Por Breno Deolindo, Isabel Marchenta e Rafael Castino
De quatro em quatro anos no mínimo 150 países param para assistir seus atletas os representando no maior evento poliesportivo da atualidade. Os Jogos Olímpicos são televisionados desde Tóquio 1964, mas a magnitude da competição é anterior ao seu ibope mundial. As Olimpíadas são o palco perfeito para a propaganda de causas e poder político devido ao caráter cultural dos esportes que, como escreveu Mark Dyreson em Crafiting Patriotism for Global Dominance: America in the Olympics, “podem ser como lentes pelas quais se escrutinam temas maiores das ciências política e social”. Os boicotes são a forma de protesto preferida de nações e atletas nos Jogos Olímpicos: não comparecer a uma Olimpíada gera tanta repercussão internacional quanto episódios inéditos de Game of Thrones, ou seja, uma verdadeira comoção internacional.
O caso do Nazismo
O preconceito, tanto racial quanto de crenças, faz parte da história humana desde os tempos antes de Cristo. A segregação que se dá entre cores de pele diferentes persiste até hoje em todo o mundo, logo, é de se esperar que um evento de tamanho alcance político como são as Olimpíadas tenha algumas maneiras de protesto contra as discriminações.
É possível afirmar, sem grandes preocupações, que o auge do racismo no século XX se deu durante a 2ª Guerra Mundial, quando os ideais nazistas estavam em extrema evidência e a imagem de Adolf Hitler era muito disseminada. Em 1936, as Olimpíadas aconteceriam em Berlim, o epicentro dessa corrente de pensamento, criando rebuliço no universo esportivo, principalmente nos Estados Unidos, que possuía uma das maiores delegações da competição.
O então presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos (AOC), Avery Brundage, inicialmente defendeu que houvesse uma mudança de sede para que não acontecessem maiores impasses. Depois, posicionou-se contra o boicote judaico, pois uma investigação conduzida pelos nazistas concluiu que os atletas judeus não recebiam tratamento diferenciado.
Do outro lado, Jeremiah Mahoney, presidente da União Atlética Amadora (UAA), era um dos líderes do movimento a favor da abstenção dos atletas mal-vistos pelos olhos de Hitler. Mahoney defendia que a Alemanha havia quebrado as regras olímpicas que proibiam discriminação por crença e raça; para ele, a participação nos Jogos significaria um endosso estadunidense ao governo alemão. Organizações religiosas como o Congresso Judaico Americano e o Comitê Trabalhista Judaico também fizeram parte dessa luta.
Ao fim, o Comitê estadunidense conseguiu manipular a UAA em prol da participação nos jogos, além do Sindicato dos Atletas Amadores dos Estados Unidos também ter decidido participar das Olimpíadas, decisões que enfraqueceram o movimento e acabaram com a possibilidade de abstenção dos Estados Unidos. Alguns atletas, no entanto, mantiveram seu posicionamento e não se inscreveram nas competições.
Outro episódio notável daqueles Jogos foi a conquista dos quatro ouros pelo estadunidense Jesse Owens a frente do chanceler Adolf Hitler, vencendo o alemão Lutz Long ao passo que colocava em xeque a política racista alemã. Apesar de toda a polêmica que cerceava o evento, as Olimpíadas de 1936 foram um sucesso, porém, circunstâncias políticas viriam a ameaçar Jogos de um futuro não tão distante.
Um mundo polarizado
24 de dezembro de 1979. A União Soviética dá de presente de Natal algumas tropas militares ao instável Afeganistão; o cartão dizia que a Mamma Russia buscava evitar as rebeliões islâmicas no país contra o recém-instaurado regime comunista, assim assegurando a paz no Oriente Médio. O problema é que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ela e o rico Tio Sam estavam brigados. Ele, muito desconfiado das intenções da desafeta, decidiu intervir. O presidente americano, Jimmy Carter, exigiu que a URSS retirasse suas forças do território afegão, alegando que elas estariam lá para subjugar um povo islâmico independente e se apossar das reservas de petróleo do país. A barganha? A presença dos Estados Unidos, e consequentemente do bloco capitalista, nos Jogos Olímpicos de 1980, que seriam realizados em Moscou.
O que uma coisa tem a ver com a outra? A Guerra Fria travada entre os gigantes ocidental e oriental se caracteriza pela falta de embate físico e pela disputa tecnológica, intelectual e cultural. O boicote americano era um movimento de guerra, uma batalha. Pela primeira vez as Olimpíadas aconteceriam em um país comunista, a ausência da potência democrata contribuiria para o fracasso dos Jogos daquele ano e cumpria o papel de repúdio ao regime ditatorial do país-sede.
Como a história conta, o Premier Leonid Brezhnev não parou sua mobilização e a Casa Branca declarou oficialmente seu boicote esportivo em 21 de março de 1980. Mais 60 países seguiram seu exemplo, entre eles a Alemanha Ocidental, Japão, Canadá e China, diminuindo mais que a metade o número de delegações participantes. Outros países do bloco capitalista, como Grã-Bretanha, França e Espanha, mandaram equipes olímpicas menores que as usuais que não foram representadas por suas bandeiras nacionais nas cerimônias de abertura, encerramento e entrega de medalhas, mas sim pela bandeira olímpica. A suposta resposta soviética ao boicote se tornou um momento clássico das Olimpíadas: as lágrimas do carismático mascote daquele ano, o urso Misha, no encerramento, simbolizando a tristeza dos russos pela rejeição dos antagonistas.
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Mas esse não é o fim da novela olímpica da década de 80. Ironicamente, Los Angeles foi escolhida como a sede dos Jogos de 1984, sucessor direto de Moscou, devido ao receio de outros países em realizá-los por causa do prejuízo financeiro sofrido pelo Canadá com a edição de 76, em Montreal. Não pode se dizer que foi uma surpresa quando, em 8 de maio de 1984, a Rússia declarou que não iria aos EUA para as Olimpíadas, alegando que os americanos estavam sendo negligentes com a segurança dos atletas russos e usando a celebração como arma política. Como era esperado, países como Cuba, Alemanha Oriental e outros do bloco comunista, aderiram ao boicote soviético. A adesão, no entanto, foi bem menor do que ao que aconteceu em 80, com 140 participando das Olimpíadas americanas; o destaque fica para a China que furou o movimento e voltou a participar da competição após 32 anos.
Boicotes aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro será a primeira sede olímpica da América do Sul na história. Ante a tanta expectativa para a chegada de milhares de atletas para os jogos, os problemas e dificuldades surgem diariamente, estampando manchetes dos jornais e sites de notícias mais populares do mundo, ligando desta forma, um alerta ao Comitê para possíveis, prováveis e já confirmados boicotes as Olimpíadas.
O Impeachment
Visto o momento conturbado da política nacional, surgiram inúmeros boatos sobre uma ameaça de boicote das delegações venezuelana, cubana e boliviana, quando o governo destes países denunciou publicamente o chamado “golpe de estado”, sofrido pela presidenta Dilma Rousseff, meses antes das olimpíadas.
A possibilidade preocupou o Comitê Olímpico Internacional, questionado sobre a denúncia se transformar em um apelo para a desistência geral das outras nações. O presidente do COI foi a público amenizar tal situação, após conversar por telefone com o presidente em atividade, Michel Temer, que lhe deu garantias para realização dos jogos. Além disso, a assessoria do Estado nacional entrou em contato com os responsáveis venezuelanos que deixaram claro o fato de não haver intenções de promover um boicote, no entanto, se houvesse uma decisão, ela viria do governo de Caracas.
Zika Vírus, a verdadeira ameaça aos Jogos
Dentre tantas tensões que rondam a cidade carioca, um mosquito é a principal ameaça aos boicotes olímpicos. A epidemia de Zika Vírus, uma doença com seus perigos ainda não muito bem esclarecidos, transmitida pelo Aedes aegypti, atinge grande parte do território brasileiro, incluindo o Rio de Janeiro. Durante o verão, a cidade teve cerca de 7 mil casos confirmados, segundo o Secretário Municipal de Saúde, Daniel Soranz.
Um grupo de 150 cientistas de todo o mundo reuniram-se em debates onde, por meio de uma carta aberta, solicitaram à Organização Mundial de Saúde (OMS) o adiamento ou mudança de sede dos jogos olímpicos. Segundo os especialistas, a Olimpíada seria um evento responsável por ajudar na disseminação do vírus da Zika para outros países, tendo em vista o grande número de turistas que compareceriam ao Rio durante as competições. Um risco desnecessário que poderia transformar a doença em uma endemia nas mais diversas regiões.
Por conta das ameaças ligadas ao vírus, as delegações americana e queniana declararam que não irão obrigar seus atletas a comparecerem aos Jogos Olímpicos. A goleira da seleção de futebol feminino dos Estados Unidos, Hope Solo, disse que não sente confiança para competir no Rio de Janeiro, por conta do risco que a doença traz. O chefe do Comitê Olímpico do Quênia, por sua vez, declarou que a Zika pode levar o país a desistir dos Jogos, no entanto, nenhuma decisão foi tomada ainda.
Em meio a todas indecisões, diversos atletas do Golfe, esporte que volta às Olimpíadas após 102 anos, já decidiram que não virão ao Rio simplesmente por conta do Zika Vírus. O americano Dustin Johnson, número dois do mundo, comentou que é impossível ignorar as ameaças trazidas pelo mosquito. Até agora, sete atletas do esporte já desistiram da viagem.
Como resposta à todas adversidades apresentadas, o Comitê Olímpico Internacional, junto a OMS, estabeleceram diretrizes para prevenção ao vírus. Duzentos mil soldados brasileiros foram mobilizados ao Rio para o combate ao mosquito, no entanto, diversos atletas declararam que só virão aos jogos caso tragam um ótimo repelente na mala.
Casos Particulares, a desigualdade salarial e o doping
Além das diversas ameaças de boicotes em grande escala por motivos generalizados, como é o caso do Zika Vírus ou do momento político brasileiro, algumas delegações ou até mesmo times de esportes específicos possuem ou possuíam particularidades para não comparecem ao Jogos Olímpicos de 2016.
A seleção de futebol feminina norte-americana moveu uma ação judicial, com apoio de um órgão que luta contra as desigualdades trabalhistas nos EUA (EEOC), contra a federação esportiva de seu país, pelo fato de receberem da entidade salários muito menores que os do time masculino.
Mesmo com o incomparável sucesso das mulheres americanas em relação aos homens neste esporte, as atletas chegavam a ganhar cerca de três vezes menos. Neste caso, a ação solicitava que os ganhos deveriam ser iguais aos dos jogadores do futebol masculino, caso isso não acontecesse, as futebolistas ameaçavam um boicote à essa modalidade olímpica. Com a pressão, a Federação de Futebol dos Estados Unidos (US Soccer) cedeu aos pedidos, equiparando o salário dos atletas no esporte, independente do sexo.
Outro caso singular acabou envolvendo toda delegação russa. Após os escândalos de doping e a exclusão do atletismo russo das Olimpíadas, os atletas do país ameaçaram desistir totalmente dos jogos, não enviando nenhum competidor ao Rio de Janeiro. Em meio a diversos boatos, que envolveram até declarações polêmicas do presidente, Vladimir Putin, o Comitê Olímpico do país disse que não irá desistir de forma geral dos jogos, e que continuará entrando com ações para que membros do atletismo não envolvidos nos casos de doping possam competir normalmente.
Muitas são as promessas e perspectivas de desistências, poucas são as confirmações de boicotes. Cabe aos adoradores do esporte aguardarem até o momento do check-in das delegações, para ver se os maiores ídolos mundiais estarão em agosto no Rio de Janeiro, fazendo o que sabem de melhor: competir.
Os jogos olimpicos do Berlim foram históricos, vi o filme Race sobre Jesse Owens. Os filmes que são baseados em eventos reais são muito inspiradores, eu realmente gosto de conhecer essas histórias e revivê-las no cinema é uma experiência maravilhosa. Sempre este tipo de produções deixa uma ótima aprendizagem. Desta vez fiquei encantada com o filme Raça, a história é realmente bonita. O elenco faz um ótimo trabalho