Giovanna Querido
Passamos direto pelo estádio do Morumbi. Quem sabe um dia. Por enquanto, o jogo da categoria de base é no quarteirão do lado. Há seis anos, sou identificado por esse codinome, jogador da base. Só que no futebol, “base” parece não ser sinônimos de princípio, alicerce.
Foi na festa de aniversário de 7 anos do meu amigo. Enquanto brincava de futebol, o técnico de futsal da Portuguesa observava. Dessa aleatoriedade, surgiu a minha primeira peneira. Mudei muito de time, desde então, meu pai acreditava que em algum lugar existiria o interesse de ensinar. Ainda não o achamos.
O objetivo, nas quadras e campos, desse futebol que não tem nada de princípio, sempre foi e infelizmente sempre será, ganhar. Não importa se o campeonato for federado ou não, a máxima reinante é ganhar e ganhar e ganhar. Claro, você pode me falar que isso é normal, está intrínseco ao ser humano. Ninguém jamais quer perder. Concordo. Só me questiono quando terei uma formação como jogador e isso existe. Na escola, entre cochilos, conversas sobre a nova demo do Fifa 17, tem alguém tentando me ensinar, indiscutivelmente se bem ou mal. Ou não, no fundo, talvez, também seja ganhar esse campeonato chamado vestibular.
Mas é claro, temos a famigerada figura do treinador. Treinador que é funcionário de um clube e se não ganhar (novamente esse verbo) corre o risco de ser demitido. Aliás, como sempre acontece. É nesse ponto que é a criança de sete anos vira adulto. Perde o nome, ganha número e função, dividido entre titular e reserva. Treino todos os dias da semana, jogos no sábado e no domingo. Ouvindo frases, como: “vai para a academia”; “bolacha de novo?” ; “toma esse suplemento”; “nossa você viu aquele menino, já tá recebendo salário”. Realmente, esqueci que o futebol é apenas para gente burra, não precisa aprender nada, né? Foi ingênuo da minha parte, desculpa.
Nesse quarteirão do lado, o campo, dessa vez é gramado. Raridade, nessas andanças pseudo-várzeas de uma burguesia que sonha em ser jogador de futebol. Classe média com sonho de ser jogador. Temo que esse sonho torne-se exclusividade daqueles que podem comprar o último modelo de chuteira da Nike.
Mensagem no grupo do Facebook. O técnico escreve em caixa alta. Mais uma vaquinha para arrecadar dinheiro. Cada jogo como mandante da Federação Paulista de Futebol, custa em média 1000 reais, valor gasto com o aluguel de ambulância, pagamento do árbitro, do massagista … Será que o time do seu bairro, aquele que você conseguiu conciliar com a escola e entrar, pois não envolvia ficar mais de um mês em processo de seleção e ter que cruzar a cidade para chegar no treino, ainda vai existir?
O jogo de hoje é contra os Pequeninos do Jóquei. Nas paredes que rodeiam o oasis futebolístico de resistência a especulação imobiliária morumbiana, clichês futebolísticos. “Transformando crianças em heróis” . Zé Roberto e Júlio Baptista jogaram nesse gramado. Em plena rua residencial, há mais de 45 anos, o clube tem aquele ar de churras com pelada dos amigos. Pena que é só a atmosfera. Por trás, não passa de mais uma competição.
Olho para o celular, são 15h e esse já é o meu segundo jogo do dia. Hora de ir no vestiário se trocar. Acho que todo técnico tem um pouco de ator. A mesma fala da outra partida. “Hoje o jogo é importante. Da o sangue dentro de campo”. A galera grita, o técnico pede silêncio – “Vamu lá time! Mostra pra eles quem nóis é!” Saímos encenando a euforia.
Não há banco mais duro que o de reservas. O banco que grita no seu inconsciente, o quanto você não bom para estar em campo. O tempo todo. Sim, isso é o futebol, o esporte coletivo mais individualista. Sentado, penso quando terei a minha chance, como fazer a diferença no jogo e na lição de matemática, ainda por fazer na escrivaninha. Quando vou ouvir os versos do Emicida.
”Meu treinador é Deus
Me escalou pra jogar
Olhou pro banco e disse
Zica, vai lá
Cumprimentei os meus
Me benzi pra atacar
Lembrei da frase ali
Zica, vai lá”
Entrei. Lateral direito, na teoria o responsável por ligar a defesa ao meio de campo. Para o técnico, resumido em:“marca o 17”. O 17 que só era uns 40 cm mais alto.
Enquanto jogo, ouço ruídos. São ecos dos berros e palpites da família, do parente distante, dos amigo, dos curiosos .Todos são técnicos. “Aê juiz! Ó a marcação. Ladrão! Ladrão! No pé, caralho. Chuta! Chuta! Passa o primeiro pau e bate.”
O jogo dessa vez acabou com um empate. No próximo temos que …
*conurbação de pensamentos do que imagino passar na cabeça do meu irmão, jogador de futebol do sub-13, e do que eu vivi nesses 06 anos sentada na Arquibancada.