Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br)
Nos tempos da escola, todos ouvem falar sobre alguns protocolos e acordos que são nomeados em homenagem às cidades em que foram assinados. Aquilo parece abstrato e muito longe da realidade palpável. No máximo, uma questão para o vestibular. Por vezes, o noticiário também menciona alguma resolução internacional ou uma conferência da ONU para discutir o clima. Olhando para o cotidiano, temas como esses parecem distantes. Mas não são. Principalmente quando a ameaça do Brasil sair do Acordo de Paris paira sobre o ano seguinte.
Esse cenário suscita a questão: por que os acordos internacionais em prol do meio ambiente são importantes? Observando superficialmente, é fácil concluir a falácia de que são inefetivos. No bom e velho português brasileiro, são “para inglês ver”. Essa visão, além de reducionista, é equivocada. Helena Margarido, doutora em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP), explica: “A importância desses acordos é colocar diretrizes para serem internalizadas pelos Estados, que serão adotadas conforme as possibilidades e interesses de cada um.” Os interesses nacionais são defendidos pelos diplomatas, que tomam decisões levando em consideração todas as limitações e potencialidades de seu país.
A preocupação com as mudanças climáticas e com os impactos ambientais não são pautas tão antigas. Em 1968, foi fundado o Clube de Roma, que reuniu diversos intelectuais a fim de discutirem temas importantes para a sociedade mundial ‒ incluindo, aí, o meio ambiente. O marco mais significativo, porém, foi a Conferência de Estocolmo, de 1972. Issa Berchin, bacharel em relações internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), enfatiza que a consequência geopolítica do evento foi forte, por se tratar de esforços não restritos às fronteiras físicas dos Estados. Na Conferência, também foi ressaltada a importância da educação ‒ essencial para mudar a mentalidade quanto à sustentabilidade.
De fato, o desenvolvimento acelerado ‒ principalmente das superpotências ‒ foi tudo, menos sustentável. A utilização de combustíveis fósseis, que implica em alta emissão de gases poluentes, foi motor para que indústrias crescessem. Se, de um lado, isso contribuiu para a ascensão econômica de determinados países; de outro, degradou o meio ambiente em esfera universal.
Em se tratando de um problema de proporções intercontinentais, todos os países são simultaneamente causadores e vítimas das mudanças climáticas e do aquecimento global, como o próprio nome denuncia. O professor de direito da Universidade Católica de Santos, Alcindo Fernandes, comenta que é preciso superar essa noção (limitada) de que o problema da poluição é proveniente apenas daqueles países considerados “de primeiro mundo”. Apontar os culpados tampouco ajudará na solução. “Tem que ser um esforço de todos os países do mundo.”
A Conferência de Estocolmo exerceu papel relevante no sentido de alertar a consciência dos líderes mundiais. Considerada o evento inaugural da agenda do meio ambiente, a congregação na capital da Suécia conseguiu cumprir seu principal objetivo, na medida em que diversas outras congregações com temas semelhantes surgiram. O Acordo de Paris de 2015 é, de certa forma, fruto das discussões que se iniciaram na década de 1970. “Hoje a questão da sustentabilidade e da gestão dos recursos naturais está tão intrínseca em diversas esferas que é impossível falar de qualquer assunto sem abordar de maneira essencial o desenvolvimento sustentável”, comenta Issa sobre o resultado satisfatório da Conferência.
Ao mencionar o âmbito internacional, a primeira instituição que costuma vir à mente é a Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar das duras críticas a sua atuação, é inegável sua influência enquanto um órgão supranacional, com capacidade de negociação entre os diversos países. Os acordos ‒ não apenas aqueles relacionados aos impactos ambientais ‒ nascem da vontade soberana dos Estados. “O papel da ONU é articular, coordenar e organizar essa vontade”, comenta Alcindo. Ele relembra que esse não é o papel exclusivo da organização, mas é bastante importante.
Mesmo se tratando de um assunto que atinge todos os países, os efeitos em cada um se reverberam de maneira diferente. Como de praxe, as condições econômicas de um Estado são determinantes. Países com menor nível de desenvolvimento podem ter maiores dificuldades em implementar mudanças. A redução da emissão de gases estufa, por exemplo, está diretamente relacionada à mudança de matriz energética. A queima de combustíveis fósseis, intrínseca às atividades industriais, e a agropecuária, setor de extrema relevância para o Brasil, são dois dos principais responsáveis por essa emissão. Logo, o cumprimento de determinadas resoluções dos acordos pode ser desafiador.
“Em um primeiro momento, pode haver um impacto negativo na economia, porque significa que o país vai ter que se adaptar a novas formas de produção”, comenta Helena. A longo prazo, no entanto, os efeitos são positivos, pois resultam em desenvolvimento sustentável e independência de combustíveis fósseis, que têm o preço bastante afetado pelos acontecimentos geopolíticos, podendo prejudicar os países em desenvolvimento.
Por abrangerem um grande número de signatários, é de se esperar que os acordos contemplem Estados com diferentes níveis de crescimento. Na conferência de 1972, foram citadas “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, o que significava que todos os signatários tinham compromisso com a resolução das metas, mas cada um faria sua parte de acordo com suas potencialidades. Atualmente, essa questão está sendo relativizada, explica Alcindo. Isso porque países considerados “em desenvolvimento” podem ser consideráveis emissores de gases estufa e devem, portanto, assumir uma responsabilidade conforme o impacto ambiental que causam, independente de suas condições econômicas.
A China é um grande exemplo nesse sentido. Mesmo com sua ascensão evidente, o país ainda não é colocado como “de primeiro mundo”. No entanto, seus níveis de poluição se comparam ao dos Estados Unidos e ao do continente europeu, por vezes, superando-os.
O Acordo de Paris, mais recente documento na agenda do meio ambiente, propõe medidas de financiamento para que os Estados signatários consigam implementar as políticas nacionais para atingir os objetivos. Para explicar melhor, Issa faz uma comparação entre os EUA e o Congo. Por serem países muitos diferentes, são necessários “recursos de compensação ambiental e fundos internacionais para adaptação e aumento de resiliências às mudanças climáticas.” No cenário de aquecimento global exacerbado, o gigante da América do Norte certamente seria mais resiliente ao aumento da temperatura, em contraposição ao país africano.
Com isso, uma questão recente é trazida à tona, também envolvendo a superpotência mundial. Recentemente, a decisão do presidente Trump de sair do Acordo de Paris abalou o noticiário internacional e a política norte-americana. “Os Estados Unidos, sendo o representante ideológico e geopolítico da civilização ocidental, têm um impacto muito forte na questão da imagem e do uso do discurso”, ressalta Issa.
Contudo, as consequências das ações da administração norte-americana tiveram um efeito inesperado. Previa-se um efeito manada: diversos países também decidiriam sair, devido à influência dos EUA, afetando a credibilidade do acordo. O que ocorreu foi o prejuízo à imagem estadunidense. Até mesmo alguns estados dentro do próprio país condenaram a ação e se comprometeram em continuar seguindo as resoluções do documento. O governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, disse: “Nova Iorque está empenhada em cumprir os padrões estabelecidos no Acordo de Paris, independente das ações irresponsáveis de Washington.” Esse cenário é possível em uma federação funcional, como é os EUA, em que cada unidade federativa tem considerável autonomia.
Não é possível exigir que um Estado assine um acordo e que implemente as ações apresentadas, como explica a doutora da USP. Os Estados têm soberania e esta não pode ser ferida por organismos internacionais. No entanto, é possível propor punições àqueles países signatários que desrespeitem as resoluções dos acordos. “Podem ser feitos embargos econômicos, aumento de tarifas ou até restrições político-diplomáticas, em casos mais extremos. Mas sem nunca infringir a soberania de um Estado”, explica Issa.
O caso brasileiro
Ainda em período de campanha eleitoral, Jair Bolsonaro disse que poderia retirar o Brasil do Acordo de Paris. A fala é compreensível, principalmente considerando que o presidente eleito nutre certa admiração pelo líder norte-americano Donald Trump. No entanto, as condições dos dois países são extremamente diferentes. E essas diferenças não devem ser desconsideradas.
Os Estados Unidos, devido ao seu amplo poder militar, possui maior influência nas negociações ao redor do mundo. Assim, mesmo tendo prejudicado a sua imagem perante à comunidade internacional, o país continua no seu posto de potência. O caso brasileiro é diferente. Como explica Helena, “se o Brasil sai de um acordo ambiental, ele pode prejudicar relações que afetam outros tipos de acordo, como os comerciais.” Há uma quebra de confiança inegável, que pode ser profundamente maléfica ao desenvolvimento econômico.
Além disso, o potencial ambiental do Brasil é consideravelmente maior do que o dos Estados Unidos. Um nome pode explicar por quê: Amazônia. A maior floresta tropical do mundo tem a maior parte de sua área em território brasileiro, atribuindo tanto benefícios como responsabilidades ao país. Em acordos envolvendo o meio ambiente, o Brasil tem voz mais ativa, o que não necessariamente ocorre em outros âmbitos. É dever do Estado, portanto, garantir que os interesses nacionais sejam defendidos, assim como contribuir para a redução dos impactos ambientais. Negar a importante atuação brasileira ao retirar o país do Acordo de Paris é como negar uma de nossas maiores riquezas. Certamente, não caracteriza o nacionalismo proposto pelo futuro presidente.
O Brasil foi sede de importantes conferências internacionais, que antecederam o acordo de 2015. A Eco-92 e a Rio+20 foram importantes eventos no território, que confirmaram ainda mais a relevância do país em questões ambientais. A implementação das resoluções, no entanto, passa por diversos desafios nas terras tupiniquins. “Nossa legislação é bem rígida. O que falta é o law enforcement, que é fazer cumprir a lei. Esbarramos em diversas esferas, como o Ministério da Agricultura e a corrupção”, comenta Issa.
Por ser uma atividade de extrema importância para a economia brasileira, a agropecuária acaba dividindo espaço com as pautas de meio ambiente. A bancada “do boi” compete com os ambientalistas, principalmente na questão de demarcação de terras indígenas e na flexibilização de leis.
Helena relembra que o Brasil se comprometeu com uma redução drástica no desmatamento ilegal da Amazônia, que já perdeu quatro mil quilômetros quadrados, segundo o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). No entanto, as decisões tomadas pelos governantes parecem caminhar em direção contrária a essa. A fusão dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, considerada por Bolsonaro, traria consequências graves para ambos os setores, por se tratar de um enorme conflito de interesses.
Os acordos internacionais exercem papel essencial, principalmente aqueles em prol do meio ambiente. Apesar da impressão equivocada passada pela escola, eles não são apenas documentos com nomes de cidades. São passos importantes dentro do contexto globalizado, que exige a cooperação internacional para resolução dos problemas. Como ressalta Alcindo, “nós não vamos resolver nenhum problema ambiental grave do mundo a partir da ação isolada dos Estados. Os problemas serão, por excelência, internacionais.”
É preciso o envolvimento de múltiplas esferas para que os resultados possam ser satisfatórios. Não apenas os Estados, mas os organismos internacionais, as ONGs, o setor privado, a comunidade científica e a sociedade global devem contribuir. Afinal, todos têm um mesmo planeta para chamar de casa. E esse planeta grita por socorro.