* Capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em março de 2021 o presidente Jair Bolsonaro assinou a medida que instituiu o novo auxílio emergencial, em decorrência do agravamento da pandemia de Covid-19. O valor de R$ 44 bilhões, aprovado como limite orçamentário pela Emenda Constitucional 109/2021, deve ser repassado para cerca de 40 milhões de famílias em quatro parcelas, pagas de abril a julho.
O valor de cada parcela do auxílio varia de acordo com o perfil do beneficiário. Pessoas que moram sozinhas têm direito ao valor mensal de R$ 150, enquanto famílias não chefiadas por mulheres vão receber R$ 250. Já as mães solo têm direito a parcelas de R$ 375.
Os cidadãos que já eram beneficiários em dezembro do ano passado ainda têm direito ao auxílio emergencial 2021. Na extensão do programa, foram mantidos os critérios definidos pela Medida Provisória 1000/2020 — são contemplados os trabalhadores autônomos que recebem até meio salário mínimo por pessoa da família (R$ 550) e até três salários mínimos por família (R$ 3,3 mil). Os requisitos serão aplicados de forma conjunta e apenas um membro da família poderá receber o pagamento.
Pessoas que participam de algum programa financeiro do governo — como aposentadoria, pensão e benefício de prestação continuada (BPC) — não podem receber o auxílio emergencial 2021, assim como cidadãos que estão recebendo seguro-desemprego, trabalhadores com carteira assinada, servidores públicos e militares, menores de 18 anos (exceto mães adolescentes), estagiários, residentes médicos, bolsistas em instituições de ensino ou similares. Quem não movimentou os valores do auxílio pagos em 2020 ou teve o benefício cancelado até dezembro do último ano também não pode se cadastrar neste ano.
A insuficiência do auxílio
Em nota à Jornalismo Júnior, o Ministério da Cidadania alega que mais da metade da população brasileira foi beneficiada pelo programa em 2020 e que trata-se do “maior benefício já criado no Brasil”. Entretanto, de acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o valor médio das parcelas da nova fase é insuficiente para suprir as necessidades básicas da maioria das famílias.
Laize Ferreira, social media e graduanda em Relações Públicas pela Universidade Federal do Alagoas (UFAL), conta que dependeu do auxílio até novembro do ano passado, quando conseguiu um emprego de carteira assinada. “O auxílio de R$ 600 ia basicamente para as despesas da casa. Meus pais teriam que arcar com tudo, então ter esse dinheiro ajudou bastante”. A estudante conta que a família não paga aluguel e continuou trabalhando durante a pandemia, portanto, o valor do benefício em 2020 foi suficiente para que não passassem nenhuma dificuldade.
Ainda assim, Laize acredita que o auxílio não seria suficiente caso a família dependesse unicamente dele, sobretudo com o valor reformulado em 2021. “Analisando a situação atual do país, com a inflação altíssima, é impossível acreditar que apenas R$ 150 podem ser considerados um auxílio. O valor não consegue suprir nem as necessidades básicas do consumidor, como água e luz, por exemplo”.
Em um ano de pandemia, o preço dos alimentos subiu cerca de 15% no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a alta dos preços, o quadro da insegurança alimentar também se agrava entre os brasileiros.
De acordo com o estudo Efeitos da pandemia na alimentação e na segurança alimentar do Brasil, coordenado por pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), quase 60% dos domicílios pesquisados nos últimos meses de 2020 sofrem com a escassez de alimentos.
A polêmica da aprovação
O novo auxílio emergencial foi promulgado no último dia 15 de março, vinculado à Emenda Constitucional (EC) 109/2021. Ela é consequência da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186, de 2019, e institui mudanças orçamentárias que movimentaram o debate público, principalmente devido às restrições impostas a partir de gatilhos fiscais.
Pelas novas regras, quando os gastos correntes obrigatórios do governo forem maiores do que 95% das receitas (ganhos) correntes, algumas ações ficam proibidas. Entre as proibições está a criação de novas despesas obrigatórias, o aumento salarial de funcionários públicos e a contratação de pessoal que não seja para reposição ou contratação temporária específica.
A medida preocupa especialistas e entidades da sociedade civil por gerar um cenário em que não será permitida a contratação de funcionários fundamentais em áreas prioritárias como saúde e educação, a exemplo de médicos e professores. Do mesmo modo, a restrição fiscal pode impedir que o governo tenha um novo gasto obrigatório, como a criação de um novo hospital ou uma nova escola.
José Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), considera que a vinculação do auxílio emergencial à PEC 109/2021 foi uma manobra do governo federal para aprovar rapidamente um pacote orçamentário impopular: “Quando a pressão pelo auxílio emergencial começou a ficar muito forte, o governo fez a PEC da chantagem. Não havia necessidade de colocar numa PEC a questão do auxílio”.
O teto de R$ 44 bilhões é alvo de ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação foi protocolada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) com apoio de outros partidos, do Inesc e de entidades da sociedade civil, mas ainda não foi analisada. A insatisfação com os valores propostos também foi alvo de carta enviada ao Congresso por governadores de 16 estados, na qual pedem que o valor do auxílio volte a ser de R$ 600.
Alternativas ao teto e relação com a dívida
Moroni aponta que existem outros mecanismos previstos pela Constituição brasileira para enfrentar crises como a pandemia de Covid-19. Um dos mecanismos é que o governo decrete estado de calamidade pública e adote um orçamento de guerra, com a suspensão das regras fiscais. De modo complementar, ele cita o endividamento público. “As famílias têm problemas se não fecharem o mês, se não conseguirem pagar todas as contas. O Estado não. Ele pode emitir dinheiro, fazer políticas de desenvolvimento, aumentar a base de arrecadação de impostos. Claro que tem um limite, mas é muito acima do que nós temos”, destaca.
O argumento é de que o dinheiro investido no auxílio movimenta a economia e retorna ao governo. Em 2020, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) projetaram que, se o auxílio emergencial de R$ 600 pago aos trabalhadores informais fosse prorrogado até o fim do ano, devolveria aos cofres públicos 45% do valor pago no benefício. No cenário em que o pagamento só é feito por três meses, o retorno econômico seria só de 24%.
Para a economista Juliana Camargo, professora e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a dívida pública é um dos caminhos do governo para assistir famílias vulneráveis no curto prazo, mas uma política sustentável de transferência de renda não pode ser desenhada com base no endividamento. A dívida pública brasileira bateu recorde em 2020 e fechou o ano em mais de R$ 5 trilhões. O valor é 17,9% maior do que o registrado em 2019 e foi impulsionado pelas despesas com o combate à pandemia.
Juliana vê as mudanças feitas pelo governo no auxílio em 2021 como um aceno à preocupação com a sustentabilidade fiscal, mas que não soluciona a evidente falta de planejamento em torno da medida. “O auxílio teve seus méritos na urgência de proteger as famílias que estavam em situação de vulnerabilidade. Mas o trade-off [conflito] de dar um auxílio de R$ 600, R$ 1200 a muitas pessoas é que não é possível continuar com esse programa por muito tempo. Tivemos muitos meses para debater isso e não debatemos [adequadamente]”, afirma.
A importância de planejar
A falta de planejamento acaba por aumentar a insegurança das famílias, que podem ver o benefício mudar ou desaparecer rapidamente como aconteceu em 2020. A dúvida do momento é se o governo prorrogará os pagamentos atuais, que terminam após quatro parcelas.
Para Juliana, o caminho para o auxílio emergencial, assim como para qualquer política pública, é se basear em evidências científicas, bancos de dados e exemplos de boas práticas: “O governo deveria acionar todas as fontes de informação que tem em mãos para focalizar o programa e identificar melhor os beneficiários e as famílias que realmente precisam”. Além das grandes pesquisas sobre a população brasileira, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE, a rede de assistentes sociais é uma fonte valiosa de informações sobre pessoas em condição de vulnerabilidade no país.
Ainda em nota à Jornalismo Júnior, o Ministério da Cidadania informou que “o trabalho de cadastramento realizado no ano passado, que identificou os trabalhadores informais não constantes dos cadastros públicos, o cruzamento contínuo de dados realizado pelo Governo Federal e as ações de controle e fiscalização para evitar recebimentos indevidos permitem que o novo benefício chegue aos cidadãos de menor renda”.