Um Brasil descrito do chão até as paredes, diverso, plural e totalmente artístico. É esse o retrato da exposição Cem Anos Modernos, realizada pelo Museu da Imagem e do Som (MIS) em São Paulo. A exposição é uma homenagem ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, e fica aberta ao público até o dia 28 de agosto. Os visitantes podem aproveitar a experiência gratuitamente às terças-feiras, e nos demais dias da semana com ingressos entre R$7,50 e R$15.
Subindo as escadas do MIS
Desde os primeiros passos do visitante, o museu oferece informações sobre a proposta da exposição. Há explicações sobre o que era ser moderno na visão dos artistas do movimento e por que esse foi um período tão importante para a arte brasileira.
O ambiente traz uma atmosfera confortável e aconchegante, com luzes baixas desde a entrada no salão principal. Também é possível ouvir sons diversos logo no início, músicas e entoações de poemas, o que anima o visitante para o que será mostrado a seguir.
Todo canto do museu é preenchido com algum detalhe: uma frase, uma citação da literatura nacional, ou até mesmo letras do alfabeto espalhadas pelo chão ou pelo teto, sempre deixando dicas sobre qual artista ou proposta será vista em seguida.
Por dentro dos cem anos modernos
O Manifesto Antropófago, um dos documentos inaugurais do modernismo, estampa as paredes da primeira parte da exposição ao lado do quadro Antropofagia (1929, Tarsila do Amaral). A obra pode ser vista abaixo de um espelho, cuja reflexão mostra a seguinte frase, escrita no chão: “A alegria é a prova dos nove”, que é também título de uma obra literária de Oswald de Andrade. Uma proposta interessante e que interage diretamente com o visitante, introduzindo-o à temática da mostra.
Seguindo o trajeto central, a exposição passa a dar destaque ao teatro e cinema nacionais. Uma catraca feita de telões exibe trechos do clássico Macunaíma em filme e montagem teatral.
Após atravessar a catraca temática, fica fácil se perder na exposição, mas no bom sentido. O ambiente conta com inúmeras portas, travessias ou passarelas para outros pedaços da mostra, de modo que nenhum espaço do museu fica vazio e todas as partes são conectadas entre si. Esse ponto, apesar de positivo no sentido imersivo, também apresenta uma desvantagem: o barulho em excesso. Os sons ou músicas de fundo que fazem parte de certos espaços e podem ter animado as pessoas num primeiro momento vazam para os outros lados, fator que dispersa a atenção do visitante.
Ainda saudando as artes dramáticas brasileiras, cortinas vermelhas e compridas escondem uma espécie de salão aberto, com imagens do Theatro Municipal projetadas nas paredes, o que cria um ambiente totalmente imersivo e que capta o olhar para todos os seus detalhes. As imagens do Theatro, principal palco da Semana de Arte Moderna, são seguidas por imagens da cidade de São Paulo nos dias atuais, além de serem complementadas por uma marcante trilha sonora de Heitor Villas Boas, Gilberto Gil, José Miguel Wisnik e até mesmo de Anitta.
A exposição respira, do chão até as paredes, elementos que compõem o Brasil e suas memórias artísticas e também políticas. Mas nem só de coisas boas vivem essas memórias. A exposição lembra o lado obscuro do sentimento nacionalista desenvolvido sobretudo nas décadas de 1920 e 1930 a partir a criação de grupos fascistas no Brasil, com destaque para a Ação Integralista Brasileira (AIB). Estão expostos excertos da revista Anauê e suas ilustrações, que fizeram parte do movimento Verde-Amarelo, uma resposta ao Movimento Antropofágico, além de trechos de filmes que retratavam esse grupo e suas ações.
Uma das características mais instigantes da exposição é que ela não saúda apenas o velho, mas também o novo. Há um equilíbrio entre obras atuais e antigas, em seus diversos formatos: pintura, cordel, poesia, documentário, música, moda, dramaturgia e muito mais. Há espaço para falar da contribuição da cultura negra, com a figura do Teatro Experimental Negro (TEN), criado pelo artista Abdias do Nascimento, e indígena, com trechos de documentários e cartas redigidas por líderes e intelectuais nativos.
Para além dos modernistas, artistas como Racionais MC’s, Elza Soares e os Tropicalistas também foram lembrados em cabines totalmente musicais dedicadas a eles. Outros artistas mencionados foram Emicida — em uma sala que exibia seu documentário AmarElo (Netflix, 2020) —, Anitta e outros cantores de funk e pop como MC Fioti e Duda Beat.
Outros espaços que são destaques da exposição envolvem a exibição de um trecho do filme Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), transmitido num pedaço de tecido pendurado no teto. O visitante o assiste de baixo, deitado em pufes e usando fones de ouvido.
Além disso, a homenagem à Tropicália, um dos ambientes mais aconchegantes da exposição. Nele, há plantas e insetos falsos em volta de uma televisão que exibe clipes de músicas do movimento e programas com a participação de seus principais cantores. É possível se acomodar em puffs e assistir confortavelmente.
No campo poético, um conjunto de armários de poesia concreta, tornando a leitura mais acessível e fluida para quem visita. O espaço é estampado com o clássico poema “Beba Coca-Cola”, de Décio Pignatari. Dentro de cada compartimento, é possível ler poesias ou assistir a alguma performance delas.
Cem Anos Modernos é um passeio divertido e informativo, e coloca o público em contato com artistas plurais, da forma como o Brasil é e deve ser lembrado.