Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

‘A Viagem de Pedro’: o navegar em uma mente perturbada 

Dirigido por Laís Bodanzky, ‘A Viagem de Pedro’ traz Cauã Reymond no papel de Pedro I, em um recorte insuficiente da vida do monarca brasileiro

Em 1831, Dom Pedro I (Cauã Reymond) embarca em uma jornada a Portugal, após abdicar da corte do Brasil em favor de seu filho, para lutar contra seu irmão pelo trono português, uma vez que, contrariando a linhagem real, Miguel tenta tomá-lo ao argumentar que Pedro abdicou da monarquia portuguesa pelo Brasil. A Viagem de Pedro (2022) apresenta o imperador, em uma fragata inglesa, encarando seus próprios medos e demônios — em especial os mentais — e revive momentos do passado, desde quando era menino, ainda na península Ibérica, quando seu pai, Dom João, decide fugir de Napoleão Bonaparte para o Brasil, até seu casamento com a princesa austríaca Leopoldina (Luise Heyer), incluindo memórias de sua amante mais famosa, Domitila (Rita Wainer). 

Nuances da vida movimentada da corte portuguesa, tanto antes de se instalar no Brasil, quanto depois, são deixadas para a compreensão do público — aqueles que desconhecem os personagens e os acontecimentos que levaram Pedro I até Portugal, não são desenvolvidos, e sim citados, como se esperassem um conhecimento prévio. A Viagem de Pedro não pretende — e nem é — uma obra histórica. Intencionalmente ou não, torna-se um filme elitista ao esperar que, para haver um acompanhamento mínimo da história, o espectador conheça a história da monarquia portuguesa, no mínimo, no período em que esteve no Brasil. 

Em uma das viagens de Pedro ao passado, em que o imperador tem uma crise de epilepsia, ele volta para quando era menino, ainda em Portugal, e se questiona sobre suas ações até aqui. [Imagem: Divulgação/Buriti Filmes]

O recorte sufocante

A Viagem de Pedro mostra-se como um recorte desde o enquadramento escolhido: em 4:3. Passado praticamente todo no mar, o pedaço da vida do imperador escolhido para ser contado causa desconforto, tanto pelo balanço constante das ondas do mar, quanto pela angústia do próprio Pedro, que, além de supostamente contaminado pela sífilis, com crises de epilepsia e impotente há cerca de 6 meses, revela-se um homem perturbado mentalmente.

A instabilidade do imperador é percebida pela fragata inglesa e também pelos ex-escravos que ali residem. Um deles, inclusive, torna-se alvo da desconfiança de Pedro a partir do momento que ele percebe que o homem, atualmente cozinheiro do navio, pode ter participado de revoltas dos malês, acusando-o de ser o chefe dos rebeldes muçulmanos. A discussão não é levada adiante, Pedro é descredibilizado e a suposta revolta não é especificamente citada — pode ter sido um diálogo insignificante para um espectador que desconhece as batalhas de independência. 

Apesar do início de desconfiança, Pedro se aproxima do cozinheiro e este lhe garante que as coisas ruins que acontecem com o imperador são responsabilidade de uma pessoa que já está morta e que o quer ao lado dela. Assim, o descontrole dele vai ganhando justificativa para além da impotência que já o perturba. Além de transtornado pelo sentimento de traição para com o irmão, por estar tentando tirar o trono que, segundo Pedro, é dele e, futuramente, de sua filha, ele também mostra-se incapaz de lidar com a culpa por ter trazido tanto mal a falecida ex-esposa, Leopoldina. Importante ressaltar que, por mais que o filme tenha falhado em suas explicações históricas, ele deixa explícito como Pedro não só trouxe Domitila, sua amante durante anos, para dentro de casa, como obrigou Leopoldina a aceitá-la como sua dama de companhia. O filme, inclusive, demoniza Domitila ao colocá-la como uma mulher sedutora que atraiu Pedro; até mesmo nas cores escolhidas para a amante e a filha — sombrias — contrastam com a clareza e delicadeza da imperatriz.

Obrigada a aceitar Domitila como sua dama de companhia, Leopoldina já tinha conhecimento de que a mulher era amante de Pedro. [Imagem: Divulgação/Buriti Filmes]

A presença (onipresente) de Leopoldina

A narração do longa é feita por Leopoldina, o que faz sentido a partir do momento em que Pedro começa a navegar pelas memórias da ex-esposa  — a voz similar entre a narradora e a imperatriz e, mais para o final do filme, o tom de sua narração, são as únicas coisas que denunciam sua presença. A fala de Leopoldina dificulta o reconhecimento do espectador, uma vez que ela a faz em francês, e sua identidade não é, em nenhum momento, claramente apresentada. Mesmo quando as lembranças do imperador emergem no tempo em que estavam casados, não há uma apresentação que facilite a compreensão de um espectador que não conheça muito bem os personagens da monarquia portuguesa no Brasil; o que é uma constante no longa. 

As traições recorrentes de Pedro são de conhecimento histórico, e, no filme, é possível notar como o desempenho sexual é algo importante para o imperador  —  em diálogo com seu médico, Pedro esbraveja: “como posso ganhar uma guerra de pau mole?”. Com isso, a culpa por todas as agressões físicas e morais contra a imperatriz, e o descontentamento por sua impotência se mesclam e dominam uma mente frágil e ambiciosa. Leopoldina, assim, é caracterizada como a causadora de seu desequilíbrio mental, tendo, inclusive, alucinações com a imagem da ex-esposa. 


A beleza admirável no confuso

Apesar da dificuldade de entendimento por parte dos espectadores que não dominam o conhecimento histórico da monarquia portuguesa no Brasil, além de muitos personagens falarem inglês ou francês, A Viagem de Pedro consegue encantar pela beleza das cenas, tanto as em alto mar, quanto as em terra firme. Filmado entre Salvador e Rio de Janeiro, os vislumbres do oceano encantam a vista, e é possível se perder dentro de um azul tão profundo. Além disso, a caracterização dos personagens sobressai muitas outras produções brasileiras da época, com figurinos inspirados e feitos em detalhes no visual do período. 

A escolha de não ser um filme histórico e didático acerta ao conseguir mostrar ao público um imperador diferente do que geralmente se vê: um homem com problemas e frágil. Nos 96 breves minutos de filme, várias versões de Pedro são apresentadas, das mais calmas, às mais agressivas, até as mais perturbadas. 

O filme está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima