Por Catarina Bacci (cbmedeiros@usp.br) e Regina Lemmi (regina_lemmi@usp.br)
O Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos foi instituído em 1978 com o intuito de reconhecer anualmente o trabalho de jornalistas que colaboram na defesa e promoção da Democracia, da Justiça e dos Direitos Humanos. A premiação inicialmente surgiu para homenagear a vida e obra do jornalista, dramaturgo e professor Vladimir Herzog (1937 – 1975), torturado e assassinado por agentes do Departamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, DOI-Codi. O jornalista é reconhecido internacionalmente como símbolo da luta contra a ditadura militar brasileira e da defesa à democracia.
Na edição de 2024, as produções trouxeram temas como a violência policial, a manifestação pelo passe livre, a exploração ilegal da Floresta Amazônica e o conflito armado na Faixa de Gaza.
Para participar, o jornalista ou a equipe devem inscrever seus trabalhos através do site oficial. As categorias delimitadas pelo Prêmio são: produção jornalística em texto, em áudio, em vídeo, em multimídia, fotografia, arte e livro-reportagem. Em todas, há uma produção vencedora e até uma menção honrosa. As decisões são feitas pela Comissão Julgadora, dividida em grupos de jurados que selecionam os três finalistas de cada categoria. Escolher o melhor trabalho entre eles cabe à Comissão Organizadora, composta por 17 instituições da sociedade civil, além da família Herzog.
Roda de conversa
Anteriormente à cerimônia de premiação, os repórteres, fotógrafos e artistas do traço premiados estavam presentes na 13º roda de conversa do Prêmio Vladimir Herzog. Mediados por Angelina Nunes e Aldo Queiroz, os jornalistas apresentavam os seus trabalhos e revelavam o processo de desenvolvimento das reportagens selecionadas. A conversa informativa aconteceu no Teatro Tucarena, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP).
Os jornalistas presentes representavam a produção vencedora e a menção honrosa de cada categoria. Para arte, estava o cartunista Cau Gomez, vencedor com sua charge “A Cultura do Estupro”. Paulo Pinto e Eduardo Anizelli representavam a área da fotografia, enquanto Tailane Muniz e Leno Falk eram os nomes do áudio. Multimídia trazia os nomes de Bram Ebus e Isadora Teixeira, e vídeo, os de Ana Passos e Jorge Valente. Os premiados de texto eram Marcelo Canellas e Catarina Barbosa, enquanto os de livro-reportagem eram Luiza Villaméa e Rafael Soares. Quinho não compareceu, mas recebeu menção honrosa na categoria de arte com “Genocídio em Gaza”.
Os mediadores introduziram cada tópico ao público com uma breve descrição do trabalho e uma pergunta ao premiado. Em entrevista à J.Press, a mediadora afirmou que uma das intenções do evento é compartilhar experiências e ensinamentos com nuances não encontradas em sala de aula, tanto entre os profissionais, quanto para alunos universitários de jornalismo.
Angelina reitera que “cada produção discutida [na roda] é uma aula de jornalismo, porque cada um aborda uma coisa. Como surgiu a pauta, como se desenvolveu, como foi abordada, como foi escrita, como o áudio foi capturado, como o podcast foi criado”, entre outras partes do processo.
O debate levantou questionamentos sobre as maneiras de interagir e se relacionar com fontes. O destaque foi a delicadeza necessária por parte do jornalista ao entrevistar pessoas que passaram por momentos traumáticos e como se deve prosseguir ao adquirir informações sensíveis.
No caso dos trabalhos de Tailane Muniz e Marcelo Canellas, ambos lidaram diretamente com os familiares de vítimas da violência policial na Bahia. Para a revista Piauí, Canellas lançou Triste Bahia: Como age a polícia que mais mata, reportagem que traz a perspectiva de mães de meninos assassinados pela Polícia Militar em Salvador. Após entrevistar oficiais e moradores de comunidades sobre suas experiências, ele compreendeu que “a grande força do jornalismo está na singularidade das histórias”.
“Só a teoria entendida como reflexão sobre o fazer jornalístico é que elucida a prática.”
Marcelo Canellas
Muniz, por sua vez, foi à cidade de Tucano (BA) investigar mais sobre o caso de Pedro Henrique, morto pela polícia local em 2012. Ela contou que, quando entrevistou os parentes do menino, perguntou se haveria algo que eles não aprovariam se fosse publicado: “também é um dever do repórter. Às vezes a pessoa está tão imersa no desejo de justiça que fica cega para decidir o que deve ou não expor”, afirmou.
Luiza Villaméa, premiada na categoria livro-reportagem, ressaltou a importância de pesquisar. Ela investigou sobre mulheres encarceradas pela ditadura e relatou ter levado os documentos encontrados para dialogar com elas, porque “pesquisa e entrevista se complementam e estimulam um ao outro”, além de terem auxiliado na memória das vítimas. Aprisionamentos injustos foram também o enfoque do vídeo vencedor de Ana Passos, Inocentes na Prisão, que reafirmou a necessidade de transparência com os entrevistados.
Todas as falas demonstraram a relevância do trabalho de campo, como nos casos de Bram Ebus e de Paulo Pinto. Ebus integrou a equipe conjunta do portal InfoAmazonia e de mais iniciativas internacionais que levantavam dados sobre o crime nas fronteiras florestais. Já Paulo foi à manifestação em São Paulo pelo passe livre por conta própria, onde pôde fazer o registro que lhe rendeu o prêmio na categoria de fotografia.
A premiação
A 46º Cerimônia de Premiação ocorreu às 20 horas e foi transmitida pela TV PUC, com a presença dos jornalistas condecorados, da comissão julgadora, das premiadas especiais, da Rede Wayuri e dos mestres de cerimônia Bianca Santana e Juca Kfouri. O evento contou com todas as cadeiras ocupadas e mais de mil visualizações no Youtube.
A Comissão Organizadora homenageou as vencedoras do Prêmio Especial Vladimir Herzog 2024 pelos relevantes serviços prestados por Flávia Oliveira e Gizele Martins. Ambas presentes na cerimônia, realizaram discursos a favor da democracia.
Ao receber o prêmio, Canellas discursou com homenagem às suas mães, Ruth e Silvana, e todas aquelas que perderam os seus filhos “nessa guerra estúpida que, antes de ser contra substâncias entorpecentes, é uma guerra contra pessoas, e como diz a canção [de Caetano e de Gil], ‘quase todos pretos, quase todos pretos de tão pobres’”.
Homenagens
Neste ano excepcional, efeméride de 60 anos após o golpe militar de 1964, o Prêmio Vladimir Herzog homenageou três símbolos da resistência à ditadura militar brasileira. Os personagens representam a sociedade civil na reivindicação à Justiça e aos Direitos Humanos.
Margarida Genevois foi uma das personalidades escolhidas. Socióloga e ativista pelos direitos de Justiça e Paz, ela trabalha hoje como presidente de honra da Comissão Arns. Genevois foi uma das instituidoras do Fundo Brasil de Direito Humanos e completou 100 anos de vida em 2023.
O cartunista, chargista e escritor Ziraldo Alves Pinto (1932 – 2024) foi homenageado na presença de seus familiares no evento. O criador do Menino Maluquinho foi do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e co-fundador de “O Pasquim”, jornal periódico de oposição à ditadura militar. O cartunista foi perseguido durante o regime e recebeu a anistia pela Comissão de Anistia e o Ministério da Justiça em 2008. Reverenciado na indústria jornalística e editorial, Ziraldo ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura em 1980 e 2012 e o Nobel Internacional do Humor em 1969.
“A mais perfeita tradução da imprensa alternativa como frente de resistência à censura e à perseguição de jornalistas e artistas.”
Juca Kfouri
O último homenageado foi Luiz Eduardo Merlino (1948 – 1971), líder estudantil, jornalista e militante do Partido Operário Comunista (POC). Em 1971, foi assassinado e torturado pelos militares, que forjaram o caso como suicídio. O estudante de História era da equipe do Jornal da Tarde, Folha da Tarde e Jornal do Bairro, e do jornal alternativo Amanhã.