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Especial Programa Mais Médicos: a polêmica por trás da medida

Lançado em meio ao momento instável das manifestações populares, o Programa Mais Médicos alia medidas emergenciais para a saúde às controvérsias da vinda de médicos estrangeiros para o Brasil Por André Spigariol (andre.spigariol@gmail.com), Fernanda Magalhaes (fernandademelom@gmail.com) e João Henrique Furtado (joaoh505@gmail.com) Está instaurada a polêmica na sociedade brasileira, que, depois das grandes manifestações populares de …

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Lançado em meio ao momento instável das manifestações populares, o Programa Mais Médicos alia medidas emergenciais para a saúde às controvérsias da vinda de médicos estrangeiros para o Brasil

Por André Spigariol (andre.spigariol@gmail.com), Fernanda Magalhaes (fernandademelom@gmail.com) e João Henrique Furtado (joaoh505@gmail.com)

Está instaurada a polêmica na sociedade brasileira, que, depois das grandes manifestações populares de junho e julho, voltou seus olhos para os serviços prestados pelo Estado à população. Entrou no balaio das reivindicações o clamor por um melhor atendimento nos estabelecimentos do Sistema Único de Saúde e das condições degradantes que este apresenta nos rincões do país. Segundo pesquisa de opinião realizada pelo Datafolha, 48% dos entrevistados acreditam que o principal problema do Brasil está na saúde.

Protestos
As manifestações de junho tinham como pauta também a questão da saúde pública. Foto: divulgação

Outra sondagem, realizada pelo Ibope, aponta ainda que a gestão de Dilma Rousseff na saúde é desaprovada por 69% dos brasileiros consultados. Para reverter o quadro negativo, o Governo Federal lançou no início de julho o Programa Mais Médicos, um pacote de medidas com forte impacto sobre a atividade médica no país, visando melhorar o atendimento de saúde básica no interior do Brasil. Dentre as propostas, a reforma nos cursos de medicina e a importação emergencial de médicos estrangeiros causaram discordâncias entre poder público e associações de médicos brasileiros.

Para uns, que defendem o plano de ação traçado pelo Ministério da Saúde, o problema está na falta de médicos dispostos a trabalhar nas áreas remotas, afastadas das grandes capitais. Outros, contrários ao Programa, argumentam que a falta de infraestrutura básica nestes locais faz com que os profissionais da medicina tenham receio de trocar a segurança dos hospitais bem equipados nos centros urbanos pelos postos de saúde precários espalhados pelas pequenas cidades.

Panorama da saúde no Brasil

Informações do último relatório de Indicadores e Dados Básicos (IDB) do SUS, baseado em 2010, mostram que o brasileiro, em média, realiza apenas 2,71 consultas médicas por ano. Os estados em situação mais grave, segundo o documento, são Pará e Amapá, que sequer alcançam duas consultas por ano, com 1,94 e 1,89 visitas por habitante, respectivamente.

Saúde brasileira
O brasileiro, em média, realiza menos de 3 consultas médicas por ano. Foto: Agência Brasil

Já o relatório de exames por consulta mostra deficiências infraestruturais. Em 2010, foi realizado, em média, um exame patológico de doenças para cada consulta. Porém, apenas 0,18 diagnósticos de imagem foram feitos na proporção por atendimento em consultório.

Em 2013, o Orçamento Geral da União destina R$ 99 bilhões para a saúde. Porém, uma análise do Instituto Teotônio Vilela (ITV) feita com dados do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que os valores disponibilizados não são aplicados. No ano passado, por exemplo, somente 69% do dinheiro autorizado foi de fato executado, segundo o TCU. Entre 2005 e 2012, aponta o Instituto, a União deixou de gastar R$ 32 bilhões com a saúde pública. No mesmo intervalo de tempo, foram cortados 42 mil leitos em hospitais.

O artigo da entidade ainda demonstra que o investimento público em saúde vem caindo: “em 2002, a União respondia por 52,8% do total dos gastos com ações e serviços públicos de saúde. Em 2010, o percentual já havia caído para 44,7%.” Ao mesmo tempo, aumentou a despesa das demais esferas de administração. A fatia destinada à saúde no orçamento dos estados saltou de 21,5% para 26,7% do total e as prefeituras passaram de 25,7% para 28,6%.

Centro cirúrgico
Para especialistas, a estrutura hospitalar ainda é a demanda mais básica da saúde pública. Foto: Agência Brasil

De acordo com o advogado Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., especialista em Direito do Estado e consultor do Instituto Millenium, “uma estrutura de saúde pública decente” é a demanda mais urgente da saúde pública brasileiro. “Enquanto o sistema de saúde for uma sucata, todas as soluções serão ilusórias ou paliativas”, define. Para ele, a medida do Governo Federal de importar profissionais para trabalhar no interior do país é equivocada: “aí surgem os milagres como o Mais Médicos, no qual o governo precisa negociar com a ditadura cubana em busca de médicos de duvidosa qualidade”, ironiza.

“O governo deveria fazer o simples: equipar materialmente os postos de saúde e hospitais públicos com instrumentos, medicações e locais de trabalhos apropriados”, critica Paixão. Para o especialista, os médicos brasileiros têm receio de trabalhar nos rincões do interior do país porque falta a infraestrutura mínima para o atendimento de saúde. “Tais condições mínimas não existem e os médicos, temendo riscos de toda ordem preferem ficar em cidades com condições garantidas”, argumenta.

Sebastião argumenta ainda que a solução passa pela reforma no gerenciamento dos recursos financeiros do Estado. “A solução envolve uma inadiável transformação da gestão pública brasileira, que deveria ser mais enxuta, mais competente, mais profissional. O problema está nas insuficiências públicas em bem gerir os recursos do SUS”. O advogado acredita que uma aplicação correta da verba permitiria que um sistema totalmente estatal fosse suficiente. “O SUS cumpre uma função social relevantíssima. Logo, ao invés de pensarmos em substituí-lo, temos que buscar formas de aperfeiçoá-lo”, conclui Paixão.

Cirurgia
Para juristas, a aplicação correta da verba do SUS seria suficiente para resolução dos problemas. Foto: Agência Brasil

Em artigo publicado também pelo Instituto Millenium, o filósofo da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Luís Fernando Schüler comenta o sucesso das parcerias público-privadas como meio de aperfeiçoar a prestação de serviços públicos em São Paulo. “O modelo das Organizações Sociais (OS), talvez a mais inteligente tentativa de produzir uma mudança real na qualidade da prestação de serviços públicos no país, e que vem apresentando resultados extraordinários no estado de São Paulo, vide exemplos da Osesp e da rede de hospitais OS do Estado” exalta o analista, que também critica os pedidos por mais intervenção estatal: “Quanto aos chamados movimentos sociais, quando vão às ruas, parecem tomar exatamente a direção contrária ao óbvio: solicitam ‘mais Estado’, mais ‘setor público’, e tendem a reagir acriticamente contra qualquer projeto de parceria público-privada”, examina.

A Medida Provisória 621 e o Mais Médicos

Em Julho, a presidente Dilma Rousseff anunciou um plano para atender às demandas exigidas pelos manifestantes – a medida provisória 621/2013, que instituía o programa Mais Médicos. O projeto busca principalmente enviar médicos para áreas mais carentes, “a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde”, conforme afirma a MP dos médicos, publicada no Diário Oficial da União no dia 08 de julho de 2013.

É importante ressaltar que há, no Mais Médicos, uma hierarquia na seleção de profissionais. Primeiramente, serão escolhidos os brasileiros ou intercambistas que tiveram formação acadêmica em território brasileiro. Após essa etapa, médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras serão chamados. E, por fim, profissionais estrangeiros com habilitação para exercícios da medicina no exterior. Estes últimos, no entanto, deverão “apresentar diploma expedido por instituição de educação superior estrangeira, apresentar habilitação para o exercício da medicina no país de sua formação e possuir conhecimentos de língua portuguesa”, conforme escrito no edital do programa.

Ministro e médicos
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, cumprimenta médicos estrangeiros recém-chegados. Foto: Agência Brasil

Durante a primeira fase de inscrições para o programa, de um total de 14460, apenas 1615 vagas – ou 10,5% – foram preenchidas. Destas, 358 foram ocupadas por profissionais estrangeiros e 164 por brasileiros graduados no exterior. Com a insuficiência de profissionais para atender a demanda do programa, o governo brasileiro fez um acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que prevê a vinda de até 4 mil médicos cubanos até o fim do ano para atender as áreas que não foram selecionadas na primeira fase de inscrições do programa.

Outro ponto relevante da MP dos médicos é a regulamentação da profissão no país. Aos ingressantes nos cursos de medicina a partir de 2015, a formação acadêmica se dividirá em duas partes. O chamado primeiro ciclo se baseia no cumprimento das diretrizes curriculares, enquanto o segundo abrangerá o aumento em dois anos no curso “para atuação na atenção básica e nos setores de emergência”, em que o profissional em graduação deverá trabalhar no SUS. Isso poderá “ser aproveitado para abater uma etapa da residência médica ou de outras modalidades de graduação”, conforme afirma trecho em site criado pelo governo para o programa.

É esperado também que haja um aumento de vagas nas escolas de medicina no país. Conforme escrito no edital do programa, serão criadas 11447 novas vagas, sendo que 6887 delas estarão abertas até 2014.  Também está prevista a ampliação dos cursos de residência, com 4000 vagas até 2015 de um total esperado de 12372 até 2020.

As polêmicas

Desde que anunciada, a MP 621 suscitou debates na sociedade brasileira, especialmente entre a classe médica. Alguns dos aspectos questionados são os dois anos de Alguns dos aspectos questionados são os dois anos de serviço no SUS, em substituição à residência médica e as condições de trabalho que seriam oferecidas para os participantes do Mais Médicos. Mas o principal enfoque das discussões foi a contratação de médicos estrangeiros, com destaque para a dos cubanos, como medida paliativa para a saúde nas regiões carentes do país.

SUS
O serviço obrigatório de dois anos no SUS é um dos pontos questionados na MP 621. Foto: Agência Brasil

“O caos na saúde pública, que o governo tenta atribuir à falta de médicos, na verdade, é falta de gestão qualificada, corrupção continuada e subfinanciamento. O governo não enfrenta os reais problemas e quer desviar o foco, com propagandas enganosas”, afirma Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira, “O Brasil é um dos países com mais médicos no mundo, 400 mil, conta com mais de 200 escolas de medicina, o segundo país do mundo em número de escolas, só perde para a Índia. As escolas, e respectivo número de alunos por escola, são autorizadas pelo Ministério da Educação”, garante.

Já o Ministério da Saúde opõe-se ao assegurar que “o chamamento nacional e internacional de médicos é uma medida emergencial, de curto prazo, para levar médicos à população que não tem acesso a eles atualmente. Medidas de médio e longo prazo também estão sendo tomadas e fazem parte da estratégia do Mais Médicos, como a abertura de mais vagas de graduação e de residência médica”, e informa que melhorias em infraestrutura estão sendo realizados em sintonia com o programa: “Estão sendo investidos, até 2014, R$ 15 bilhões na expansão e na melhoria da rede pública de saúde de todo o Brasil. Deste montante, R$ 7,4 bilhões já estão contratados para construção de 818 hospitais, 601 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24h) e de 16 mil unidades básicas. Outros R$ 5,5 bilhões serão usados na construção, reforma e ampliação desses estabelecimentos de saúde, além de R$ 2 bilhões para 14 hospitais universitários”.

Quanto à aceitação de médicos estrangeiros,  e a parceria com a OPAS, que acarretará o envio de 4 mil médicos cubanos até o fim do ano, sem, no entanto, necessidade de revalidar o diploma, Florentino diz que “ao possibilitar a vinda de médicos estrangeiros sem revalidação do diploma, o programa cria dois tipos de medicina: a primeira formada pelos que poderão exercer a profissão livremente em todo o território nacional e a segunda composta pelos médicos intercambistas, que terão seu direito ao exercício profissional limitado a determinada região, com qualidade duvidosa para atender a população que depende do SUS, já que não terão seus conhecimentos avaliados”, critica.

Médicos estrangeiros
Médicos estrangeiros assistem a treinamento do Mais Médicos. Foto: Agência Brasil

“Com isso, o governo cria a ‘medicina dos pobres’. Acreditamos que o importante é que médicos formados fora do Brasil, que aqui queiram trabalhar, sejam bem formados, qualificados, independe do país. Sabemos que, assim como no Brasil, existem por aí afora faculdades de medicina que não formam médicos adequadamente. Daí defendermos o ‘Revalida’ para todos”, afirma Cardoso.

“Isso nos daria maior proteção aos doentes e segurança com quem trabalhamos. Fala-se muito em Cuba, mais precisamente na ELAM – Escola Latino-Americana de Medicina -, porque o acesso se dá de maneira que não julgamos mais adequado, assim como pelo elevado índice de reprovação de formados lá, quando fizeram o REVALIDA nos anos 2011 e 2012. Qualquer médico, formado em qualquer lugar, bem treinado, competente, dedicado e ético é bem-vindo para trabalhar no Brasil”, analisa.

Além disso, existe uma  polêmica envolta no acordo com a OPAS no que se refere ao modo de pagamento dos profissionais cubanos. Enquanto brasileiros e outros estrangeiros receberão um salário fixo de 10 mil reais, há um acordo para que este valor seja repassado a entidade, que, posteriormente, enviará a Cuba. O governo de Raul Castro, por fim, remunerará os médicos que estão no Brasil com parte desse dinheiro.

“Entristecem-nos comentários de que os colegas médicos cubanos que aqui virão trabalhar no ‘Mais Médicos’ não receberão o mesmo que os outros estrangeiros ou brasileiros. Defendemos que sua remuneração deve ser igual, prestando o mesmo trabalho, com mesma carga horária, assim como recebam diretamente e não por intermediários. Esquisita também a intermediação da Organização Pan-Americana de Saúde nesse caso, diferente dos médicos de outros países. Deve onerar ainda mais nossos cofres, pois certamente a OPAS ganhará algo nesse processo. Não estão bem claras essas coisas, assim como várias outras que ocorrem em nosso país. Tudo isso, aumenta a especulação e gera ainda mais desconfiança”, explica o presidente da AMB.

Então, questionando a falta de profissionais em determinadas regiões do país, Floriano expressa que o atendimento oferecido pelo SUS nas regiões remotas e também em locais periféricos das grandes cidades, ainda que necessite de profissionais da saúde (categoria que não abrange apenas os médicos), é limitado principalmente pela falta de infraestrutura.

Segundo ele, instalações e equipamentos precários podem inviabilizar que estruturas de diagnóstico e tratamento adequadas sejam oferecidas a população, dificultando a ação médica e colocando em risco a saúde do povo. O representante da Associação ainda ressalta que a situação descrita anteriormente pode ser observada com clareza na urgência e emergência de hospitais de grandes cidades, nos quais há superlotação e ainda pacientes sentados em macas e no chão.

Médico
Para o presidente da AMB, a solução para a melhor distribuição dos médicos seria criar carreira de Estado a nível federal. Foto: USP Imagens

Para o representante da entidade, a solução passa por investimentos do Ministério da Saúde em infraestrutura e a construção de uma carreira de Estado para os médicos: “uma das soluções para a melhor distribuição dos médicos no Brasil é a criação de uma carreira de estado, a nível federal, para que os médicos tenham desenvolvimento na carreira e possam ficar um tempo em regiões remotas e depois progredir e atuar em outros locais”. Segundo Cardoso, o plano de carreira “possibilitará mais segurança profissional, uma vez que garante direitos e benefícios trabalhistas”.

O Ministério da Saúde discute essa proposta: “O Ministério da Saúde apoia carreiras para médicos – de níveis federal, estadual e municipal –, desde que o médico esteja presente todos os dias na unidade de saúde, 40 horas por semana, e não seja proprietário de consultório privado. Deve haver dedicação exclusiva, com exceção da prática do magistério, como acontece com as demais carreiras de Estado”, informa o gabinete da pasta.

“Também precisa ser proibido ao profissional receber qualquer auxílio ou contribuição financeira de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas durante o exercício do cargo, a exemplo da carreira de juiz.  Já existe uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto em tramitação no Congresso e estamos abertos ao debate para torna-la adequada às necessidades do SUS e da população, e não apenas dos profissionais”, opina o comunicado da repartição. “Além disso, o Ministério da Saúde lançou também, no ano passado, uma iniciativa que está financiando projetos estaduais para criação de planos de carreiras, cargos e salários e para a desprecarização de vínculos trabalhistas no SUS”, encerra.

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