Quatro pessoas normais, atrapalhadas, decidem se aventurar no mundo do crime em busca de dinheiro. Sinopse desgastada perante tantas produções brasileiras com a mesma abordagem, como por exemplo Vai que Dá Certo (2012), mas que funciona, uma vez que a diretora Julia Rezende dá camadas a esses personagens, e motivações muito mais nobres do que apenas a ganância financeira.
Vladimir, Clivia, Primo e Regina são pessoas que vivem à margem da sociedade. Cansados de se sentirem invisíveis, os quatro decidem sequestrar o ex-patrão de Regina, “seu Ronaldo”, em busca de recompensa. Os quatro personagens são extremamente diferentes entre si, cada um tem sua própria motivação para o crime, o que torna a história ainda mais interessante.
Para Vladimir, personagem de Marcelo Valle, o sequestro é como se fosse a grande obra de sua vida. Após algum tempo desempregado, ele não se sente mais incluído na sociedade em que vive, e sente-se incapaz de até mesmo dar a Clivia, interpretada por Fabíula Nascimento, o casamento decente que ela sonha.
Regina, interpretada por Débora Lamm, traz uma raiva dentro de si. Ela não entende o porquê das pessoas terem mais do que ela, ou serem consideradas melhores. A ideia de sequestrar o ex-patrão é tão atraente pois a faz pensar que é justo que ela tenha um pouco do que ele tem, sentimento compartilhado por Primo (Sílvio Guindane).
Já Clívia é uma das personagens mais engraçadas. Dona de uma lavanderia e namorada do Vladimir, a quem ela considera o amor de sua vida, Clivia tem um vida feliz e realizada. Sua única motivação no sequestro é fazer com que os outros três se sintam igual. Ela é totalmente altruísta, sempre preocupada com o bem estar alheio, até mesmo do sequestrado “seu Ronaldo”.
A comédia do filme está justamente nessas partes: no meio de cenas sérias sobre o planejamento do sequestro tem pessoas ali que estão preocupadas com o almoço, falando de futebol, sendo normais.
Outra parte que impressiona no filme é a criação do espaço. O bairro em que eles vivem é um lugar sujo, esquecido pelo governo, o que ajuda a compor a frustração dos personagens perante a vida. Há um contraste gigante entre as cenas na periferia e na parte nobre da cidade. Há uma sujeira que prevalece até mesmo na caracterização dos atores, nas roupas, no suor, na barba mal feita. Uma poluição que exala tristeza e que é aliviada pelas cenas cômicas.
Como é Cruel Viver Assim (2018) é capaz de fazer você se emocionar, refletir sobre a sociedade brasileira e se divertir. É um filme importante devido a seu propósito social e não decepciona naquilo que se propõe ― fazer com que o público torça pelos personagens.
O filme estreia 16 de agosto nos cinemas. Confira o trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=HPn73RPc8DQ
por Gabrielle Torquato
gabrielletorquato17@usp.br