe Aston Martin.
Bortoleto é a grande chance do Brasil recuperar sua glória na F1 [Reprodução/Instagram/@gabrielbortoleto]
Liderando o topo da tabela da Fórmula 2 na temporada de 2024, Gabriel Bortoleto foi anunciado como piloto da equipe Sauber para o ano de 2025, em um contrato plurianual. Além de líder do campeonato, o brasileiro faz campanha histórica. Com direito a uma ótima performance em Monza, que o levou do último lugar na classificação ao primeiro lugar no pódio do domingo, Bortoleto chamou atenção logo em seu ano de estreia.
Agenciado por Fernando Alonso, bicampeão mundial de F1 e atual piloto da Aston Martin, as expectativas criadas acerca de seu futuro foram certeiras. No dia 2 de outubro deste ano, durante o Grande Prêmio de Interlagos, o site Motorsport já havia anunciado que Gabriel teria assinado com a equipe Sauber, mas o anúncio oficial só veio após o fim das negociações com a Academia da McLaren, a qual Bortoleto pertencia desde 2023, quando foi campeão pela Fórmula 3.
Desde a aposentadoria de Felipe Massa, em 2017, nenhum outro brasileiro havia ocupado um assento na temporada inteira. A ascensão do jovem de 20 anos na Fórmula 2, principal expoente da Fórmula 1, tem interferência direta na conquista de Bortoleto.
Como funciona o regulamento e os carros da F2
As competições em monopostos — carros capazes de comportar apenas o motorista — apresentam veículos mais sofisticados e tecnologia de ponta. Os regulamentos de cada uma delas varia bastante, o que influencia diretamente os resultados encontrados em cada uma.
Os carros da F2 se diferenciam das demais categorias, pois são padronizados. Isso significa que as equipes não são responsáveis pelo desenvolvimento das peças do automóvel. Esse sistema permite um melhor equilíbrio de desempenho entre os pilotos e equipes do grid. Em entrevista ao Arquibancada, Déborah Almeida, jornalista do Boletim do Paddock, explica: “Na Fórmula 2, o carro é igual para todos. A principal diferença está na escolha de configuração — o ‘acerto’ definido para o fim de semana. Cada uma das equipes tem a possibilidade de fazer as suas escolhas”.
No ano passado, houve a divulgação da introdução de algumas atualizações nos carros de 2024 visando o tornar ainda mais próximo da F1. “Projetamos um carro potente, desafiador e seguro que preparará jovens pilotos”, comentou Bruno Michel, CEO da Fórmula 2, na época. As novas configurações incluíram uma asa dianteira em formato diferente, o efeito solo e a possibilidade de adaptação de tamanho do carro para os pilotos, o que fez muita diferença para as pilotas que possuíam dificuldade com o cockpit — centro de comando dos carros.
Os chamados “fins de semana” são os três dias onde todos esses conceitos acabam sendo aplicados. Durante a sexta, acontecem os treinos livres. Os pilotos e equipes possuem, igualmente, 45 minutos para conhecer a pista e se prepararem para o circuito. Ainda na sexta, realiza-se a classificação, com duração de 30 minutos — etapa na qual se estabelece o grid de largada.
Em 2024, não houve a estreia de rookies, adjetivo dado aos estreantes, para a temporada completa na Fórmula 1. Apenas Colapinto, que substitui Sargeant na Williams, e Lawson, que substitui Ricciardo, novamente, pela RB, ambos até o final de 2024
[Reprodução/Instagram/@formula2]
O sábado é reservado para a Sprint, uma espécie diferente de corrida mais curta, chegando a 120 km ou 45 minutos, o que acontecer primeiro. Nela, os dez primeiros colocados da classificação são invertidos. Sendo assim, quem ficou na pole position — nome dado para o primeiro lugar — vai para último, enquanto o décimo colocado parte do primeiro. São distribuídos pontos do primeiro até o décimo lugar, sendo, em ordem decrescente, de dez pontos até apenas um, respectivamente.
No domingo, ocorre a Feature Race (corrida principal). O trajeto é de 170 km ou de até 60 minutos, com uma parada obrigatória, o famoso pit stop. Outro item obrigatório é o uso dos dois compostos de pneus disponíveis. A pontuação acontece da seguinte forma: os 10 primeiros colocados marcam 25, 18, 15, 12, 10, 8, 6, 4, 2 e 1 ponto, respectivamente.
Os pilotos também podem adquirir um ponto ao alcançarem a volta mais rápida da corrida, válido tanto para a Sprint quanto para a corrida principal, desde que o piloto esteja entre os dez primeiros. Além disso, quem fica com a pole position também ganha dois pontos extras. Ao todo, a pontuação máxima que um piloto pode alcançar durante um fim de semana é de 39.
Jogo político X Talento
Classificada como um campeonato de grande competitividade, a F2 se tornou uma vitrine para os futuros talentos que desejam ascender na Fórmula 1, divisão de maior visibilidade. Entretanto, triunfar na categoria não é certeza de um futuro brilhante como piloto.
Em entrevista ao Arquibancada, Carol Politta, engenheira mecânica e criadora de conteúdo para redes sociais, ressalta a importância de se destacar nas modalidades de base para conseguir uma vaga nas academias de pilotos — que funcionam mais ou menos como centros de treinamentos. Ao ingressarem nelas, os jovens recebem o apoio financeiro e estrutural necessário para evoluírem na carreira. Enquanto isso, nomes como Red Bull, McLaren e Mercedes, times com suas próprias academias, analisam seus desempenhos.
Ser parte das Academias é um dos aspectos que mais influenciam qual rumo a carreira de um piloto irá seguir [Reprodução/Instagram/@formula2]
Esses programas são a porta de entrada para que as novas promessas sejam notadas por grandes equipes. Em muitos casos, o piloto nem chega a ser campeão da Fórmula 2 no ano em que sobe, mas por sua ligação mais direta, recebe uma chance com mais rapidez. “Infelizmente, não existe uma garantia que o campeão da F2 será um piloto da F1. Atualmente, é um jogo de política, influência e muita grana.”
Carol também comenta que, apesar do foco principal na Fórmula 1, a Fórmula 2 pode ser vista como preparação para outras categorias, como WEC, divisão de carros protótipos e turismo, a Indy, com veículos de designer mais robustos, e a Fórmula E, de motores elétricos movidos a bateria.
Para muitos, o desejo de correr na Fórmula 1 é muito maior do que participar de qualquer outra categoria, então acaba se tornando um destino bem cruel
Carol Politta
A Fórmula 1 conta com apenas dez equipes, cada uma com dois carros, o que totaliza 20 vagas. Com a preferência mais forte das equipes por contratarem pilotos já experientes no volante, o sonho dos jovens de pilotarem ao lado de figuras como Lewis Hamilton fica mais distante. Entretanto, o grid de 2025 vai contar com outras três renovações vindas diretamente da Fórmula 2, sendo elas: Kimi Antonelli, pela Mercedes, Jack Dohaan na Alpine e Oliver Bearman, que já correu como substituto na F1, com a Haas.
Imagem de capa: Reprodução/Instagram/@formula2