[Desenrola]
Não é difícil enxergar que os adolescentes são, paradoxalmente, o público mais assíduo e infiel da indústria cultural. Em nossa sociedade, ser adolescente é ter de digerir milhares de imagens produzidas só para você. Criam-se modelos padronizados do jovem perfeito. O problema é que alguns tipos são ligados ao sucesso e à felicidade e outros não. No fim, quase tudo busca mexer com as sensações de pertencimento e adequação.
Estas considerações sempre norteiam o julgamento que faço de qualquer filme, música ou livro que tenham como tema este período turbulento da vida. Posto isso, passemos a “Desenrola”. O filme insere-se nesta nova safra de lançamentos brasileiros que, contrariando a bíblia do Cinema Novo, não possuem nenhum engajamento político-social. É, inclusive, um filme focado na realidade de jovens de classe média.
Como todas as produções do gênero, “Desenrola” não assume a perspectiva do personagem perfeitamente adequado. É importante lembrar que é sempre a perspectiva do deslocado a que costuma atrair o público. Nisso, “Desenrola” não se diferencia. Tampouco se diferencia no seu eixo temático principal, que é a perda da virgindade.
Talvez seu diferencial gritante não seja um mérito dos realizadores, mas sim da realidade que o origina: o filme é nacional. Ou seja, a identificação com o público é mais espontânea do que naquelas milhares de produções “high school” norte-americanas.
De qualquer forma, o filme tem algumas qualidades. Além de funcionar como comédia, capta bem a essência de alguns aspectos da vida de jovens de classe média: a amizade profunda, a fofoca mentirosa que se espalha, a sexualidade um pouco ingênua, a gravidez precoce…
Mas o filme tem vários defeitos: é recheado de clichês e possui trilha sonora irregular. E, se é bem-sucedido no retrato de alguns aspectos, várias outros carecem de verossimilhança. Fica claro que a linguagem utilizada e as situações criadas têm mais a ver com adolescentes que estampam “outdoors” e fazem propagandas de refrigerante (obrigado Engenheiros do Hawaii) do que com aqueles de carne e osso.
É fato que quase todas as produções do tema incorrem neste erro e acabam se tornando uma grande idolatria nostálgica a este período da vida, como se não houvesse tanta crueldade nele também. Sempre gostei da rara sabedoria presente no lugar-comum que diz que “ninguém merece ser adolescente”.
Por fim, não há como não lembrar de “As Melhores Coisas do Mundo”. Os dois filmes possuem diversas situações análogas. Mas o filme de Laís Bodansky é infinitamente melhor. E isso, inevitavelmente, diminui “Desenrola”. Enfim, “Desenrola”, apesar dos bons momentos, possui mais erros do que acertos. É instável e irregular. Até nisso, ainda adolescente demais.
Por João Saran