Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Lições de filósofo da Roma Antiga ecoam até os dias de hoje 

Nova edição reúne três clássicos de Sêneca sobre a vida, a alma e o poder
 Por Catarina Martines (catarina.martines@usp.br)

A editora Aleph lançou este ano uma edição que reúne três grandes clássicos do filósofo romano Sêneca. O livro  Lições sobre a brevidade da vida reúne, Sobre a brevidade da vida, Sobre a tranquilidade da alma e Sobre a clemência. Embora seja especializada em ficção científica, gênero marcado por distopias e cenários futuristas, a Aleph lançou em 2016, o selo Goya, especializado em literatura de não-ficção, autoconhecimento, espiritualidade e psicologia. Mas por que a editora  criou um selo justamente sobre esses temas? 

“É preciso uma vida inteira para aprender a morrer”

– Sêneca 

Hoje em dia, livros de autoajuda estão entre os mais populares no Brasil: em 2024, 4 dos 10 livros mais vendidos do ano eram dessa categoria. Quem nunca ouviu falar sobre Café com Deus pai? A busca pela felicidade, ou pelo menos por um equilíbrio na vida é algo cada vez mais consumida e oferecida como um produto. Influenciadores nas redes sociais vendem um estilo de vida perfeito, através de um cotidiano que exige acordar quatro horas da manhã e fazer uma caminhada à beira mar para ser feliz. Porém, todos esses atuais incentivos e indicações de como aproveitar a vida esquecem o principal, citado e reiterado na obra inteira de Sêneca: o autoconhecimento. 

Tentar entender a vida é uma das questões norteadoras da filosofia e compreender como lidar com ela é um desafio que vem desde o nascimento da filosofia entre os gregos, passa pelos romanos, como Sêneca,  estendendo-se até os dias de hoje. Assim, ao ler essa obra, percebe-se que a genialidade do filósofo está em mostrar que o caminho para compreender a vida, passa, em primeiro lugar, pelo entendimento de si mesmo. 

Do mesmo modo que seus escritos foram essenciais para grandes imperadores romanos tomarem decisões, eles também servem de aula para quem busca respostas às angústias do cotidiano contemporâneo. Dessa forma, o principal argumento dos seus livros é reforçado com a atemporalidade que as obras ganharam ao mostrar que, mesmo que em épocas separadas por milhares de anos, a essência do ser humano, continua a mesma. 

Para um senador romano (e para o homem que comeu pão e café pela manhã)

Em Sobre a brevidade da vida, Sêneca dedica a obra a Paulino, embora a identidade exata desse nome não seja certa, algumas fontes indicam que poderia se tratar de Pompeius Paulinus, sogro de Sêneca e senador romano.

A principal reflexão do livro diz respeito ao modo pelo qual o ser humano reclama da curta duração da vida  e, mesmo assim, a desperdiça. Gastar tempo com futilidades é algo abominado pelo filósofo, que afirma que toda nossa existência deve ter um propósito. Mas não se engane: Sêneca  não identifica essa meta apenas na realização do trabalho. 

A condição de todos os muito ocupados é infeliz, mas é mais infeliz a dos que sequer trabalham com suas próprias ocupações, que dormem um sono alheio, que caminham com os passos alheios, que não são livres nem nas coisas mais livres: amar e odiar. Se esses quiserem saber quão brevemente é a própria vida, deverão refletir sobre quanto delas pertencem a eles mesmos.

Página 72

Segundo o filósofo, aqueles que se dizem “sem tempo”, mas estão ocupados quase integralmente com negócios, ambições e a política, também desperdiçam sua vida. Ao roubar a consciência do presente com uma vida agitada, todas as ações tornam-se vãs e visam apenas acumular dinheiro para preencher-se de futilidades. Assim, o trabalho é entendido como uma função para agradar o outro e não para preencher a si mesmo, ou seja, é necessário dedicar a ele apenas uma parte da nossa existência. 

Ao analisar essa lição sob a perspectiva atual, percebe-se sua importância em um cenário em que a exploração do trabalhador é incentivada e aceita em prol do crescimento profissional. Além disso, o discurso de meritocracia reforça a normalização de dedicar a vida exclusivamente ao trabalho. Esse sistema preza pelos esforços do próprio sujeito para a ascensão, tanto social, quanto profissional, ser alcançada. 

Cada vez mais defendida, a ideia de que, se um indivíduo não cresce na vida, a culpa é exclusivamente dele, tem disfarçado os outros problemas que levam os trabalhadores a viver em uma condição de subalternização. A recente tentativa de acabar com a escala 6×1 de trabalho também indica que essa lição de Sêneca é cada vez mais atual. O poder de escolha do sujeito que vive nessas condições torna-se limitado, e sua capacidade de aproveitar a brevidade da vida, menor ainda.

Para o chefe da brigada de Roma (e para a mulher que chegou atrasada no serviço)

A obra Sobre a tranquilidade da alma é dedicada a Sereno, que ocupava o importante cargo da administração romana de combater incêndios.  Destaca-se ao longo do capítulolivro como a agitação interior, de não estar satisfeito nem com a ociosidade nem com a hiperatividade,  é uma das principais causas do sofrimento humano. A alma que se conhece e traça um propósito definido é a única capaz de permanecer serena diante das aflições e imprevistos da vida. Para alcançá-la, é necessário renunciar ao que nos domina emocionalmente e aceitar o destino que foge do nosso controle interno. 

Sêneca pertence a uma corrente filosófica da antiguidade clássica chamada Estoicismo, a qual instiga o homem a viver de forma consciente e aproveitar o tempo presente. Das três obras presentes no livro, todas apresentam como um “soco no estômago” esse princípio seguido pelo filósofo, porém nessa obra, pode-se dizer que o “soco é mais leve”. Isso porque nela, o filósofo propõe quase uma meditação e instiga o leitor a usar sua racionalidade a fim de entender as constâncias e inconstâncias da vida.

Não nos serviu melhor a natureza quando, sabendo que nasceríamos para as aflições, inventou o hábito para a suavização das calamidades, rapidamente trazendo-nos familiaridade com as coisas mais difíceis. Ninguém perduraria se a assiduidade das adversidades tivesse a mesma força que o primeiro golpe.

                                                                                                                                Página 117

Para o imperador mais controverso da história romana (e para o garçom da padaria da esquina)

O livro Sobre a clemência é dedicado a Nero e funciona quase como um manual de ética política, escrito bem antes de Maquiavel publicar O príncipe. As diferenças entre as obras param por aí. Sêneca, ao contrário do que defendido pelo filósofo maniqueísta, argumenta que a clemência, ou seja, a capacidade de um governante de moderar o seu poder de punir, deve ser uma das principais características de um líder. O poder absoluto exige uma responsabilidade que demanda muito autocontrole interno de quem o detém para conseguir administrá-lo com discernimento e humanidade. Ademais, essa característica impede o governante de chegar à tirania e evita o medo e o ódio da população.

Como nenhuma de todas as virtudes convém mais ao ser humano, já que nenhuma é mais humana, é necessário que não apenas entre nós, que desejamos que o homem seja visto como um animal social nascido para o bem comum, mas também entre aqueles que atribuem os homens aos prazeres, que cuidam de seus interesses em todos os seus atos e palavras. Pois se buscam a tranquilidade e o ócio, descobrem que essa virtude é parte da sua natureza, que ama a paz e retém sua mão.

                                                                                                                                 Página 158

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima