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Cristais de proteínas ampliam possibilidades de estudos sobre moléculas

Cristalização e cristalografia de proteínas são técnicas que possibilitam compreender as diversas interações em sistemas vivos, além de serem fundamentais para a descoberta de novos medicamentos
Por Débora van Pütten (deboravp@usp.br)

A técnica de cristalização de proteínas foi descoberta no século 19 e se tornou um recurso científico de extrema relevância a partir do século 20. Ela permite agrupar um grande número de moléculas da mesma proteína em um estado sólido ordenado e periódico, ou seja, em um cristal. Esses cristais costumam assumir tamanhos medidos em micrômetros ou, em alguns casos, nanômetros.

“Qualquer área que se beneficie de informações estruturais de proteínas pode se beneficiar da cristalização”, afirma Andrey Ziem Nascimento, pesquisador da Linha Manacá do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS – CNPEM).

Cristais de proteínas podem ser submetidos à cristalografia por difração de raios X, técnica que permite estudar a estrutura interna desse sólido. Nessa abordagem, os raios X liberados por alguma fonte específica interagem com o material e são difratados. A difração forma um padrão com intensidades e ângulos que pode ser resolvido e que revela informações sobre a conformação espacial das proteínas que o compõem.

A combinação entre cristalização e cristalografia é fundamental para a biologia molecular e estrutural, porque a conformação de uma proteína está associada à sua função. Portanto, obter informações sobre a primeira permite, também, compreender a segunda.

Além disso, “a cristalização e a difração de raios X têm sido usadas para a descoberta e desenvolvimento de medicamentos mais seletivos e potentes”, diz Nascimento. Segundo o pesquisador, a união das duas técnicas também permite compreender efeitos de mutações associadas a certas patologias e possibilita criar, modificar e melhorar proteínas aplicadas em processos industriais (como enzimas que atuam na degradação de biomassa para a produção de biocombustíveis).

Proteínas: as moléculas do momento

Proteínas são moléculas de alto valor biológico que exercem inúmeras funções em diferentes organismos, incluindo o humano. Por exemplo, pessoas intolerantes à lactose enfrentam problemas ao digerir o açúcar devido à baixa ou inexistente quantidade da enzima lactase. Enzimas são proteínas e, nesse caso, a lactase é responsável por quebrar a lactose em moléculas de açúcares menos complexas, que podem ser ingeridas pelo organismo.

Outras proteínas bastante conhecidas são: insulina (hormônio peptídico associado ao controle da glicemia ou, em outras palavras, controle da quantidade açúcar na corrente sanguínea); lisozima (enzima presente na clara do ovo); proteína Spike (componente estrutural do coronavírus, associado com a COVID-19).

A unidade básica de uma proteína é chamada de aminoácido. Um conjunto pequeno e mais simples de aminoácidos forma um peptídeo. O agrupamento de muitos aminoácidos forma uma estrutura consideravelmente mais complexa: as proteínas.

Em termos químicos, o aminoácido possui três grupos importantes: grupo amina (NH2), grupo carboxila (-COOH) e o grupo R ou cadeia lateral, parte que diferencia um aminoácido de outro [Imagem: NoctiMike/Wikimedia Commons]

Estruturalmente, as proteínas são organizadas em quatro níveis. A estrutura primária consiste na organização dos aminoácidos em cadeia. A estrutura secundária envolve os padrões de dobramento das cadeias originais em hélices alfa e folhas beta. A estrutura terciária inclui dobramentos e torções nas estruturas em conformações que obedecem a leis da física. A estrutura quaternária, por sua vez, apresenta maior complexidade e está associada à conformação espacial da molécula.

A estrutura de uma proteína está diretamente relacionada com a função que ela desempenha no meio que se encontra. Dentre algumas funções que podem ser exercidas por proteínas, cabe mencionar: catálise enzimática; transporte; movimento; suporte mecânico; sinalização celular.

Mergulhando na cristalização

“A biologia nasce da observação”

Glaucius Oliva

O assunto pode ser comportamento de diferentes espécies animais em seus habitats naturais ou pode ser crescimento de plantas.As informações sobre esses temas foram obtidas a partir de estudos que pautavam a observação cuidadosa de todas as dimensões de cada acontecimento.

Estudar proteínas também é um processo que envolve observação e muita paciência. No caso da cristalização de proteínas, o desafio é ainda maior, porque envolve moléculas que atuam em condições específicas de temperatura, pH (e outras características) em sistemas vivos. Tirar tais moléculas de seus ambientes e esperar que elas apresentem um comportamento estável e predizível é irreal.

Oliva ressalta, ainda, que propriedades químicas e físicas interferem na cristalização. “Parece simples você jogar coisas dentro de uma caixa, mas você tem essas proteínas em solução, e essas proteínas não são esferas, têm formas distintas, têm estados de agregação distintos, têm cargas na sua superfície que vão dirigir como elas se juntam por ligações não covalentes naturalmente”, acrescenta.

Para obter um cristal, é necessário percorrer alguns passos. Os cientistas começam pela produção da proteína pura em laboratório, por meio de “células-modelo (bactéria, célula de inseto)”, conforme explica Andrey Nascimento.

A segunda etapa consiste em expor pequenas quantidades (gotas com volumes de microlitros) de proteína purificada a soluções de cristalização, chamadas de “condições”. Purificar proteínas em laboratório é trabalhoso e comprá-las prontas é caro, “Você não quer usar grandes volumes porque ter proteína pura em geral não é uma coisa muito simples”, explica Oliva.

As condições às quais as proteínas são submetidas possuem íons, sais, álcoois e outras substâncias, além de pH e temperaturas bem definidas, que reduzem a solubilidade das proteínas e que forçam uma interação entre suas moléculas.

À medida que a gota de solução perde água por evaporação e seu volume diminui, as moléculas da proteína se aproximam. Como consequência, elas começam a se organizar em núcleos, que crescem e formam os cristais.

As moléculas em solução da proteína estudada se agregam e formam o núcleo. A partir desse núcleo, que consome todas as moléculas em solução e por isso cresce, o cristal começa a se formar [Imagem: Cedida por Gustavo Duarte]

“Nem todos os testes formarão cristais, em muitos casos a proteína continuará em solução ou precipitará de forma desordenada, amorfa, por isso um experimento inicial de cristalização envolve o teste de centenas de condições diferentes”, diz Nascimento.

Cristalografia: avanços ao longo do tempo

“Há mais de vinte prêmios Nobel associados à cristalografia de proteínas”, diz Oliva. Complementarmente, Nascimento aponta que pesquisas sobre a estrutura do DNA, replicação, transcrição, tradução e sinalização celular que renderam o prêmio envolveram o uso da cristalografia.

A passagem do tempo e diversos avanços tecnológicos melhoraram a qualidade, a velocidade e a eficiência dos processos envolvidos na cristalização de proteínas e na cristalografia.

Por exemplo, de acordo com Glaucius Oliva, na década de 80, todas as partes dos experimentos eram feitas manualmente. A purificação das proteínas, preparação de soluções, preparação de placas (lâminas de cristalização) com as amostras. A observação diária do crescimento dos cristais também era feita inteiramente pelos pesquisadores, somente com o auxílio de microscópios.

“No final da década de 80, as técnicas de DNA recombinante permitiam que você produzisse a sua proteína de uma forma heteróloga, ou seja, de um outro organismo, não no organismo natural”, afirma Oliva. Ele ainda conta que “hoje utilizamos robôs para fazer a dispensação de todos os líquidos necessários em volumes muito pequenos, tanto para colocar essas soluções nos poços como para depois colocar com a solução de proteínas”.

Para Nascimento, a automatização da preparação da mistura de proteína e solução cristalizante permitiu reduzir o volume do experimento, reduzir o consumo de proteína, aumentar a quantidade de soluções testadas ao mesmo tempo e aumentar a reprodutibilidade de testes.

Diante de volumes menores e maior quantidade de testes realizados simultaneamente, “equipamentos que registram imagens da formação de cristais de forma automática passaram a ser essenciais”, explica Nascimento.

Aceleradores de partículas, criação de softwares, avanços que aliam programação, física e matemática, facilitaram a cristalografia e a resolução das estruturas das proteínas.

*Imagem de capa: Acervo pessoal/Débora van Pütten

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