Por Lucas Almeida (almeidalucas1206@gmail.com)
De acordo com dados de 2014, da Prefeitura de São Paulo, há 14,08 metros quadrados totais de áreas verdes públicas por habitante na cidade. O índice é menor do que o recomendado pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, de 15 metros quadrados.
Além disso, há outro problema: a distribuição dessas áreas é extremamente heterogênea. Apenas o distrito de Parelheiros mantém 49,64% do total de áreas verdes da cidade, por conta de parques estaduais como o da Serra do Mar. Quando não computamos esses parques, encontramos um índice de 2,6 metros quadrados por habitante em São Paulo. Assim, por mais que tenham importância — sobretudo na preservação dos mananciais e na produção de água na região —, há grandes áreas verdes que não são acessíveis à população. Segundo a pesquisadora Luciana Schwandner, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a importância da árvore em microescalas, como a da cidade, está “embaixo da copa da árvore”: “Você precisa de vegetação onde tem o usuário, na calçada, sombreando a cabeça do sujeito que está ali”, ela diz.
“Isso torna o desafio muito mais complexo”, continua Luciana. “Isso porque, aí, você faz a árvore disputar espaço com o edifício — e, normalmente, a árvore perde, pois o solo é um recurso escasso e caro. Ninguém quer ‘gastar’ o solo plantando árvore; por isso, a gente tem que divulgar melhor quais são os benefícios da vegetação dentro da cidade (não só no cinturão). A gente tem que ter vegetação no meio da cidade, para fazer um balanço melhor entre área verde e área construída, ou começaremos a ter um clima quase desértico.”
E quais são os benefícios?
O engenheiro ambiental e doutorando em Patologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Luís Fernando Amato Lourenço, descreve os benefícios como multifatoriais. O primeiro deles é a diminuição da poluição do ar, ocorrida por conta das árvores, que funcionam como um filtro de material particulado — composto de partículas que podem chegar ao pulmão e trazer uma série de malefícios para a saúde. A vegetação também serve como barreira para o som: “Algumas frequências de ruídos diminuem em áreas mais arborizadas”, diz Luís. Estudos já mostram que a exposição a esses ruídos é uma das causas de sintomas relacionados ao stress; outros artigos relacionam as áreas verdes à melhora na qualidade de vida e da saúde psicológica.
Outro efeito analisado em relação à saúde humana é melhora do índice de obesidade e de sedentarismo. Luís afirmou que “as pessoas praticam mais atividades físicas do que em espaços onde os índices de áreas concretadas são maiores”.
Quanto à saúde ambiental, a pesquisadora Luciana Schwandner falou de outros dois efeitos causados pela vegetação: a diminuição da temperatura e o aumento da umidade do ar. “Quando bate sol, a vegetação absorve parte desse calor para fazer fotossíntese, então não esquenta tanto o local à sua volta”, ela diz. “E, quando a vegetação esquenta, ela evapora água — então ela também ajuda a umidificar o ar. Mas esses são processos, que acontecem localmente, por isso precisamos da vegetação na cidade inteira.”
Além disso, as áreas verdes contêm caráter social. “A agricultura urbana tem vários estudos mostrando benefícios em relação à integração social. O indivíduo poder ter o contato direto com a terra, conhecer outras pessoas. Isso surgiu de forma bem forte aqui em São Paulo, nos últimos quatro anos, por conta da horta das corujas”, diz Luís Fernando.
Em várias partes do mundo, são estudados novos efeitos que a vivência próxima de áreas verdes pode provocar, como a longevidade de idosos, a redução da taxa de mortalidade não acidental e a melhora no desenvolvimento cognitivo de crianças. Os reflexos também têm impacto na economia: “Em várias regiões do mundo, incluindo São Paulo, as áreas arborizadas são mais valorizadas na questão imobiliária, — além dos quesitos econômicos indiretos. Isso porque todos os benefícios de que estamos falando, como a saúde e o aumento da qualidade de vida, refletem um valor indireto, que é difícil de ser calculado”, afirma Luís.
E a população?
“Muitos acham que as árvores sujam a cidade, entopem calhas, cobrem fachadas de lojas e isso é trágico. A gente precisa das árvores também como abrigo de fauna”, afirma Claudia Visoni, jornalista e conselheira do Conselho de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz da Subprefeitura de Pinheiros.
Ainda não fazem parte do consciente da população paulistana os benefícios que a vegetação traz para o ser humano. “Nós temos um histórico de 500 anos de perseguição e genocídio às únicas populações que sabem conviver com a vegetação nativa brasileira, que são os indígenas. A gente teve muito deslocamento de população, colonização feita ou por europeus ou por africanos escravizados — pessoas que vêm de outros biomas. E isso pra mim tem muito a ver com o ódio que o brasileiro tem da mata”, diz a jornalista. “A mata no Brasil é um grande desconhecido para essas populações que vêm de fora, tanto que a gente confunde o desenvolver com o desmatar. Existe até o verbo ‘desbravar’, que significa dar uso econômico a uma área de vegetação nativa. Essa mentalidade ainda está em curso. A gente continua desmatando o centro-oeste e a Amazônia, com consequências que serão trágicas. Precisamos de uma mudança cultural urgente.”
Claudia também fala da história em relação aos modelos de desenvolvimento e à desigualdade social brasileira. “Desde a primeira conferência mundial de meio ambiente em Estocolmo, em 1972, o Brasil se colocou priorizando o desenvolvimento, em vez da proteção ambiental”, continua. “Isso é outra falácia paradigmática, porque quem mais usufrui dos serviços ambientais da natureza, que são gratuitos, são as populações carentes. Em cada quilômetro de rio limpo nesse país, a gente tem uma pessoa pescando para colocar comida na mesa da família. Quando a gente destrói biomas, a gente torna os pobres mais fragilizados ainda. Então, a gente precisa evoluir e combinar as demandas ambientais e as sociais.”
Luciana Schwandner afirma que a importância das áreas verdes acaba ficando em uma forma virtual no imaginário das pessoas. Para que isso mude, é necessária a aplicação de políticas públicas que promovam transformações palpáveis. Isso começa a ficar mais definido em São Paulo por questões definidas no novo Plano Diretor Estratégico e nos próximos planos a se concretizarem, como o Plano Municipal da Mata Atlântica e no Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (SAPAVEL).
Problemas como a crise hídrica também podem ser um ponto de virada na importância que é dada para as áreas verdes: “Desde os anos 70, depois da crise do petróleo, a questão ambiental começa a entrar mais na discussão cotidiana. Aqui em São Paulo, isso pode acontecer por causa da crise hídrica. Quando isso aparece no cotidiano, a sensibilidade da população pode fazer as pessoas tomarem atitudes”, diz.
Uma questão social
O artigo “Metrópoles, cobertura vegetal, áreas verdes e saúde”, publicado em 2016 na Revista Estudos Avançados, comparou o índice de vulnerabilidade social de cada área da cidade e o mapeamento de sua cobertura arbórea. Cruzando os dados, foi possível notar uma relação. Em muitos casos, as áreas mais vulneráveis têm menores índices de arborização, como em grande parte da zona leste. O mesmo não se aplica ao extremo norte e ao extremo sul da cidade — onde ficam a Cantareira e a região de Parelheiros e Marsilac —, por conta dos parques estaduais.
Alguns bairros paulistanos considerados nobres, como o Jardim América ou City Lapa, foram planejados levando-se em conta o desenho da calçada e a sua arborização. Por outro lado, muitos outros bairros da cidade, que não receberam o mesmo cuidado, têm a calçada estreita, sem espaço adequado para a vegetação. Isso acontece não só com bairros não planejados, mas também com as áreas mais centrais ou regiões mais antigas de São Paulo.
Desafios para as novas gestões
São diversos os desafios que devem ser enfrentados daqui para frente para São Paulo ter a quantidade adequada de áreas verdes. O primeiro deles, listado por Luciana Schwandner, é o condensamento da cidade. “A gente sabe que precisa adensar Não faz sentido a cidade se espalhar horizontalmente e começar a invadir a Cantareira, começar a invadir área de manancial, então até para a otimização dos recursos urbanos e da infraestrutura urbana a gente precisa concentrar e é isso que o plano diretor busca fazer”, afirma.
A pesquisadora diz que, para isso, talvez seja necessário demolir algumas construções e criar espaços para a vegetação. Soluções como jardins em topos de prédios podem ser interessantes para quem convive nos edifícios próximos, mas não é eficiente para os pedestres, que estão nas calçadas.
Além disso, há poucos espaços vazios não construídos, como terrenos baldios, então é necessário explorar os pequenos lugares disponíveis — entre eles, os canteiros centrais de grandes avenidas e até mesmo praças, que muitas vezes não são bem cuidadas.
É importante lembrar que existem árvores específicas para determinados locais e que necessitam de diferentes cuidados; nesse sentido, as espécies a serem plantadas devem ser estudadas e escolhidas por especialistas.
No entanto, a solução não é apenas encontrar esses locais e plantar de forma correta. A conservação dessa vegetação é um grande problema na cidade. “A manutenção de árvores é feita em parte pela Eletropaulo”, diz Luís Fernando. ”Por causa disso, os cortes são muito inadequados, porque são feitos não para a saúde da árvore, mas para acomodar a fiação de energia elétrica. Já existe o problema de a raiz da árvore ser curta, por conta da impermeabilização do solo; por conta desses cortes, as árvores crescem de forma torta e desigual.” Esse é um dos motivos que justificam a grande quantidade de árvores que caem quando chove em São Paulo.
Além desses requisitos, é necessário trazer a população para os espaços com vegetação. Existem parques — como o Parque Vila dos Remédios, na região oeste de São Paulo — que são pouco frequentados, enquanto temos exemplos como o Parque Villa-Lobos e o Parque do Ibirapuera, que hoje recebem um grande número de pessoas. É preciso também criar políticas públicas para que esses parques sejam espaços democráticos, sem divisão entre grupos e classe sociais.
Para que isso aconteça, é necessário um planejamento que pense na população, além de incluí-la nas discussões. Luciana Schwandner foi coordenadora de Projetos e Obras da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e contou as dificuldades da gestão na prática: “É muito difícil implementar áreas com vegetação. Qualquer grande obra tem toda a questão da licitação e os problemas que a lei de licitação traz, até questões de dificuldade de intervenção em um território. Uma coisa é você achar o que é ideal para aquele bairro e outra é o que aquele bairro acha que é ideal para ele.”