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Enquanto a água não vem

Por Gabriel Margato Marques (gmm.gabrielmm@gmail.com) A estação chuvosa do ano chegou mais uma vez. Surge uma nova esperança para milhares de pessoas que olham para o céu, perguntando se as chuvas deste ano serão suficientes para resolver o problema da crise hídrica, que já os afeta há mais de um ano e meio. Com as …

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Por Gabriel Margato Marques (gmm.gabrielmm@gmail.com)

A estação chuvosa do ano chegou mais uma vez. Surge uma nova esperança para milhares de pessoas que olham para o céu, perguntando se as chuvas deste ano serão suficientes para resolver o problema da crise hídrica, que já os afeta há mais de um ano e meio. Com as represas secas novamente, a expectativa é grande, uma vez que outro ano sem água pioraria a situação de muitas famílias.

O Sistema Cantareira, que hoje em dia abastece pouco menos de 6 milhões de pessoas na Grande São Paulo, já deixou de fornecer água para mais de 3 milhões de pessoas, sendo substituído em algumas regiões pelos Sistemas Guarapiranga ou Alto Tietê. Este último também segue no limite, com cerca de 15% de sua capacidade disponível. Mas nada se compara ao Cantareira, que depende das reservas técnicas desde meados do ano passado e ainda não conseguiu sair do chamado “volume morto”.

Com o começo da crise hídrica, a água começou a secar nas torneiras de milhares de pessoas da Região Metropolitana de São Paulo. Em fevereiro de 2014, quando tudo começou, moradores da periferia relatavam que não havia água em suas torneiras, principalmente no período da noite e da madrugada. Assim seguiu até o período das eleições, com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) negando haver raciocínio de água na capital paulista.

Durante o período eleitoral, a Sabesp não pôde fornecer informações a respeito dos mananciais por ser uma empresa gerenciada pelo governo estadual, apesar de ter parte do seu capital aberto, com a venda de ações nas bolsas de valores de São Paulo e de Nova York. Após as eleições, a falta de água se tornou cada vez mais frequente nas torneiras dos paulistanos.

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É cada vez mais comum encontrar duas caixas d’água nas casas da periferia. (Foto: Gabriel Margato Marques/Jornalismo Júnior)

Só em janeiro de 2015 se admitiu oficialmente que havia regiões na cidade de São Paulo que passavam várias horas por dia sem água. Além disso, foi divulgada uma lista com os lugares e os horários nos quais a Sabesp reduz a pressão na tubulação. A empresa admitiu que provoca uma despressurização dos canos da empresa nos períodos em que ocorre uma menor demanda por água.

Segundo a companhia, a redução de pressão nas tubulações é fundamental para a diminuição do desperdício, principalmente no caminho entre os centros de distribuição e as residências. Além disso, a Sabesp afirma que é uma medida que evita o sistema de rodízio e permite o fornecimento diário de água à população, mesmo que, ao longo da semana, o tempo em que a água é oferecida em alguns bairros é menor em relação a outras regiões que adotam o sistema de revezamento.

A cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, tem rodízio em seu fornecimento de água há mais de um ano e meio. A cidade compra grande parte da água distribuída em seu município da própria Sabesp. A empresa responsável pela fornecimento local de água, a SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), recebe menos água da companhia e, desde março de 2014, sofre racionamento de água. Na maior parte das casas, a água só vem a cada dois dias para os moradores.

Em meio à crise, três moradores do bairro do Jaçanã, na divisa da capital paulista com a cidade de Guarulhos, tentam adaptar sua rotina à falta de água em suas torneiras. Neste bairro da zona norte paulistana, a água somente aparece pela manhã, chegando um pouco antes das seis horas e desaparece perto do meio-dia. Às vezes, dura até um pouco mais tarde, mas já houve casos em que a água não voltou no dia seguinte e, sem nenhum aviso prévio, os moradores tiveram que passar mais 24 horas sem água nos canos.

Dona Maria é aposentada e tem 79 anos. Mora no bairro desde 1950. “No começo, quando eu mudei para cá, não tinha água toda hora. Então, a gente furou um poço no quintal”, comenta ela. Com o passar dos anos, o serviço de água se tornou constante e o poço foi gradualmente abandonado e esquecido, até o momento em que foi aterrado, em meados dos anos 1980.

A caixa d’água da sua casa costuma dar conta das necessidades dela e de seu marido Paulo, porém o casal já passou alguns dias sem poder tomar banho quando a água não voltou. Na sua cozinha, que é atendida apenas pela água que vem da rua, agora existe um tonel cheio de água, que fica entre a pia e o fogão. A água que chega pela manhã é suficiente para fazer o almoço, mas nem sempre sobra para lavar a louça. Por isso, o tonel se tornou indispensável.

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Dona Maria utilizando a água do tonel para lavar a louça. (Foto: Gabriel Margato Marques/Jornalismo Júnior)

De resto, Maria mantém sua rotina normalmente, mas não consegue diminuir a média de consumo de água na sua casa. Após o último AVC de seu marido, Paulo ficou com os movimentos comprometidos e não tem a agilidade de antes para as ações cotidianas. Assim, eles não conseguem atingir a média antiga nem reduzir sua conta para o que espera a Sabesp e, todos os meses, o casal de idosos paga multa em sua conta de água, comprometendo a aposentadoria dos dois.

Perto da casa eles, mora Dona Cida, que é diarista no Jaçanã. Trabalha de segunda a sexta-feira por diversas casas da vizinhança para conseguir o seu sustento. Mas ela não alterou muito sua rotina com a falta d’água. A principal diferença é a máquina de lavar roupas. Em sua casa, ela começou a juntar essa água já utilizada para limpar o chão de seu quintal quando necessário. Além disso, diminuiu a quantidade de vezes que utiliza o eletrodoméstico, de três vezes por semana para apenas uma.

Cida relata que inúmeras vezes suas patroas pediram para ela tentar diminuir o consumo de água durante as faxinas nas casas onde trabalha. Cida garante que faz o possível, mas que não consegue fazer uma boa limpeza se preocupando com a água que está sendo gasta. Ela substituiu a mangueira por uma vassoura e panos úmidos em alguns cômodos das casas, mas, mesmo assim, deixa a torneira aberta em algumas situações, e a água limpa escorre direto para o ralo.

Outro profissional da vizinhança é Marcos. Ele trabalha como cabeleireiro em um salão montado na sala de estar de sua casa. O empreendimento começou há três anos e está crescendo aos poucos. Agora, conta até com uma manicure em seu estabelecimento.

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O salão de cabeleireiro de Marcos, em meio às casas do Jaçanã. (Foto: Gabriel Margato Marques/Jornalismo Júnior)

Com o começo da falta d’água, ele não teve que alterar o seu negócio, uma vez que já tinha duas caixas d’água para ajudar o salão. O único item que ele teve de comprar foi um pressurizador, porque a água da caixa não tem pressão suficiente para lavar os cabelos dos fregueses. Por isso, todas as tardes, ele fecha o registro da rua para conseguir terminar o seu expediente.

Por outro lado, Marcos negou ter reduzido o consumo de água. Ele disse que não é o responsável pela falta d’água, por isso, não vai ficar cortando os seus gastos. O consumo dele está dentro da média e, por enquanto, não paga multa com o funcionamento do seu salão. A falta de responsabilidade dos governantes, de acordo com ele, que não geriram os recursos adequadamente para dar água à população. Por isso, ele garante que não vai fazer cortes malucos nos seus gastos. “E eu sou obrigado a me adaptar por causa desse governo corrupto? Ah, para!”, afirma ele.

Marcos não acredita em um futuro melhor e, para ele, “a tendência é só piorar”. Mas a verdade é que a vida segue normalmente e cada um dá o seu jeito. Seja com duas caixas d’água, seja estocando, seja reutilizando, todos tiveram de se adaptar à rotina e esperar que as autoridades responsáveis administrem melhor a água para não passar mais um ano na seca.

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