Por Mariana Pontes (mariana.kpontes@usp.br)
Os Estados Unidos da América se orgulham de possuir a Constituição original mais antiga dentre todos os países do mundo. Entretanto, essa suposta vitória é também seu atraso para uma efetiva democracia. Essa e outras questões que envolvem a política estadunidense, historicamente desigual, são discutidas no documentário Democracia sob Cerco (Democracy Under Siege, 2025), dirigido por Laura Nix.
Apresentado durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema de SP, o longa-metragem é constituído de entrevistas com especialistas sobre os pontos que tangenciam a temática de democracia e os elementos que a ameaçam, de vídeos e imagens que relembram o passado político dos Estados Unidos — desde sua fundação até a eleição em 2024 — e de cartuns que ilustram os assuntos debatidos.
Com uma visão privilegiada por residir em Washington, a cartunista Ann Telnaes, duas vezes ganhadora do Prêmio Pulitzer, dá vida aos desenhos apresentados e permeia o filme com seus comentários pontuais e críticos. Ela trabalhou como cartunista editorial no The Washington Post desde 2008, mas em janeiro de 2025 renunciou ao cargo após ter um cartum que satirizava a veneração de bilionários dos setores da mídia e tecnologia a Donald Trump censurado.
Como mencionado pela própria artista, as imagens têm um forte poder de comunicação, que transcende palavras e classes sociais. Isso é comprovado à medida que as ilustrações animadas ajudam a colocar em perspectiva o que está sendo explicado pelos profissionais, principalmente com dados quantitativos. Além desses cartuns feitos de acordo com as falas dos entrevistados, Telnaes também traz os que já tinha feito para situações da política estadunidense recente, com figuras como a Estátua da Liberdade, a Justiça e o atual presidente Donald Trump,que, no final, acabam sendo parecidos em sua repetição e podem se fundir em uma só imagem de sua opinião.

com desenhos a base de lápis e aquarela [Imagem: Reprodução/IMDb]
A ideia do longa é que viver em uma democracia não significa somente não avistar tanques na rua. Eli Mystal, Heather Cox Richardson e Melissa Murray são alguns dos nomes que falam com propriedade sobre a política do país: sua desigual história e tudo o que continua como polêmicas, como questões raciais, de gênero, do papel da mídia, do sistema eleitoral e de um possível autoritarismo vigente.
O sarcasmo dos cartuns faz o público se arrepiar com a realidade nua e crua na sua frente — que mais se assemelha a um pesadelo. Os vídeos e imagens comprovam que o que foi descrito no longa como uma “insanidade kafkiana”, em que a existência ou não de necessidades básicas e direitos humanos, de alguma forma, entra em debate nos extremismos da polarização. O telespectador consegue facilmente adentrar na obra ao lado de Ann Telnaes para observar criticamente o cenário atual dos Estados Unidos, a partir das informações das entrevistas que acompanha e absorve.
É importante destacar que, assim como o cartum é um discurso político e de opinião, o documentário segue a mesma linha. Desse modo, todos os discursos convergem para um posicionamento antitrumpismo, com aparições de políticos de direita, mas nunca como entrevistados. A imparcialidade não é necessária para o filme, então não é um aspecto negativo, mas é importante que a audiência veja o filme com consciência do posicionamento dos participantes.

O longa-metragem apresenta uma imagem completa sobre a democracia estadunidense, com todos os fatos que a formam e que a colocam em risco. Com essa, é capaz de compreender e analisar uma complexa política influente mundialmente e seus desafios com comentários bem-humorados de Ann Telnaes, especialmente em seus momentos mais decisivos com a figura de Donald Trump.

Esse filme fez parte da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no começo do texto.
Confira o trailer:
*Imagem da capa: Reprodução/IMDb
