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A loucura como forma de segregação social

Por Larissa Silva (larissa.carolina_@hotmail.com ) Quem é louco: o indivíduo que, de súbito, decide interpretar o clássico de 1952, Singin’ In The Rain (Cantando na Chuva), na Avenida Paulista em um dia ensolarado, ou quem afirma ouvir vozes “estranhas” dentro da cabeça? Um termo com várias definições O termo loucura não é um capricho da …

A loucura como forma de segregação social Leia mais »

Por Larissa Silva (larissa.carolina_@hotmail.com )

Imagem: Thaislane Xavier/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior

Quem é louco: o indivíduo que, de súbito, decide interpretar o clássico de 1952, Singin’ In The Rain (Cantando na Chuva), na Avenida Paulista em um dia ensolarado, ou quem afirma ouvir vozes “estranhas” dentro da cabeça?

Um termo com várias definições

O termo loucura não é um capricho da modernidade para explicar atitudes diferentes ou inesperadas dos sujeitos. O “ser louco” é um conceito presente na história há milênios, sendo que, para cada época, havia um significado diferente.

No passado, quando o misticismo era a base para ideologias, loucura era associada a possessões ou ao ocultismo. Pessoas que não se encaixavam nos padrões da época eram taxadas de loucas e excluídas do âmbito social. O “ser louco”, nessa época, era profanar o nome de Deus, ir contra as tradições das cidades ou não seguir o ensinamento das igrejas.

Os séculos passaram. As indústrias chegaram, cidades se modernizaram e, junto com as transformações da sociedade, conceitos foram esquecidos, outros criados, mas muitos foram ressignificados. A loucura nesse momento era vista na mulher que, contra a vontade do marido, não desejava engravidar e no negro que queria estudar na universidade de brancos.  

Percebe-se que o que é julgado normal e anormal está interligado com a cultura. Porém, o que foi nomeado como loucura, até então, foram atitudes de pessoas que iam contra o sistema da época, por vontade própria. Enquanto isso, aqueles com verdadeiras doenças mentais eram mantidos trancados nas casas, por conta da vergonha social que as famílias sentiam.

Esse distanciamento, além de criar nas pessoas com doenças mentais o sentimento de não pertencimento, resultou também em ideias preconceituosas, que ao longo do tempo foram enraizadas no imaginário da sociedade. Para a técnica em enfermagem Bruna Cristina, durante seu estágio em uma clínica psiquiátrica, o medo e a desconfiança estavam sempre presentes: “Havia alguns homens estranhos. Dava medo porque a qualquer momento eles podiam nos atacar”. No entanto, a realidade era outra ― ela acreditava que seria atacada pois tinha uma pré ideia de que todos indivíduos com doenças mentais são violentos.   

A loucura como forma de arte

Nise da Silveira foi uma psiquiatra alagoana, que trouxe um outro olhar para as relações com a loucura. Enquanto muitos profissionais utilizavam métodos questionáveis para tentar “curar” os “doentes”, Nise escolheu utilizar a arte e o afeto como base para seu trabalho. Assim, através de papel, canetas, argila e outros materiais, os pacientes expressavam-se e, assim, sentiam-se como parte do mundo que lhes era negado. Ela, através de seus métodos, retirou os “loucos” de seus exílios e os trouxeram para as exposições de artes.

No entanto, muito antes do trabalho da psiquiatra, os manicômios eram o cenário de torturas e da desumanização em massa. Neles, métodos como afogamentos, esterilização, descargas elétricas e a lobotomia eram utilizados para “curar” os pacientes. No Brasil, o primeiro hospício foi inaugurado em 1852, denominado Hospício de Pedro II.

Holocausto de Barbacena

Em 1903, foi fundado o Hospital Colônia de Barbacena, considerado o maior hospício do Brasil. Se antes Barbacena era conhecida como “Cidade das Rosas”, após a inauguração e o sucesso do hospital psiquiátrico, a cidade passou a ser conhecida como “Cidade dos Loucos”. Composto por dezesseis pavilhões, o lugar, além de receber pessoas com problemas mentais, também recebeu indivíduos com boa saúde, mas que não se encaixavam nos moldes da sociedade, como as prostitutas, mães solteiras, mendigos e os homossexuais.

Os “pacientes”, de todos os cantos do Brasil, chegavam, principalmente, através da estação ferroviária apelidada de “trem de doido” por Guimarães Rosa. Muitos não sabiam para onde estavam indo, muito menos que aquela era uma viagem só de ida.

Nos pavilhões não havia sistemas de água encanada, assim os doentes precisavam beber e se banhar no esgoto que ficava a céu aberto.  Com o tempo, o lugar ficou superlotado, não havia roupas para todos, então muitos passaram a andar nus. As refeições não eram boas, tampouco nutritivas. Atos de rebeldia eram controlados através de punições — eletrochoques e a lobotomia eram métodos utilizados pelos agentes do Hospital. Nas noites geladas, as pessoas agrupavam-se, ou se empilhavam, uns sobre os outros, para se aquecerem. No entanto, os que ficavam embaixo, sufocados, não sobreviviam.

Durante os anos em que a instituição funcionou, 60 mil pessoas morreram.

O repórter José Franco e o fotógrafo Luiz Alfredo, ambos da revista O Cruzeiro, realizaram uma  reportagem fotográfica de denúncia contra o terror que ocorria dentro daqueles pavilhões, publicada em 1961. As vozes, antes silenciadas pelas limitações do Hospital, foram ouvidas e expressadas ao longo das cinco páginas da reportagem, abalando a população que até então estava alienada. José Franco chega a comparar o que viu com os campos de concentração nazistas.

Para a jornalista Camila Fortes Franklin, que escreveu um artigo analisando a reportagem da revista, o trabalho de José Franco e Luiz Alfredo foi uma ruptura na história do Colônia: “Se não fosse por ela, o Hospital permaneceria por, provavelmente, alguns anos seguintes até que alguma outra oportunidade aparecesse para denunciar o que acontecia lá. Essa matéria foi a primeira reportagem denunciativa do Hospital Colônia. Podemos observar nela um senso crítico forte, com fotografias bem trabalhadas, dados extremamente detalhados e uma situação em que até mesmo o diretor do hospital se posiciona, tendo absoluta consciência do que acontecia lá dentro”.

Onde estão os loucos?

Em 2001, foi sancionada a Lei da Reforma Psiquiátrica, que trouxe como proposta a humanização dos métodos utilizados com os doentes mentais, a garantia dos direitos e proteção para eles e o fim dos hospícios. Além disso, as internações, de acordo com a lei, só podem ser feitas caso todos os outros métodos extra-hospitalares sejam insuficientes. No entanto, no Brasil ainda há 159 manicômios.

A questão é que enquanto houver a banalização do mal muita pouca coisa irá mudar no cenário social. Sobre isso, Franklin ressalta a importância de trazer para o cotidiano essas questões, não através de estereótipos de loucos com camisas de forças, mas a imagem das pessoas que sofrem com essas doenças e que ainda são mantidas caladas. “O que percebo é um cuidado mínimo em relação à exposição das pessoas com transtornos mentais e um esquecimento social, político, jornalístico, cultural com essas questões. Nos noticiários, a loucura — e utilizo esse termo identificando não apenas as pessoas com transtornos mentais, mas todas as pessoas que estiveram internadas em manicômios ao longo dos séculos — não é considerada. As questões de saúde mental atualmente não são trabalhadas nos jornais, com ressalva de datas simbólicas como o dia da Luta Antimanicomial, quando acontecem caminhadas e atos nas ruas das capitais, ou quando acontece algum incidente, a saúde mental não costuma ser pauta para o jornalismo brasileiro. Ao longo dos séculos, a imagem do louco foi se modificando, e isso fez com que muitas injustiças acontecessem. O fato dessas pessoas terem sido postas sempre dentro de muros, silenciadas, fez com que suas vozes não repercutissem e se mantiveram às sombras, causando medo, insegurança, vergonha e entre tantos outros estigmas”, afirma.

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