Por Helena Mega (helenamega8@gmail.com)
Sob o nome “Dieta SEM Carboidrato”, não foi preciso divulgação para que a página de Gislaine Antonini atingisse suas mais de 23 mil curtidas no Facebook. “Eu mesma iniciei a dieta e criei a página para ‘guardar’ de forma mais fácil as receitas, pois assim teria fácil acesso ao passo a passo e às fotos delas”, conta.
Mesmo com auxílio médico, Gislaine sentiu a necessidade de buscar na internet mais informações para diversificar sua dieta alimentar restrita em carboidratos e sugerida pela médica: “[Ela] só me passou o que podia e não podia comer. Dali em diante fiquei em um ‘beco sem saída’, sem saber o que cozinhar com tão pouco ingrediente.” A proposta, afinal, não era apenas perder peso, mas também cortar alimentos que possivelmente lhe causavam crises de enxaqueca.
Com 22 kg a menos, a dona da página e de um ateliê de festa infantil reafirma hoje o sucesso da investida que, em seu caso, foi “extremamente eficiente”, como coloca. Além disso, pôde (e pode) contar com um retorno positivo dos seguidores da página, em grande parte mulheres: “elas interagem, comentam que vão testar as receitas, isso, aquilo. É bem bacana.”
Sobre os seguidores, ainda, Gislaine consegue afirmar: “Até agora todo mundo que me procurou por inbox foi para tirar dúvidas de receitas segundo foram orientados por nutricionistas e até cardiologistas.” Esse “todo mundo”, porém, é exceção diante dos muitos que arriscam sua saúde utilizando os meios de comunicação, e somente eles, como guia para dietas alimentares.
Como lembra a nutricionista Tássia Vivian, do Centro de Referência para a Prevenção e Controle de Doenças Associadas à Nutrição (CRNutri), da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo: “não somos todos iguais, possuímos necessidades distintas. A maioria das dietas veiculadas na mídia não tem comprovação científica da sua eficácia e defende a eliminação de algum alimento específico ou grupo alimentar, levando a uma perda de peso que não é saudável nem duradoura.”
“Uma alimentação saudável não envolve apenas os efeitos relacionados à composição nutricional dos alimentos, mas também está associada a fatores psicológicos e sociais, ou seja, como, por que, com quem e onde comemos também pode influenciar no efeito que os alimentos exercem em nosso organismo”, adiciona a nutricionista.
Tássia alerta, ainda, para a veiculação de informações equivocadas sobre diversos alimentos, classificados como “vilões” ou “milagrosos” pelos meios de comunicação, principalmente da grande mídia. “Todo alimento pode ser saudável no contexto de um plano alimentar equilibrado, adequado e, mais importante, individualizado”, salienta.
Desse modo, dentre os fatores necessários para uma avaliação nutricional completa, ela lista: “precisamos conhecer o indivíduo, seu diagnóstico, seu objetivo, sua rotina, suas preferências, suas restrições, e suas necessidades.” Portanto, nada de generalizações.
Mônica Inez E. Jorge, profissional do Departamento de Nutrição também da Faculdade de Saúde Pública da USP, compartilha da mesma visão. “As pessoas acreditam que basta seguir a dieta da forma como está descrita e, rapidamente, o objetivo será alcançado. Isto pode não acontecer, pois os organismos tendem a responder de formas diversas”, diz.
“Mais grave do que ‘não dar certo’ é o risco de adotar um regime alimentar que pode trazer como consequências a carência ou o excesso de determinados nutrientes”, completa Mônica ao citar como exemplo as dietas alimentares que excluem completamente as gorduras, podendo causar deficiência das vitaminas A, D, E e K.
Assim, a moda do estilo de vida saudável pode muito bem afastar os seus adeptos de uma nutrição balanceada de fato. “Às vezes penso que a grande maioria da população sabe o que deve comer, sabe o que lhe faz bem. Mas parece que vivemos um momento em que damos mais valor ao que é ‘científico’ (ou pretensamente científico) do que às nossas tradições e hábitos culturalmente adquiridos”, reflete a profissional do Departamento de Nutrição. Como consequência, misturas clássicas como a do arroz com feijão, boas do ponto de vista nutricional e tradicionalmente inseridas no hábito alimentar dos brasileiros, são deixadas de lado nas mesas de refeições em prol de “verdades” científicas nada mais do que equivocadas.
Dessa forma, ambas as nutricionistas, Tássia e Mônica, fazem uma ressalva para mitos da nutrição que ainda circulam na mídia e influenciam o comportamento da sociedade. Para Tássia, “os principais vilões da atualidade são certamente o glúten (proteína encontrada em alimentos e bebidas contendo farinha de trigo, aveia, centeio e/ou cevada), e a lactose (o “açúcar do leite”, encontrada no leite e seus derivados).”
Os mesmos, coincidentemente, são apontados como causadores de controvérsias por Mônica, que explica: “Todas as evidências científicas que surgiram e ainda surgem de pesquisas bem delineadas, controladas e sérias não encontram respaldo para a proibição do consumo de alimentos que contém glúten, com exceção dos casos de diagnóstico clínico de doença celíaca ou alergia próprio ao glúten.” Um exemplo é o artigo “Gluten-Free Diet: Imprudent Dietary Advice for the General Population?” do pesquisador Glenn Gaesser, da Universidade Estadual do Arizona.
Quanto à lactose, o mesmo: “somente as pessoas com diagnóstico de intolerância à lactose ou à proteína do leite devem excluir o leite e seus derivados da dieta. Algumas vezes, sabemos de mulheres gestantes que excluem leite e derivados de sua alimentação sem nenhuma necessidade. No mais, é puro modismo”, finaliza a nutricionista.
Não surpreende, logo, que dentro da tradicional lista dos livros mais vendidos do New York Times – afinal, não só o Brasil está dentro dessa moda – estejam títulos como “Zero Belly Cookbook” (algo como um “livro de receitas para uma barriga chapada”, escrito por David Zinczenko), que promete apresentar o passo-a-passo da fórmula universal do emagrecimento, e outras dezenas de best sellers contendo as dietas dos não-sei-quantos dias.
Outras que se aproveitam dos modismos da vida saudável são algumas celebridades, as quais chegam a criar sites sobre vida saudável para que os leitores possam segui-las e, eventualmente, comprar o livro – ou e-book – que escreverão em seguida com suas receitas favoritas, a exemplo da hollywodiana Gwyneth Paltrow.
Contudo, a expressão máxima da divulgação de cardápios “sustentáveis” parecem ser, atualmente, as redes sociais. O Instagram, em especial, virou uma espécie de reduto para que as chamadas blogueiras de todo mundo possam lucrar milhares de reais (ou dólares, euros) divulgando marcas de produtos naturais em suas selfies.
Na avaliação da nutricionista Mônica, são comportamentos que as pessoas passam a adotar “sem nenhuma visão crítica e sem se preocupar em consultar um especialista, quando for o caso.” Por isso mesmo, devem ser repensados. Esse também é o veredicto de Tássia: “Este cenário só irá mudar quando todos entenderem a importância do nutricionista como o único profissional capacitado para avaliar as necessidades nutricionais dos indivíduos e prescrever planos alimentares equilibrados, adequados e individualizados.”