Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Política à lá Schopenhauer 

Uma análise das atitudes da atual administração através dos olhos de um filósofo pessimista

A Grécia Antiga foi o berço de diversos estudos que até os dias atuais existem: a ciência, a democracia,  a matemática, a ética, a filosofia e a política. É claro, desde essa época, todos os campos que lá “nasceram” não são os mesmos de hoje em dia: a ciência depende mais do que da observação para se provar como válida; a democracia não restringe tanto quem pode participar dela; a filosofia não se limita ao âmbito da natureza; e a política não trata mais somente de cidades–estados independentes entre si. Apesar da evolução que os conhecimentos antigos vêm apresentando durante o curso da história, muitos desses campos continuam se relacionando entre si. Alguns exemplos são a matemática e a ciência, a ética e a filosofia e, o que gera uma combinação curiosa no mínimo, a filosofia e a política.

Estas últimas, desde seu berço, têm seus significados e suas funções mudadas por diversos pensadores que se arriscaram a conduzir estudos filosóficos e políticos: Aristóteles propôs que a política era a prática máxima que um sujeito ético poderia exercer para garantir a felicidade de sua pólis. Já na Renascença, essa combinação foi reestruturada, por Nicolau Maquiavel, em um manual de deveres necessários para qualquer um que buscasse ser um governante ou se manter como um. No Iluminismo, os pensadores mudam o enfoque: ao definir o que é importante para um líder governar os demais, tentam definir o que é importante para os demais governarem a si mesmos, tudo isso, enquanto tentam definir o que é inerente à natureza do homem e o que é seu por direito natural. 

Ambas as áreas evoluíram durante os séculos, desde suas concepções originais, acumulando diversos pontos de vista e experiências através da evolução da sociedade. Todo esse processo resultou nos mais diversos textos que ainda nos mostram como alguns líderes governam. No Brasil, entretanto, poderíamos analisar que a forma de se governar da atual administração, liderada pelo presidente Jair Bolsonaro, parece beber de um outro guia filosófico, mesmo que inconscientemente. A obra em questão vem da mente do filósofo e pessimista alemão, Arthur Schopenhauer. Trata–se de “A Dialética Erística”, ou como ficou conhecida, “A arte de ter razão”.

 

A Arte de se governar tendo razão

“A Dialética Erística”, “A arte de ter razão” ou “Como vencer um debate sem ter razão”, são alguns dos títulos que essa obra do filósofo de Danzig ganhou em suas diferentes publicações pelo menos em terras brasileiras. Essa pluralidade de títulos não se dá por mero acaso: o texto que constitui o livro foi publicado post–mortem, por um discípulo do pessimista, tendo sido encontrado entre os pertences do autor. Se a obra publicada em vida, por Schopenhauer, já levanta debates sobre o seu significado e inúmeras interpretações, a publicação de um de seus textos, após seu falecimento, dificulta mais ainda essa tentativa de significação. 

O pequeno livro, mesmo sendo uma espécie de “filho rebelde” dentro da obra schopenhaueriana, possui um grande valor por si só, justamente por propor uma nova perspectiva sobre a dialética, que, para o autor, não pode ser usada para chegar à verdade ou ao consenso, mas somente a uma aparência de verdade. Dentro desse contexto, a obra discorre sobre como a dialética é usada por pessoas mal intencionadas, que utilizam de estratagemas “ilícitos”, como modo de ganhar uma discussão, sem atingir uma “verdade” ou consenso, por vaidade e aclamação. Apesar do contexto da obra, no século XIX, de ensinar a desmascarar acadêmicos e filósofos com intenções dúbias, pode-se alterar o público a quem se quer entender. Indo de pensadores a gestores públicos, é possível identificar as técnicas argumentativas transformando–as em técnicas de justificativa, sendo vista em diversas declarações sobre ações e opiniões. 

É importante ressaltar que essa atitude, cujo o intuito é garantir a integridade da imagem ou justificar a tomada de uma atitude controversa, não é uma novidade no meio político. Jessica Voigt, mestranda em ciência política e cientista de dados na ONG de combate à corrupção Transparência Brasil, ressalta que “a discussão começa na figura do político enquanto gestor e do político enquanto político mesmo, como pessoa pública, figura pública que tem que movimentar uma base”. Sua linguagem, portanto, é algo que tem que se adaptar a essa realidade dupla do ser político, também como indicado por Jessica: “Então a gente tem duas grandes retóricas.O político tem a retórica da fala pública e a linguagem que o Estado entende que é da caneta, das leis, dos decretos e medidas provisórias”. Entretanto, é possível notar a crescente desse comportamento por parte da atual administração.

Um exemplo grosseiro da relação entre “A arte de ter razão” e a atual administração brasileira, está na declaração do ex–presidente da Funarte e maestro, Dante Mantovani,  ao afirmar que “o rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto, que, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo”. Nessa declaração é possível verificar uma das técnicas indicadas pelo pessimista: o princípio de petição oculta. Tal técnica busca colocar controvérsias como parte do debate, aqui, colocando o satanismo como consequência de se ouvir rock.  

Para entender um pouco melhor como essa maneira de agir ganhou força entre os que se alinham na extrema-direita ou que apoiam em algum grau as atitudes do presidente, é preciso entender o pensamento daquele considerado guru da atual administração e a pretensão filosófica do autoproclamado filósofo, Olavo de Carvalho.

 

Antes de tudo, Olavo

Olavo de Carvalho é uma peça que se tornou bastante conhecida no meio político e público nos últimos anos. Antes de ser o famoso autoproclamado filósofo, com influência sobre diversos membros do governo, foi astrólogo, ministrava cursos sobre o assunto e foi fundador da escola de astrologia Júpiter; foi um  acusador da seita Tradição, esta da qual fez parte; além disso foi membro de uma Tariqa, uma comunidade muçulmana esotérica, liderada por Frithjof Schuon, pensador da escola perenialista, importante na formação de Olavo, e base de algumas de suas correntes ideológicas; atualmente, ministra aulas online sobre o assunto em que se autoproclamou especialista: filosofia.

Em algum ponto, entre as décadas de 80 e 90, Olavo de Carvalho começa o projeto de construção de sua proposta filosófica, tentando conciliar seus valores –  considerados por ele como conservadores –, uma crítica à alinhamentos filosóficos e políticos ditos como “corruptos” ou “autoritários”, um questionamento a respeito da objetividade acadêmica em seus mais diversos campos – da física à filosofia – e sua simbiose ao anticomunismo. A bibliografia do ideólogo do governo não se desvia muito dessa proposta, sempre comentando obras ou epistemologias de outros autores, criticando ou propondo uma nova perspectiva sobre as obras, como é visto na suas obras “O jardim das aflições” e “Aristóteles em nova perspectiva”.

Em 1997, contudo, segundo uma sugestão do editor, José Mário Pereira, Olavo de Carvalho inclui mais uma releitura a sua bibliografia, um opúsculo póstumo do filósofo alemão, Arthur Schopenhauer, sobre a dialética erística, rebatizando–o “Como ganhar uma discussão sem ter razão”. A obra de Schopenhauer, nesse caso, não se trata somente de uma tradução feita por Olavo, conforme uma precisão feita por Aline Medeiros Ramos, doutoranda em História, Filosofia e professora na  Universidade do Quebec em Montreal, o mais correto é que se trata de uma tese própria do ideólogo que contém o texto do pessimista em sua construção. Para termos de comparação, a edição da “A arte de ter razão”, pela editora Edipro, contém 80 páginas – incluindo um resumo sobre a vida de Schopenhauer –, e a edição da editora Topbooks, comentada por Olavo de Carvalho, possui 260 páginas.

Já na introdução, a nota da primeira edição do livro, o autor deixa claro que o livro não pretende ensiná–lo a argumentar, mas sim a reconhecer os argumentos utilizados por aqueles que querem aproveitar–se dessa dificuldade de expressar a verdade contida em seus “corações”, já que acessar e racionalizar essa verdade é algo que exige prática, e a falta desta é algo que será utilizado por seu oponente. Como colocou Olavo: “Mais vale, às vezes, a verdade muda, conservada no fundo da alma, mesmo na linguagem pessoalíssima de um sonho, de uma imagem, do que sua expressão clara e distinta em termos lógicos, a qual, por perfeita que seja, há se ser alvo de mal entendidos tão logo caia no mundo, e tornar–se objeto de controvérsias tediosas que reduzirão a cinzas o fogo da sua intuição originária.”  

Esse tipo de colocação pode ser feita, pois há uma margem para interpretação enorme, uma vez que os escritos do pessimista e onde se encaixaria dentro da sua epistemologia é algo, ironicamente, debatível. Ainda há outro conceito que se pode somar à ressignificação da obra: a definição sobre o que é dialética. conforme indicado pela Aline “o uso da palavra dialética, acho deliberado, porque é uma palavra misteriosa que a gente não sabe qual é o significado. Hoje, no discurso, muitos acadêmicos adoram usar a dialética, essa palavra empolada, mas que ninguém sabe muito bem o que é”. 

O opúsculo quimérico, de Schopenhauer e Olavo de Carvalho, assume um caráter interessante dentro do recorte “filosófico” proposto por este último, já que a obra, segundo Olavo, serve como uma remediação de Schopenhauer aos danos feitos a dialética. Para quem já leu “A arte de ter razão”, porém, bastaria a leitura da introdução para notar como algumas das técnicas levantadas pelo pessimista de Danzig, parecem habitar o modo de argumentar do autoproclamado filósofo. 

Olavo ressalta, na nota da segunda edição do livro, que “nessas condições, o autor de um livro contra a pseudo-argumentação erística corre o risco de passar por admirador secreto das astúcias que denuncia”. Um exemplo disso, pode ser encontrado na nota da primeira edição do livro, quando Olavo fala da função da dialética e acaba utilizado o estratagema 19. Seu funcionamento postula que, ao ter um de seus pressupostos na mira da invalidação, você deve generalizá-lo e, num momento mais a frente do debate, criticar essa própria genericidade. Na questão dialética, Olavo primeiro esclarece que a dialética tratada por Schopenhauer é um recorte e para realmente compreendê-la é preciso trazê-la de volta ao seu significado mais “aristotélico” que, por coincidência, não delimita tanto seu significado. Mais a frente na introdução do livro, ao criticar a filosofia hegeliana – como algo que poderia ser comparado com a política do anticristo –, coloca como motivo, justamente, o papel dúbio que a dialética pode assumir.

Outro exemplo é o do estratagema 30, que explica a utilização de especialistas e autoridades como forma de embasar sua afirmação. Um exemplo é a utilização do filósofo perenialista, René Guénon, para validar sua crítica ao filósofo austríaco, Ludwig Wittgenstein. Mais um que pode-se ressaltar é o de número 36, a erudição – ou melhor expressado pela máxima popular “falou bonito” –, sendo possível perceber, durante toda a introdução, Olavo utilizando palavras atípicas no cotidiano, citações a mitologia e o uso de termos em latim ou em grego, para preencher seus argumentos.

Essa forma de argumentar, segundo Olavo, é uma consequência de seus dons naturais enquanto filósofo e entende quem não consegue acreditar em sua sincera declaração sobre essa coincidência estrutural entre sua forma de argumentar e os estratagemas. E conclui “mas, no fim das contas, pouco importa. Que cada um creia no que bem entende – ou não entende”. 

Reprodução da fala de Olavo de Carvalho, do dia 27 de agosto de 2016, postada no twitter de Schopenhauer
Tweet de Olavo de Carvalho do dia 27 de agosto de 2016

 

Ernesto de Araújo, o Globalismo e o Jogo Diplomático

O caso de Ernesto Araújo é algo complicado. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB), ingressou na vida diplomática em 1991 e, atualmente, é o Ministro de Relações Exteriores, por influência de Olavo de Carvalho. Tem suas visões políticas descritas como de extrema-direita e inspiradas por teorias conspiratórias, em especial, a do Globalismo.

O globalismo, em suma, é uma teoria da conspiração que tenta ser uma forma simplificada e não fundamentada da globalização. Ao invés da complexa divisão estruturada ao redor de relações multilaterais dos mais diversos tipos – econômicas, comerciais, culturais e etc –, teríamos uma ordem mundial respaldada no marxismo cultural, que busca acabar com valores tradicionais ligados à família, à fé e à pátria. Nesse contexto, é possível notar o uso de dois estratagemas de maneira mais recorrente.

O primeiro deles é o 32º estratagema – utilizado não somente pelo chanceler, mas por diversos membros do governo –, que consiste em criar um elo entre seu rival e alguma bandeira ideológica que possa desvalidar ou desacreditar seus argumentos. Nesse caso, há uma sutil alteração nessa tática, que, além de tentar desvalidar o ponto do adversário, busca ligá-los aos objetivos de dominação globalistas, que visa destruir os valores e tradições ligados à religião e família. 

O outro estratagema é o de número 5: para a defesa de uma tese, utiliza-se de pressupostos falsos para chegar ao ponto desejado. Como dito antes, entretanto, é possível que, mesmo que a defesa da teoria, por parte do Ministro, parta de conceitos falsos, é capaz que ele acredite neles, já que a força de uma teoria conspiratória não está na força de seus argumentos, mas na crença que se tem por ela. Contudo, basear as atitudes diplomáticas nesse tipo de pensamento é algo perigoso, uma vez que ao pintar um inimigo – com uma definição vaga sobre o que o caracteriza com tal – que fere os valores “tradicionais” brasileiros é algo perigoso, já que o funcionamento do jogo diplomático difere do político, conforme indicado pela Jéssica: “Você tem países que defendem bandeiras democráticas, desde sempre, negociando com países altamente autoritários. Não são todos os países que têm uma “bala na agulha” para poder falar a mesma coisa para dentro e para fora, como Estados Unidos”.

 

Ricardo Salles e o debate climático

Ricardo Salles, advogado paulista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, administrador e político brasileiro, é o atual ministro do meio ambiente, já tendo sido Secretário do Meio Ambiente de São Paulo de 2016 a 2017. Mesmo não sendo parte dos setores da ideologia olavista, Salles é um indicativo de que não são somente setores compostos de “olavetes” que agem visando a aparência de ter razão em suas ações, mostrando como esse comportamento é muito inerente a política do governo e não somente de sua ideologia. Uma das polêmicas mais famosas de Salles está nas declarações contra o Greenpeace, após o vazamento de óleo no litoral Nordestino. 

A controvérsia começou devido a cobrança da ONG por um plano de contenção de dano do vazamento de óleo nas praias e de auxílio às populações que ajudavam com a limpeza como podiam. Como resposta, Salles publicou um vídeo no qual coloca em questão o papel da entidade em auxiliar na situação em questão, levantando dúvidas acerca das cobranças da ONG em relação a suas ações. O vídeo em questão contém declarações de um porta-voz do Greenpeace dizendo as dificuldades técnicas para a limpeza do vazamento ocorrido no litoral nordestino e a necessidade de equipamentos próprios para tal. Em seguida, traz cenas nas quais somente voluntários locais aparecem para ajudar na limpeza, fazendo parecer que a ONG não tivesse ajudado na situação. Entretanto, conforme demonstrado pela ONG, o vídeo trata–se de uma versão editada, que corta trechos que continham voluntários do Greenpeace junto aos moradores da região.

Nessa atitude do Ministro da pasta ambiental, é empregado o 16º estratagema, ou, como coloca Schopenhauer, Argumentum ad hominem. Essa estratégia é bem simples: trata-se de utilizar opiniões e declarações do oponente para invalidar sua afirmação ou comportamento frente a um debate. Salles, nesse contexto, tenta colocar em xeque as cobranças feitas pela entidade, manipulando fatos e declarações do Greenpeace, para que a suposta conduta da ONG em ajudar a frear o desastre ambiental fosse contraditória em suas cobranças de atitudes do governo.

 

Paulo Guedes e a dicotomia econômica

O carioca Paulo Guedes é economista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e possui mestrado e doutorado no assunto pela Universidade de Chicago, já foi professor da PUC e da Fundação Getúlio Vargas, além de ser, atualmente, um dos empresários mais conhecidos do país. É o primeiro ministro da economia, que foi criado após a fusão dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

O mais conhecido dos Ministros, Guedes é alguém menos polêmico que os demais colegas de outras pastas, porém não é isento de controvérsias desde que assumiu o cargo. Um exemplo disso ocorreu no dia 25 de novembro de 2019, durante entrevista coletiva, na qual o Ministro respondeu a uma indagação sobre o que ele achava sobre o risco de manifestações iguais às que vinham, na época, acontecendo no Chile, acontecessem também no Brasil. Sua resposta foi algo inesperado: “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática”. Apesar de mais a frente ressaltar que mesmo que a oposição pegasse em armas, era improvável algo como a criação de um “novo” AI-5, a fala de Guedes repercutiu.

Essa declaração traz a tona um tipo de estratagema que já foi utilizado pelo empresário mais de uma vez: o estratagema número 13, que pressupõe que para um argumento seu ser aceito pelo seu oponente, deve-se apresentar a ele duas alternativas contrastantes uma da outra, mas que leve o seu rival a concordar com a alternativa que beneficia seu argumento. No caso em questão, o Ministro questiona se a oposição tivesse que escolher entre se manifestar da mesma forma que os protestos chilenos sob o risco de um “novo AI–5” ou não se manifestar, mas mantendo suas liberdades democráticas, qual opção a oposição iria preferir. 

A mesma construção de pensamento pode ser vista na recente declaração, feita no dia 19 de maio de 2020, em uma reunião com um grupo de empresários. Guedes afirma que o auxílio emergencial, que foi aprovado para ajudar trabalhadores informais durante o estado de calamidade, não poderia se estender por mais tempo com o mesmo valor. O ministro colocou, então, que poderia se estender o auxílio por mais um mês com o valor de R$600,00 ou se entender o benefício por mais 3 meses com o valor reduzido para R$200,00. 

Vale ressaltar que na mesma reunião ele justifica essa redução gradual do benefício para que as pessoas que dependem dele no momento, não se sintam incentivadas a não trabalhar, ou como ele coloca: “Se falarmos que vai ter mais três meses, mais três meses, mais três meses, aí ninguém trabalha. Ninguém sai de casa e o isolamento vai ser de oito anos, porque a vida está boa, está tudo tranquilo.” Nessa declaração é possível notar a utilização do 1º estratagema, conhecido como amplificação, que é o emprego do exagero de um argumento/medida para descontextualizar sua viabilidade. No contexto em questão, segundo a perspectiva do Ministro, o auxílio se torna inviável de ser renovado durante a pandemia, pois pode criar uma cultura em que as pessoas não queiram trabalhar, forçando a constante renovação do auxílio.

 

Jair Bolsonaro, o Presidente

Capitão reformado do exército brasileiro, chefe do Executivo, deputado federal inúmeras vezes pelo estado do Rio de Janeiro e figura mais polêmica da atual administração, o presidente Jair Bolsonaro talvez seja o político que tem a maioria – senão todas – suas declarações analisadas, seja por jornalistas, veículos de checagem de fatos, cientistas políticos, opositores e a lista segue. Essa fama acerca de suas declarações e justificativas chegou a um patamar que existe uma página da Aos Fatos, uma agência de checagem de fatos, dedicada a avaliar o conteúdo das falas do presidente. As declarações são separadas por tema, com direito a gráficos sobre o aumento de falas que podem ser classificadas como imprecisas ou falsas. Já no levantamento de declarações que seriam analisadas por essa reportagem, foi possível notar o uso de diversos estratagemas, parecendo que o uso destes é feito de maneira quase instintiva. 

Um dos estratagemas utilizados pelo Presidente toda vez que questionado sobre as acusações que envolvem seus filhos e as investigações sobre possíveis infrações, é o estratagema número 22: a alegação de motivação oculta por parte do oponente. Essa estratégia tem como princípio lógico que ninguém deve apresentar provas contra si mesmo e, por isso, utilizar essa tática faz lembrar a quem vê o debate e seu rival, que não é trabalho dele fornecer argumentos contra sua tese – nesse caso, seus filhos. Toda vez que questionado sobre o assunto, o presidente alega que tais investigações ou até mesmo questionamentos  têm como motivação, na realidade, atingir a sua pessoa, como parte de uma trama para o derrubar, uma vez que respondendo a tais questões ele estaria abrindo margem para interpretações que não joguem a seu favor.

Outro estratagema recorrente nas falas de Jair Bolsonaro é o de número 28, no qual é utilizado uma informação parcial para corroborar sua afirmação ou atitude. Um exemplo do emprego desse estratagema está nas alegações do presidente de que, segundo a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), não lhe cabe interferir ou decidir nada a respeito das medidas referentes ao gerenciamento da pandemia, mas somente aos prefeitos e governadores. De fato, o Poder Federal está impedido de tomar decisões que interfiram nas medidas adotadas por municípios e estados, contudo a decisão do STF não exime ou impede a esfera federal de tomar atitudes que possam ajudar ou facilitar o gerenciamento da crise “pandêmica”, mas tal atitude de ocultação de detalhes da decisão judicial condiz com suas opiniões sobre as medidas, os efeitos e a gravidade da pandemia.

Ainda podemos ver a utilização do terceiro estratagema schopenhaueriano, que sugere que o conteúdo de um argumento deve ser tomado diferentemente do que foi proposto. Trata–se de uma forma de descontextualização da fala do oponente. Isso pode ser visto na ocasião em que Bolsonaro utiliza–se da fala do diretor–geral da Organização mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, sobre a realidade de que existiam pessoas em situações de vulnerabilidade que, dificilmente, conseguiriam realizar distanciamento social se isso fosse interferir na sua sobrevivência; essa fala foi usada pelo presidente para defender a reabertura da economia, colocando a autoridade do diretor-geral, como se estivesse alinhada com a sua. No entanto, a fala foi tirada de contexto e, na continuação,  Tedros indica que deveria ser dever do Governo sanar essa vulnerabilidade para a seguridade dessa parcela da população. 

Há um estratagema que vale a pena ressaltar para fechar a lista: o 18º estratagema, o mutatio controversiae, que, em suma, poderia ser resumido na expressão “Fui!”. Essa tática coloca que se você tem o poder de encerrar um debate, se sente que sua tese será derrubada ou que não está no caminho que você previa, pode-se encerrar o debate, simples assim.  Diversas vezes o presidente se negou a responder questões de jornalistas, quando declarou que não falaria mais com a imprensa, já que esta, ao ficar declarando que sofria ataques por parte dele, estaria mentindo como uma maneira de ferir sua imagem, adicionando ainda que, até que a “verdade” começasse a ser publicada, considerava não conceder mais entrevista. 

Fala de Jair Bolsonaro em vídeo publicado no dia 21 de abril de 2019 associada a estratagema de Schopenhauer
Fala de Jair Bolsonaro em vídeo publicado no dia 21 de abril de 2019

 

O Estado de ter Razão

 Essa análise de qual estratagema se encaixa no discurso de qual membro do governo poderia se estender por diversos Ministros, Secretários, Deputados, influenciadores e artistas que compõem a chamada “nova direita brasileira”. Poderia estender-se até mesmo a alguns opositores da atual administração que não estão imunes de agirem da mesma forma reacionária.

Durante nossa entrevista, Jessica ressalta que a diminuição de interlocutores têm um papel importante nesse tipo de comportamento, sendo que uma live ou um tweet do presidente tem mais impacto e alcance do que uma publicação em um veículo de imprensa. É justamente nessa falta de diálogo com outros setores que compõem uma democracia que podemos olhar algo perigoso a nível de república democrática. A repercussão das redes sociais ligadas ao presidente, atualmente, é algo atípico, que seus antecessores não tiveram, mesmo dialogando com diversos setores da sociedade, mídia e política.

Há outros perigos na construção do “Estado de ter razão”. O principal gira em torno no próprio peso do cargo, conforme Eugênio Bucci, jornalista e professor na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo: “Não se pode desprezar a carga que vem da fala de um chefe de estado e de governo, como é o caso do Presidente da República no Brasil. Por isso que esse cargo deve ser exercido com tanta temperança ou ele perde o seu sentido”. O peso da fala que o cargo presidencial traz consigo  tem um papel importante na construção de seu isolamento político. Ao dizer, por exemplo, que não vai negociar, pintando todos que não se alinham a ele como “inimigos”, acaba incentivando, indireta e diretamente, diversas partes da tripartição de poderes, que constituem a democracia representativa, a não buscarem iniciar um diálogo, que é talvez uma das coisas mais importantes nesse modelo de governo.

Esse comportamento levou a uma revolução no uso do 38º e último estratagema, tanto pelo meio em que acontece quanto por quem o realiza. Essa tática abre mão de tentar ser lógico, de persuadir o público ou oponente e parte direto para ofensas ao rival – não de sua tese, mas de sua pessoa. Essa “revolução” muda quem realiza o ataque, do debatedor para o público. Nesse caso, por mais que ainda o incentive, a ofensa não parte do presidente e sim de seus apoiadores mais fiéis. O meio pelo qual isso acontece também muda, indo do debate para as redes sociais daquele que se quer atacar. Dessa maneira, o Estado de ter razão encontrou uma forma de desacreditar seus oponentes e ainda manter-se livre das consequências dos ataques.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima