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Arte, uma criação interdependente

O uso de referências de obras anteriores na criação artística a torna muito mais complexa e interessante Por Luiza Fernandes (luizafc00@gmail.com) “Os escritores mortos estão distantes de nós porque conhecemos muito mais do que eles conheceram”. A fala é de T.S. Eliot, estudioso inglês e vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1948. De acordo …

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O uso de referências de obras anteriores na criação artística a torna muito mais complexa e interessante

Por Luiza Fernandes (luizafc00@gmail.com)

“Os escritores mortos estão distantes de nós porque conhecemos muito mais do que eles conheceram”. A fala é de T.S. Eliot, estudioso inglês e vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1948. De acordo os argumentos expostos em seu livro Ensaio, nenhum artista tem significação completa sozinho. É preciso situá-los no tempo para contraste e comparação com outros artistas, pois o momento presente sempre constitui uma consciência do passado.

Exposição de arte
Nenhuma obra de arte, qualquer que seja, existe sem se inspirar em algo já existente. Foto: Divulgação

Assim, pode-se dizer que, mesmo que tenha sentido individualmente, nenhuma obra é completamente independente. Esse pensamento abre margem para o pensamento de que, no estágio em que nos encontramos, não há mais criação genuína na arte, mas sim apropriações e releituras de elementos anteriores. Essa ideia torna-se ainda mais complexa quando transpassa os diversos meios artísticos – como se vê por exemplo em performaces do texto A Voz Humana, de Jean Cocteau, que foi interpretado como ópera, de autoria de Francis Poulenc.

Com o surgimento do cinema, essa mistura ficou ainda mais complexa e interessante. Uma recente adaptação que chamou a atenção tanto do grande público quanto dos críticos foi o filme Cisne Negro, que gira em torno da peça de ballet Lago do Cisnes e que, por sua vez, se inspirou em um conto russo chamado O Cisne Branco.

Do conto para o Ballet

Para que fosse feita a transposição do conto em dança, ainda no século XIX, foi necessária a produção de novos elementos artísticos, sendo os principais a coreografia e a música. Sua primeira leitura foi rejeitada por críticas à coreografia e ao fraco desempenho da protagonista escolhida. Assim, novas adaptações foram feitas e a peça se estabeleceu com a montagem do príncipe Ivan Alexandrovich.

O Lago dos Cisnes
Encenação de "O Lago dos Cisnes", uma das mais populares composições para o ballet. Foto: Guia UOL

Já a composição musical, assinada por Piotr Ilitch Tchaikovsky, se consagrou desde o início, tornado-se a marca de Lago dos Cisnes, que, desde então, tornou-se um dos mais populares ballets do repertório clássico. Para Silvio Viegas, maestro da OSTM, “a partitura de O Lago dos Cisnes é uma aula de orquestração, um transbordar de melodias inspiradas com uma capacidade de síntese dramática nunca antes vista na História do Ballet. Uma obra que exige excepcional técnica e virtuosismo por parte da Orquestra, como conjunto ou nas partes solistas, com grande destaque para o violino, agraciado com alguns dos mais belos solos da literatura sinfônica. Música de pura emoção, de incrível beleza e que só poderia sair da pena de um compositor inspirado e genial como Tchaikovsky”

Do ballet para o cinema

“Filmes são sonhos, filmes são música. Nenhuma arte passa a nossa consciência na forma como o filme passa, e vai diretamente para os nossos sentimentos, no fundo escuro salas de nossas almas” Ingmar Bergman

Para ganhar vida no cinema, mais elementos foram aglutinados; foi criada uma história por trás do ballet, as técnicas cinematográficas e a presença da câmera influenciaram diretamente no processo de criação do filme. Dirigido por Darren Aronofsky, Cisne Negro se ambienta em torno de Nina Sayers, interpretada por Natalie Portman, que busca ser a nova protagonista do espetáculo Lago do Cisnes. O longa-metragem tem como foco a preparação da bailarina para desempenhar o papel principal, o que prepara o terreno para o clímax do filme: a performace de Lago dos Cisnes. É interessante notar que o nó do enredo parte de elementos que foram disruptores na época em que o ballet foi montado: os papéis de Odette (II e IV atos), cisne branco, e de Odile (III ato), cisne negro, são dançados por uma só bailarina, o que Nina busca fazer com perfeição.

O antigo que origina o novo

Assim como em Lago dos Cisnes, Cisne Negro tem uma ligação direta com a música de Tchaikovsky. A exceção das partes em que o ballet aparece na câmera, as músicas que compõe o filme foram criadas por Clint Mansell. Entretanto, o músico fez o trabalho em cima de bases tradicionais do compositor russo – como o uso harmonias muito vivas, com destaque para os violinos. Isso faz com que o que se escute no longa-metragem fique em consonância com o que se ouve no ballet de 1875. “A ideia fundamental era escrever toda a trilha sonora a partir de elementos do balé de Tchaikovsky. Quer dizer, teríamos de mexer muito, mas foi apenas um ponto de partida.”, disse ele em entrevista. Assim, para que a trilha sonora também ficasse de acordo com o momento encenado no filme (com a história de Nina, que vai além do ballet), técnicas que fogem do estilo de Tchaikovsky –  como a repetição de notas, que ajudam a ambientar o suspense – fizeram com que a adaptação tomasse formato um formato próprio, diferente do original.

Cisne Negro
Cena do filme "Cisne Negro", que se inspira no clássico "O Lago dos Cisnes". Foto: divulgação

É possível classificar o que é novo e o que é cópia?

Apesar do trabalho, elogiado por muitos críticos e também pelo grande público, Clint Mansell foi impedido de participar de premiações de trilhas sonoras originais, como no Oscar 2010, por ter tido como inspiração a produção de Tchaikovsky. O fato abre a discussão para quanto pode ser falar sobre a autenticidade completa de uma produção e para o que se fala na teoria e o que se vê na prática: porque músico foi excluído, se nenhum artista tem significação completa sozinho? Se não existe produção artística que não dialogue com outras passadas?

Eduardo Seincman, professor dos departamentos de Comunicações e Artes e de Música, comenta sobre a problemática. “Não, não existe produção alguma ‘nova’ que não seja cópia de algo que já existiu, embora muitas vezes certas vertentes artísticas queiram inventar o absolutamente novo. Uma coisa é plágio, a outra é citação. Se o trabalho dele [Clint Mansell] deu resultado, qual é o problema de adaptar a música ao filme? No mínimo, ele está divulgando a música do Tchaikovsky. Uma besteira ele estar fora das premiações.” O professor vai além e faz da questão uma ontologia, interligando ramos distintos do conhecimento em suas aulas. Um exemplo que usa coloca a música e a psicanálise em uma relação direta. “Ao obra de Freud, por exemplo, é intensamente Mahleriana [refere-se a Gustav Mahler, maestro que viveu na mesma época que o psicanalista]”. Para ele, é impossível não fazer ligações entre as obras dos dois, mesmo que uma estejam em patamares tão diferenciados. Compreender o legado de um, inclusive, ajudaria bastante a entender o do outro.

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