Pessoas com problemas psiquiátricos já formam um grande tabu social. E quando esse tabu é levado para o meio artístico?
Por Stella Bonici (stebonici@gmail.com)
Pense na pintura mais famosa que você conhece.
Não precisa de muito para supor que, na maioria dos casos, o que uma pessoa pensa ao se deparar com essa frase é a obra de Leonardo da Vinci, A Monalisa. Além de um pintor que inovou e impressionou sua época, da Vinci também era inventor, criando mecanismos para aparelho submarino, o planador com asas e o parafuso voador, que fazem parte da série de protótipos de máquinas voadoras, além do carro auto-propelito, projeto de veículo de maneira que se movia pela interação de molas engrenadas. Considerando o legado deixado pelo artista, uma série de estudiosos o consideram gênio. E essa genialidade se reflete, inclusive, em suas pinturas.
Mas apenas gênios podem revolucionar uma época e produzir obras de arte? Apenas os gênios adquirem reconhecimento? Apenas os sãos? Os artistas que vêm a seguir vão mostrar, com certeza, que não.
Van Gogh foi um pintor que não teve uma escola a seguir, mas foi o precursor do impressionismo, e sua obra foi usada como inspiração para os expressionistas do século XIX. Apesar de, na sua época, Van Gogh não ter tido suas pinturas reconhecidas como obras de arte propriamente ditas, hoje é considerado um dos maiores artistas da História. E, apesar do reconhecimento artístico, o pintor sofria de graves problemas psíquicos, chegando, até mesmo, a cortar parte de sua orelha e dar de presente para uma prostituta dos bares que frequentava.
Segundo Mário Viviani, psiquiatra formado pela Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto, as pessoas com problemas psiquiátricos são aquelas que demandam ajuda médica. “A pessoa pode apresentar um sofrimento psíquico e alteração comportamental que é percebida por ela mesma, familiares, amigos e também pelo médico. As diversas alterações psíquicas e comportamentais, tomando como base o conceito de saúde mental (padrões normais de comportamento e bem-estar psíquico), são passíveis de categorização e classificadas em dois principais manuais, extensamente utilizados na prática clínica e científica: CID (Classificação estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados à saúde) e DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de transtornos mentais da American Psychiatry Association)”.
A arte é um meio de expressão, uma forma de fuga para todas as pessoas, tenham elas problemas mentais ou não. Os estudos psicanalíticos de Freud na virada do século XIX revelam um mecanismo de defesa do ego chamado sublimação. A energia psíquica de pensamentos e impulsos inaceitáveis e primitivos se transforma em uma produção artística socialmente aceitável. Segundo Viviani, isso gera uma polêmica que gira em torno do fato de toda produção artística ser fruto da libido reprimida e depois sublimada.
Mas para quem pensa que a loucura ajuda na produção artística, já que a arte, como forma de fuga, acaba se transformando em uma rota ainda maior para essas pessoas, está enganado. “Não há evidências que demonstrem um aumento de criatividade ou produtividade artística em pessoas com problemas mentais”, disse o médico, completando ainda que a qualidade artística das obras tem muito mais a ver com qualidade de produção individual da pessoa do que com a insanidade. “O fato de obras incríveis terem sido concebidas por indivíduos com sofrimento mental não pode ser devido à doença, mas sim ao talento que essas pessoas tinham inerentemente”, diz.
As pessoas com problemas psiquiátricos, entretanto, podem ter alguns traços que conseguem ser identificados nas obras. O negativismo, embotamento afetivo, alterações na percepção e na psique, prejuízo do raciocínio lógico e falta de percepção da sua existência perante o mundo são alguns dos sintomas que esses pacientes têm. A diminuição da interpretação da realidade pode gerar temas brutos, simplistas, inexpressivos, ou até mesmo obras não compreendidas pelas pessoas sãs. Porém, segundo Viviani, durante alguns estudos e observações de pinturas realizadas por pacientes psicóticos, Jung percebeu a presença de estruturas similares a uma mandala. “Talvez fosse uma tentativa de o indivíduo internalizar e recuperar a sensação de unidade perdida pelos sintomas de sua doença”, diz o psiquiatra.
A exemplo das pessoas com deficiência psíquica que ganharam destaque na produção artística temos a menina autista Iris Grace Halmshaw. Com apenas três anos, Iris já começou a fazer quadros que chamaram muito a atenção pela combinação harmoniosa de cores e pela leveza, que parecia ter ligação com elementos da natureza como flores, chuva e rios.
Louis Wain, um britânico que ganhou fama pelos seus desenhos de gato, também é um destaque entre as pessoas com problemas mentais. Suas pinturas indicam desorganização, distúrbios de percepção e alterações de afeto, porém, estudos mais recentes sugerem que sua produção artística não estava em desacordo com a prática do design contemporâneo.
Por fim, há ainda uma série, apresentada recentemente em Miami, que reúne uma série de obras de pessoas com problemas psíquicos. Algumas causam certo desconforto, mas outras parecem ser algo próximo à arte contemporânea.
O importante disso tudo é que tabus sejam quebrados, e que as pessoas com problemas psiquiátricos sejam cada vez mais inclusas na sociedade. E que jeito melhor de fazer isso, senão pela arte?