Quando se fala em Guernica, a primeira imagem que vem à cabeça de muitas pessoas é a pintura de Pablo Picasso, não é mesmo? A obra icônica, tanto da carreira do artista quanto para a arte do século XX, retrata um episódio importante da Guerra Civil Espanhola: o bombardeio e incêndio da pequena cidade de Guernica pelas forças nacionalistas que apoiavam o General – e ditador – Francisco Franco. Essa, no entanto, não é a única obra cultural que se volta ao acontecimento. A Árvore de Guernika (Companhia das Letras, 2017) relata a guerra sob o ponto de vista do jornalista G.L. Steer, que acompanhou de perto o conflito do lado dos bascos, defensores da República espanhola.
A guerra começou em 1936, quando a direita nacionalista comandada por Franco faz um levante contra a República de esquerda. Logo no início do conflito, o governo concedeu maior liberdade às regiões da Catalunha e País Basco, que possuiam tradições culturais distintas e desejavam ser autônomas, em troca de apoio militar. Steer, colaborador da versão londrina da revista Times, foi o responsável pela cobertura da guerra do lado basco, em território localizada no noroeste da Espanha. Lá, ele encontrou um povo forte e simples, que valorizava a democracia, as liberdades e os direitos humanos mesmo em uma situação tão cruel como a guerra.
O jornalista permaneceu na região durante todo o período do confronto com a permissão dos líderes bascos, que se mostraram bem abertos à imprensa internacional. Steer, além de acompanhar a vida dos cidadãos durante o conflito, pode ver de perto a linha de frente basca em ação, muitas vezes arriscando a própria vida em meio aos bombardeios.
E foi ele um dos responsáveis por levar a verdade sobre Guernika (com ‘k’, pois era o modo como os bascos escreviam) à público. O vilarejo era um importante símbolo para os bascos, já que era o lugar onde os governantes se reuniam para decidir o futuro do País Basco e simbolizava a defesa à democracia, muito valorizada por eles. Logo após a tragédia, os nacionalistas e aliados – Alemanha e Itália – divulgaram informações falsas e acusaram os bascos de terem incendiado Guernika. O correspondente, que se considerava um “historiador em ponto menor” por ser jornalista, não descansou até que a verdade fosse revelada. Em 28 de abril de 1937, sua mais importante reportagem – e que faz parte do livro – foi publicada pela Times londrina e pelo The New York Times, detalhando o ataque da esquadrilha alemã, que com bombas incendiárias e de alto teor explosivo destruíram o vilarejo e mataram muitos civis. A reportagem forçou a mudança de posição do governo britânico, que cumpria à risca o Comitê de Não-Intervenção – algo que Alemanha e Itália abandonaram muito antes.
Se está esperando por uma exposição objetiva do conflito, A Árvore de Guernika não é para você. O relato de Steer utiliza o estilo jornalismo literário para apresentar aos leitores uma visão aprofundada e pessoal de tudo que presenciou. Ele mesmo não tem a pretensão de produzir algo imparcial, sua aproximação com os bascos fica claro desde o início da narrativa, tanto que ele utiliza o ‘nós’ – se referindo à população basca – ao invés de ‘eu’ em todo o livro.
A escrita é bem detalhada, um aspecto positivo, pois o leitor consegue ter uma visão mais precisa, porém, pode ser também negativa. Isso porque o constante uso de termos bélicos e as muitas descrições, por vezes, deixam a leitura menos fluída. O primeiro capítulo, em especial, com 70 páginas, pode ser complicado para aqueles que não estão acostumados com relatos de guerra. Passado ele, no entanto, a tendência é que a narrativa prenda cada vez mais o leitor.
A Árvore de Guernika mostra como os bascos resistiram à guerra até o último momento sem abandonar seus princípios e também retrata alguns aspectos da guerra moderna levada à risca pelos nacionalistas, que não poupavam os civis do sofrimento e contavam com esse fator para a vitória.
Por Beatriz Arruda
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