A biografia da jovem atriz que estrelou o “pornô cult” Garganta Profunda (Deep Throat, 1972) poderia conter uma interessante reflexão sobre a indústria pornográfica, mas acaba sendo apenas mais um conto com final moralista, tão repetido nos filmes comerciais.
Lovelace (Lovelace, 2013) começa promissor, com uma fotografia imitando o estilo da época. Logo na primeira cena duas amigas discutem sobre sexo. Linda, personagem de Amanda Seyfried, tem receio de falar no assunto, enquanto Patsy, sua melhor amiga, tenta convencê-la a tentar sexo oral com seu próximo parceiro. Ambas saem para patinar durante a noite, quando um homem misterioso se aproxima e seduz Linda. De início, Chuck (Peter Sarsgaard) nos é apresentado como um rapaz simpático, e ao mesmo tempo sensual. Ele consegue rapidamente deixar a jovem apaixonada.
Dorothy Boreman (Sharon Stone, irreconhecível) surge como a mãe da protagonista. Repressora, ela mantém a filha em rédeas curtíssimas, aparentemente devido a um aborto feito pela jovem no passado (fato que não é muito explicado). Mesmo com a desaprovação da mãe, Linda acaba saindo de casa com o namorado e indo viver com ele, que tem um clube noturno. Após um revés financeiro, ele sugere que ela faça um filme pornô, devido à recém descoberta habilidade dela no sexo oral. Ela acaba aceitando e o filme é um sucesso estrondoso.
Lá pela metade do filme, o personagem de Chuck muda abruptamente. Mostra-se que, desde quando a menina fugiu de casa, ele a agride e a obriga a fazer determinadas coisas sem o seu consenso. Passamos a ver na tela o relato de uma sobrevivente, que tenta diversas vezes fugir e se esquivar dos excessos cometidos pelo marido.
Seria um filme interessante, não fossem os diversos estereótipos e sensos comuns a respeito da chamada “indústria do prazer”. Toda a aparente abertura sexual que a personagem experimenta e ajuda a formar, em um público tão conservador quanto o dos anos 70, acaba sendo criticada ao fim do filme. A personagem termina escrevendo um livro contando sua traumática experiência e formando uma nova família. Poderia ser um grito feminista contra os abusos machistas. Acaba sendo apenas mais uma obra pró-familia convencional, contra a liberação sexual e a independência das próprias mulheres, passando a idéia de elas terem sempre que sujeitar ao domínio masculino.
Por Pedro Passos Guijarro
pedropassos.guijarro@gmail.com