Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Brasil, o país do… voleibol? O crescimento do esporte na mídia

O vôlei se populariza no Brasil desde os anos 80, a ascensão dos voleifãs nas redes parece impulsioná-lo mais — mas quem tem atenção também tem duras críticas

Por Manuela Trafane (manutraf@usp.br)

Em 2022, o Instituto Ibope Repucom classificou o voleibol como o esporte que mais despertava interesse entre brasileiros conectados — baseado nos dados coletados em uma pesquisa envolvendo 110,5 milhões de internautas brasileiros com 18 anos ou mais. Apesar disso, os apaixonados por futebol podem ficar tranquilos: a popularidade de um esporte não significa a decadência do outro, até porque seus fãs são bem diferentes.

Os chamados voleifãs, têm uma cultura mais próxima dos fandoms de divas pop do que dos clássicos torcedores de futebol ou basquete. A questão, no entanto, é: como a relação entre fãs e jogadoras se constrói e como pode afetar o esporte?

O primeiro jogo de voleibol no Brasil aconteceu em 1915, no Colégio Marista do Recife, em Pernambuco. Depois disso, ele se espalhou pelo país por meio de Associações Cristãs de Moços, mas sua profissionalização se deu com criação oficial da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), em 1954 [Imagem: Tasnim News Agency/Wikimedia]

O segundo esporte do brasileiro

O boom de popularidade do voleibol começou depois da medalha de prata da seleção brasileira masculina nas Olimpíadas de 1984 em Los Angeles. Na campanha, o time avançou às semifinais em primeiro lugar de seu grupo — que contava com os Estados Unidos, a República da Coreia, a Argentina e a Tunísia. 

A sequência de vitórias continuou na semi, quando derrotaram a Itália por 3 a 1. Ao chegarem na final do campeonato, no entanto, os anfitriões estadunidenses levaram a melhor, sem perder nenhum set, na Arena de Long Beach. A derrota não foi suficiente para abalar o voleibol brasileiro, que, ainda assim, saiu vitorioso de Los Angeles — a Geração de Prata havia sido formada.

A Geração de Prata contava com grandes jogadores, como o atual técnico da seleção masculina, Bernardo Rezende (Bernardinho) [Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil/Wikimedia Commons]

“Porque, até aí, o vôlei não era o segundo esporte do brasileiro, sempre foi o basquete. Futebol é o futebol desde sempre, o país é um tanto monoesportivo, mas no basquete temos várias medalhas esportivas, ele tinha o segundo lugar”, explica Marcel Merguizo, jornalista, em entrevista ao Arquibancada. “Durante os anos 80, teve uma viradinha do vôlei: além da conquista olímpica, o vôlei foi à TV. Os anos 90 impulsionam isso de vez, com o nosso primeiro ouro olímpico na modalidade, em 1992, da equipe masculina, ele se torna o segundo esporte do brasileiro”, continua.

Merguizo também conta que havia um problema para as partidas serem transmitidas na TV: a duração dos jogos. Mesmo que os sets tivessem 15 pontos cada, a “Lei da Vantagem” —  regra que fazia a bola, muitas vezes, revezar entre os times sem mudança no placar – ocasionava o prolongamento das disputas. O fim dessa regra, em 1998, veio junto dos sets de 25 pontos, e da possibilidade de televisionar o esporte.

A rachadura olímpica 

“Todo esporte olímpico tem essa montanha-russa. Em ano de Olimpíada, está lá em cima, depois desce e vai parar no fundo do poço. O vôlei já não faz mais isso”

Marcel Merguizo

A viabilidade de transmissão televisiva não comprova a existência de interesse do público para que a modalidade esteja o tempo todo na mídia. Um exemplo disso é a maioria dos esportes olímpicos, que recebem a atenção dos brasileiros de quatro em quatro anos. Isso significa: menos patrocínio e menor presença no cenário nacional. 

O repórter explica que o vôlei consegue se manter “na boca do povo” o tempo todo — e um dos motivos disso é a estrutura de seus campeonatos. Com dois ciclos claros, no Brasil, o voleibol não se permite cair no esquecimento. A temporada de clubes, que acontece entre outubro e maio — com campeonatos como a Superliga — e a temporada de seleções, entre agosto e setembro — com a Volleyball Nations League (VNL) e o Mundial de Vôlei.

Os poucos meses sem jogos das brasileiras não são o suficiente para derrubar os voleifãs, que fazem da internet seu refúgio de apreço ao esporte e, especialmente, às jogadoras.

Os voleifãs

Essa comunidade é muito diferente dos grupos de apreciadores do futebol, se aproximando mais das culturas de fãs de divas pop, por exemplo. 

No estudo Outing Midiático no voleibol: performance, voleifãs e paradoxos da visibilidade lésbica, dos pesquisadores Cecilia Lima e Thiago Soares, os autores explicam que ser fã é integrar uma identidade e comunidade. Em entrevista ao Arquibancada, Lima explica como essa dinâmica faz esses indivíduos se aproximarem das atletas para além do esporte, acompanhando suas vidas pessoais.

A pesquisadora fala que as jogadoras têm uma atuação muito presente nas redes sociais: atletas como Rosa Maria ou Júlia Bergmann, têm um carisma muito acentuado na forma como interagem com o público. “Elas (as atletas) também têm relações fortes com a cultura pop. Então, é possível observar como os fãs trazem isso para sua prática: fazem edits, famcams, ships entre atletas, etc. É a mesma forma como esses outros grupos lidam com seus ídolos”, conta.

No artigo, os pesquisadores explicam que essa cultura é mais prevalente na modalidade feminina do que na masculina — por conta do male gaze. Aos olhos da sociedade, ser lésbica é mais aceito do que ser gay, porque é mais apelativo aos olhos masculinos. O fato de grande parte das atletas de alto nível do voleibol ser jovem, com um corpo atlético e magro e em sua maioria brancas, tem um apelo visual para o mercado. “São mulheres atraentes”, fala Lima. O corpo lésbico, atlético e normativo pode ser usado para aderir a uma agenda da mídia para mobilizar fãs e admiradores.

Além de produzirem conteúdo para as redes sociais, os voleifãs interagem entre si nas redes sociais, criando uma comunidade. A internet se torna o lar dessas pessoas que são entusiastas do esporte e da vida das atletas.

Segundo pesquisa da IBOPE Repucom de 2020, o vôlei é o esporte mais querido pelas mulheres. Do público entrevistado na coleta de dados, 70% dos interessados na modalidade eram mulheres [Imagem: reprodução/X]

As mídias digitais impulsionam o esporte rumo às grandes audiências: “Começa a ter jogos da seleção um atrás do outro, ela está toda semana na TV.  O time ganha diversas medalhas, assim criam-se ídolos. A situação se retroalimenta”, fala Merguizo. Um exemplo disso é a audiência do jogo entre Brasil X Itália, que aconteceu em setembro de 2025. A semifinal do Mundial entre as duas potências rivais teve audiência de 3,8 milhões de telespectadores, ao longo do jogo. 

Entretanto, a visibilidade que o esporte ganhou ao longo do tempo não trouxe apenas comentários positivos, mas também negativos. 

Em julho deste ano, após a derrota do Brasil para a Itália na final da VNL, a capitã do time, Gabriela Guimarães (Gabi), deu um discurso aos veículos de comunicação sobre o ocorrido. Apesar de um jogo disputado, a internet se encheu de comentários que apelidaram a equipe de “time do quase lá”.

 “Estou virada desde o jogo, dá para ver no meu semblante a frustração. Temos que valorizar o processo, como eu falo, mas a prata e o bronze mexem demais, fico muito incomodada mesmo”

Gabi Guimarães

Em setembro, as seleções se encontram novamente, na semifinal do Mundial. Em outro jogo apertado, as italianas saíram vitoriosas. Da mesma forma, postagens criticando o time foram disseminadas na internet.

Essa é outra similaridade entre fandoms de personalidades da cultura pop e os voleifãs. A proximidade entre torcedores e atletas criada na internet também dá brecha para o compartilhamento de comentários tóxicos.

Como isso pode afetar as atletas? 

O técnico da equipe do Esporte Clube Pinheiros, Angelo Vercesi, fala ao Arquibancada que vê isso no dia a dia do esporte: “Conheço atletas de alto nível que leem constantemente o que foi postado, inclusive durante o treino — estão com o celular na mão o tempo todo e se ouvirem um plim, já vão ver o que aconteceu nas redes”. Vercesi explica que não recomenda a suas atletas o contato contínuo com as redes, pelo potencial abalo em sua autoestima e segurança dentro de quadra. 

A capitã do Pinheiros, Amanda Danielli, contribui com a opinião do treinador, dizendo que o fato do vôlei, hoje, lotar ginásios, assim como o futebol lota estádios, abre maior espaço para haters. “Eu, Amanda, não compartilho tudo, não acho positivo para mim. Não julgo quem faz isso, existe o lado positivo: o carinho e a crescente do esporte, mas deve-se levar em consideração que nem todo mundo quer seu bem”.

Outing midiático no esporte

Lima e Soares destacam a presença do público feminino e LGBTQIA+ no cerne dessa subcultura. Enquanto o futebol consolidou-se como uma modalidade excludente desses grupos, o voleibol surge como um ambiente mais seguro, um “Heitmet” — conceito que explica uma zona de segurança física e ideológica que se aproxima de um lar e oferece a sensação de estabilidade emocional. Um fator contribuinte para esse acolhimento é o fato de diversas atletas da modalidade feminina serem parte da comunidade LGBTQIA+.

“Então a gente já vinha observando o vôlei, especialmente o vôlei feminino, como um ambiente de um conforto um pouco maior das jogadoras de expressarem suas identidades, até de posicionamentos políticos. O beijo entre Carol e Anne é evidência disso”, diz Lima. 

O caso do qual se refere foi entre a ex-central brasileira Ana Carolina da Silva (Carolana) e sua esposa, Anne Bujis, jogadora holandesa. 

Em agosto de 2025, Carolana anunciou sua aposentadoria da Seleção Brasileira Feminina, afirmando que é um ciclo que se encerra para que outros possam começar [Imagem: Reprodução/Sandro Halank/Wikimedia Commons]

Outing pode ser traduzido ao português como “sair do armário”. No caso do esporte há uma chancela sobre a revelação pública de sua sexualidade. Antes das redes sociais, esse processo era mais difícil e penoso aos atletas, hoje, a dinâmica das redes sociais criou outros atos performáticos que são considerados também outing — gestos que evidenciam ao público a sexualidade do atleta sem a necessidade de um anúncio publico formal. O beijo citado acima é um exemplo disso: “Acabou o jogo, a atleta que ganhou dirige-se a arquibancada e dá um beijo na sua esposa, que é amplamente filmado, registrado por câmeras. Não é mais uma televisão tradicional que registra a imagem, mas sim os celulares das pessoas no estádio. Ha uma circulação enorme e os veículos vão precisar noticiar”, conta Lima. 

A sexualidade das atletas, então, entra nas quadras e no esporte — a comunidade faz isso acontecer ao divulgar amplamente momentos de outing como o de Carolana — o Heitmet não é apenas para os voleifãs, mas para todos os atletas. Impulsionado pelo male gaze , estudo adverte o perigo do framing nessas interações — o enquadramento de fenômenos que viram episódios capitalizáveis.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima