Saiba mais sobre elas, que ainda insistem em permear o imaginário de milhares de pessoas
Por Victoria Amorim (amorim.vick@gmail.com)
Quem nunca ouviu falar da loira do banheiro, do homem do saco, ou de que a Xuxa tem pacto com o demônio? Essas e outras lendas urbanas fazem parte do inconsciente coletivo das pessoas. Narrativas fantásticas e baseadas no assustador, elas costumam ser transmitidas oralmente. Repletas de exageros e fatos improváveis, mas não necessariamente irreais, as lendas ganham a atenção de quem as conhece pelo caráter curioso e até mesmo sensacionalista que possuem.
Segundo o artigo Um gênero comunicacional: os boatos e as lendas urbanas publicado na revista FAMECOS em abril de 2007, “(…) uma lenda urbana é um enunciado ou uma narrativa breve, de criação anônima, que apresenta múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contada como sendo verdadeira e recente em um meio social que exprime, simbolicamente, medos e aspirações”.
O surgimento das lendas urbanas pode ser variado, mas, na maioria das vezes, sua origem vem de situações cotidianas, atuais ou antigas, que são coloridas com a fantasia, o sombrio e até mesmo o impossível. Geralmente, as lendas urbanas surgem de um fato que, supostamente, aconteceu e são mudadas com o passar do tempo e, de acordo com a cultura do povo que as incorpora.
Exemplo disso é a lenda do homem do saco, que tem sua origem na Dinamarca do século 12, com a história de um velho que abusava sexualmente das crianças que eram abandonadas do lado de fora de suas casas no inverno rigoroso. Após chegar na América, o mito se transformou na história de um velho que carregava um saco e sequestrava crianças para fazer sabão.
A atração que exercem
As lendas urbanas conseguem ser tão amplamente difundidas e sobreviver por tanto tempo, principalmente, graças ao fato de que as pessoas em geral se sentem extremamente atraídas por esse tipo de assunto. Antonio Carlos Cardoso – dono do site Além da Imaginação, que fala a respeito de mistérios e do sobrenatural – conta que possui uma paixão antiga em relação às coisas que não conseguem ser explicadas.
Na opinião dele, as pessoas que são atraídas por esse tipo de assunto podem ser definidas em três categorias: as que “gostam de ‘sentir medo’; aquelas que passaram por situações assustadoras e ‘sem explicação’ e céticos buscando assunto para discussões de comprovação da inexistência do sobrenatural”.
Já a psicóloga Thainá Matos, acredita que isso ocorre porque “as pessoas emitem [essas lendas], às vezes sem perceber, apenas imitando ou reproduzindo o que a maioria delas fazem, por acreditar ser o mais conveniente ou adequado para a sociedade em que vivem”.
Lendas urbanas e a internet
Mesmo a tradição oral da disseminação de lendas urbanas, com o advento da internet, ganhou uma nova aliada e ficou ainda mais forte e mais poderosa. Uma das formas que a internet encontrou para ampliar o alcance das lendas urbanas foi através das chamadas ”correntes”. Com apenas um Ctrl+C (copiar) seguido de um Ctrl+V (colar) uma história ou imagem pode ser, facilmente, transmitida para milhares de pessoas. Tudo porque avisos instigantes rondam o corpo das mensagens; que sempre afirmam que se o texto não for passado adiante, algo extremamente ruim poderá acontecer.
Um exemplo mais grave do que essas histórias espalhadas pela internet podem causar se mostra no caso ocorrido em 2002, o chamado Alerta Unicamp. Durante essa época, as pessoas recebiam em suas caixas de entrada, e-mails falando que em cadeiras de cinema haviam sido colocadas agulhas infectadas com o vírus da Aids.
Sites como o Além da imaginação também ajudam a disseminar lendas urbanas, além de outros tipos de histórias de terror. Entretanto, quem procura esse tipo de site são “pessoas que têm interesse em pesquisar e ficar a par das ocorrências inexplicáveis que acontecem em nosso mundo. Bem como pessoas que já passaram por situações sobrenaturais ou assustadoras”, afirma Antonio Carlos.
Além disso, ele procura garantir a veracidade das histórias relatadas no seu site por meio da seleção delas. Ter a afirmação de que o relato sobrenatural é verídico, feito pelo usuário que o enviou, faz parte do critério para decidir se irá ou não publicar uma história. Assim, vale a pena avaliar se o internauta possui documentos, fotos ou filmagens sobre a experiência que pretende divulgar.
Lendas urbanas em veículos de comunicação
Por possuir um caráter bizarro e chamativo, algumas lendas urbanas chegaram a ser publicadas em jornais de alcance das massas, causando grande rebuliço na população. Os mais conhecidos exemplos disso ocorreram no extinto jornal Notícias Populares, que abordou lendas como: a da loira da banheiro, em 1966 a da Kombi/Gangue do Palhaço – que afirmava que um palhaço, acompanhado muitas vezes de uma bailarina, dirigia uma Kombi e raptava crianças –, em meados dos anos 90; e a mais marcante e de maior repercussão – a história do nascimento de um bebê com o corpo coberto por pelos, dois chifres e rabo, o Bebê Diabo.
Com base nesses três casos, foi feito o documentário Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo, dirigido pela cineasta Renata Druck. A roteirista desse documentário, Sabina Anzuategui, afirmou que a ideia era falar das fronteiras frágeis entre o discurso documental e ficcional, a partir do exemplo das lendas urbanas que foram publicadas no jornal como se fossem fatos jornalísticos.
Essas lendas causaram tanta comoção no público que as pessoas começaram a se envolver com as histórias. No caso da do Bebê Diabo, por exemplo, elas mandavam para a redação relatos afirmando tê-lo visto, o que fez com que a história permanecesse na primeira página do jornal por 37 dias, tendo fim, somente, depois do Zé do Caixão ir para a Bahia caçar a criaturazinha. A psicóloga Thainá Matos afirma que nos casos de envolvimento das pessoas com a divulgação dessas lendas “se fazem presentes: a adaptação social e o desejo de aceitação e aprovação da sociedade ou grupo ao qual pertence (por exemplo, grupo de amigos, família, escola, trabalho, entre outros). Estes fatores, muitas vezes, levam as pessoas a mentirem, imaginarem e entrarem na fantasia das lendas urbanas”. Já para Sabina Azuategui, “os leitores sabem que aquilo é um exagero, mas aceitam a proposta procurando mais entretenimento que informação”.
Regional ou universal?
Existem lendas urbanas que acabam tendo amplo alcance, sendo conhecidas em vários países, várias regiões. Outras, entretanto, são restritas a uma região ou grupo específico de pessoas, pois os costumes nela retratados não são universais. Um exemplo do tipo universal é a lenda que fala sobre a morte de Paul McCartney em 1966 e sua substituição por um sósia, hipótese baseada em centenas de pistas deixadas pelos membros restantes dos Beatles em seus discos após a suposta morte. Em todo o mundo, e até hoje, há quem acredite que o verdadeiro Paul está morto.
Outras lendas, por sua vez, atingem um público um pouco mais específico, como é o caso da “mulher na estrada”, mais conhecida entre os caminhoneiros, especialmente nos anos 50 e 60 que foi a época do crescimento das rodovias; da loira do banheiro, bastante comentada pelos estudantes; e dos bonecos assassinos, como o Fofão e a boneca da Xuxa, que amedrontaram as crianças nos anos 80.
Segundo Thainá Matos, “essas lendas acabam sendo passadas de pai para filho ao longo dos anos, principalmente dentro de alguns grupos específicos, como é o caso das escolas, onde surgem várias das lendas urbanas que conhecemos, como a da ‘loira do banheiro’ ou da ‘brincadeira do compasso’”.
A influência nas pessoas e na sociedade
As lendas urbanas, como todo outro tipo de história, podem gerar consequências, graves ou não, para as pessoas e a sociedade em geral. Isso ocorre porque certas pessoas são mais suscetíveis a acreditar numa história do que outras e, por isso, acabam tomando atitudes que nem sempre são boas.
Nos anos 70, por exemplo, surgiu a história de que o hambúrguer do McDonald’s era feito com carne de minhoca. Por mais descabida que pudesse parecer essa história, um enorme número de pessoas acreditou nela, as vendas da empresa caíram e tudo só foi resolvido quando uma pesquisa foi feita, mostrando que uma criação de minhocas para fazer os hambúrgueres sairia muito mais cara do que se eles fossem feitos de carne bovina mesmo.
Outro caso que atualmente vem mexendo bastante com os ânimos das pessoas mais predispostas a acreditar nessas histórias é a previsão do fim do mundo pelo calendário maia no dia 21/12/2012. Antonio Carlos afirma que “existem muitas pessoas que entram em contato, pedindo orientações sobre como devem proceder com a aproximação da data. Existem pessoas muito preocupadas. Digo até que, de certa forma, ‘histéricas’”.
Para Thainá Matos, “as lendas costumam despertar a curiosidade e aguçar as fantasias das pessoas, o que as alimenta ainda mais. Porém, podem levar também, principalmente nas crianças, a um medo excessivo e até a um trauma”.
Nos casos de lendas contadas pelos pais para fazer com que os filhos os obedeçam, os efeitos são ainda piores. Um desses casos é o do “homem do saco”, que tem o intuito de impedir que as crianças fiquem brincando na rua sem a supervisão de um adulto. Segundo Thainá, como na infância fantasia e realidade acabam se misturando muito fortemente, o medo é a reação mais comum. Quando os pais são as pessoas responsáveis por contar esse tipo de história, o medo aumenta e o dano causado às crianças, geralmente, pode variar da ansiedade a um trauma ou da formação de adultos inseguros até uma fobia.
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