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Peito aberto: a ‘doença do silicone’

Efeitos colaterais sérios após a colocação de implantes mamários trazem questionamentos a respeito da segurança do procedimento

A chamada “doença do silicone”, ainda não comprovada cientificamente, tem promovido diversos debates sobre as cirurgias para colocação de implantes nas mamas. Milhares de mulheres* em todos os continentes estão se reunindo em redes sociais para compartilhar experiências e discutir assuntos relacionados ao tópico.

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, os procedimentos para remoção de implantes nos seios tiveram um aumento de 33% no Brasil, entre 2018 e 2019. Com os últimos dados disponibilizados, o número passou de 14,6 mil para 19,4 mil no período. A cirurgia plástica para colocação de silicone ainda é uma das mais buscadas no país, porém, há uma queda na procura.

 

Imagem do tronco de uma mulher segurando uma prótese de silicone
“Doença do silicone” não é reconhecida pela OMS. [Imagem: Reprodução]

O Silicone

Eduardo Fleury, médico radiologista, pesquisador e membro da Sociedade Europeia de Imagiologia das Mamas, explica que os implantes foram liberados nos Estados Unidos, em 2006, pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão regulamentador da saúde. “A gente começou com o marketing e uma cultura em cima dos peitos grandes a partir de 2006. Então, para a gente chegar no boom, tiveram várias conjunturas que favoreceram isso: boom econômico mundial em 2008, próteses liberadas, inflação baixa e alto poder de compra”.

O pesquisador destaca que o tempo de vida útil das próteses é de 10 anos e, portanto, havia poucos relatos de problemas. “Se a gente fosse pensar nas primeiras mulheres que começaram a pôr em 2006, a gente ia começar a pegar as complicações em 2016. Só que nesses 10 anos, o número de pacientes fazendo implantes só vem crescendo e a tendência é crescer até 2025”, diz.

Segundo ele, as mulheres começaram a colocar os implantes de uma forma mais intensa no período de 2012 a 2014 no Brasil, pois há um atraso de cinco anos, em média, dos Estados Unidos. Por essa razão, o boom do silicone e o começo da doença ocorreram anteriormente para os americanos. “A gente começou a ter o boom da doença do silicone agora e esse problema tende a piorar até que tenhamos uma restrição maior ao silicone, em relação a colocação deles ou uma tecnologia que seja diferente”.

 

A ‘doença do silicone’

“Desconstruir a história é muito fácil, só que quando você começa a ver, de uma forma observacional, que várias pacientes reclamam de sintomas não correlatos e muito parecidos, e o que elas têm em comum é o silicone, você começa a levantar a bandeira”, conta Eduardo.

Em seus estudos, o pesquisador constatou que todos os implantes mamários podem extravasar gel. Ele também afirma que não é necessário que exista uma ruptura na prótese para o extravasamento de silicone e a toxicidade com a liberação de polimetilsiloxano (PDMS) — polímero orgânico a base de silício — que varia de pessoa para pessoa. “Como todo bem durável, a própria concha da prótese vai se degradando com o tempo. Tem vários casos de pacientes com implante salino que tiveram doença do silicone, porque a prótese se degrada e libera silicone de sua superfície para a cápsula fibrosa. O gel coeso interno é muito firme, você aperta ele e não parece que está vazando. Você olha para o silicone e ele está íntegro”. 

 

 

Segundo o especialista, o extravasamento de silicone ocorre quando o material escapa da cápsula fibrosa uma resposta inflamatória que funciona como uma barreira contra o silicone e um mecanismo de defesa e ganha o organismo. Essa situação é caracterizada por partículas muito pequenas que tendem a migrar por todo o corpo. Esse acontecimento desencadeia processos inflamatórios e, assim, podem existir períodos de maior ou menor inflamação. Nos períodos de maior inflamação, é possível que haja um acúmulo de líquido e se cria um aumento volumétrico e, às vezes, pode ficar vermelho e quente. “Geralmente, atinge vasos linfáticos, linfonodos e pode chegar a órgãos alvos. Temos uma paciente, que é uma médica, vimos que ela tinha problema no pulso e foi encontrado silicone no nervo mediano do pulso”, diz.

Na página do órgão regulamentador da saúde estadunidense, há o seguinte registro: “Os 10 principais sintomas mais comuns relatados à agência incluem fadiga (49%), névoa do cérebro (25%), dor nas articulações (25%), ansiedade (24%), queda de cabelo (21%), depressão (19%), erupção cutânea (18%), doenças autoimunes (18%), inflamação (18%) e/ou problemas de peso (18%). Os pesquisadores estão investigando esses sintomas para entender melhor suas origens e conexão com os implantes mamários”. O FDA reconheceu a doença do implante mamário de silicone (Breast Implant Illness) como uma doença da mama em 20 de agosto de 2020, mas ressaltou a necessidade de novos estudos devido à falta de evidências científicas suficientes e sintomas inespecíficos.

 

Diagnóstico e tratamento 

O radiologista explica que o diagnóstico precisa ser feito por exclusão para maior segurança no tratamento da paciente. “Como não é uma doença bem estabelecida e conhecida, existem várias outras patologias que podem causar sintomas. Primeiro, precisa tratar e descartar as mais conhecidas. Quando você chega em um funil e não tem ideia do que está acontecendo com essa paciente e ela tem prótese, provavelmente a causa é o silicone. A maior parte das pacientes tiram o silicone e melhoram dos sintomas clínicos”.

 

Para Eduardo, o diagnóstico precoce é praticamente inviável no Brasil, porque as pacientes sintomáticas, na maioria das vezes, buscam um posto de saúde e são tratadas com antibióticos e anti-inflamatórios e isso faz com que o processo inflamatório natural “esfrie” até chegar a um especialista, geralmente após três ciclos. Nesse contexto, a medicina preventiva mostra-se fundamental para o controle. O FDA, por exemplo, recomenda que toda mulher com implante faça a primeira ressonância magnética com cinco anos após a colocação e, que, mesmo assintomática, faça de dois em dois anos para acompanhamento.

O procedimento cirúrgico para explante (retirada do silicone) é complexo e envolve desde a aceitação pessoal da mulher até a aceitação familiar. Além desses fatores, a cirurgia para a remoção dos implantes com as cápsulas fibrosas em uma peça única, a capsulectomia em bloco, não é simples. “A cápsula a gente mostra nos exames que está inflamada e que infiltra os tecidos que estão em volta. Às vezes, é quase uma missão impossível retirar a prótese. A cápsula residual pode continuar inflamando também e, por isso, as pacientes precisam fazer uma nova cirurgia para a retirada do tecido cicatricial que ficou lá porque ele continua sendo um corpo estranho, mas não tão severo quanto antes”.

 

Capsulectomia em bloco.
Capsulectomia em bloco. [Imagem: Reprodução/Dr. Ricardo Miranda]

“Eu respiro agora. Eu consigo Respirar”

 

 

Larissa de Almeida (37) relata que jamais imaginou tantas complicações após a cirurgia para colocação do implante de silicone. “Eu só tive ciência do que acontecia quando já tinha passado dos 6 anos do silicone [período de abril de 2012 a fevereiro de 2019]. Vi alguém comentando na rede social, fui investigar e virei uma devoradora de artigos científicos. Eu realmente não imaginava, eu não tinha informação”.

A baiana conta que decidiu colocar a prótese aos 28 anos após muito pensar e pesquisar a respeito da cirurgia. Para ela, esse foi o processo correto para a tomada de uma decisão consciente, uma vez que, à época, encontrou somente informações sobre problemas relacionados à contratura do implante, a qual pode ser resolvida com a troca para um novo. “Perguntei ao médico no consultório se poderia amamentar normalmente, quais os problemas podem ter relação à contratura e ele falou que podia contrair menos de 5% em cinco anos. É um índice baixo, realmente. Diante disso, por ele ter feito a cirurgia em uma amiga e eu ter visto o resultado, pensei ‘para mim está ótimo, vou fazer mesmo’. Eu senti mais confiança. Confiei. Paguei. Fiz.”

Larissa aponta que sentiu um desconforto respiratório imediatamente após o procedimento, que durou até tirar o silicone. “Era um peso no peito e eu fui me acostumando, mas senti um alívio quando a prótese saiu. Eu respiro agora. Eu consigo respirar”.

Três anos depois da cirurgia foram suficientes para que houvesse a contratura da prótese (endurecimento e contração da cápsula que envolve a prótese) que, segundo o médico, era rara. Com seis anos de silicone, ela se desenvolveu no outro seio, o que trouxe enorme desconforto e muita dor.

A professora elenca diversos sintomas, tais como: falta de fôlego, perda de memória, olho seco, secura vaginal, aumento do grau em sua visão, síndrome do ovário micropolicístico, fadiga crônica, queda de cabelo, unha fraca e pele seca. Além disso, também descreve uma mastite para alimentar em que seus mamilos sangravam e seu seio estava duro, quente e com fissuras locais, situação que dificultou a amamentação de seu filho.

“Dores articulares, além de dores nas mamas. As minhas dores articulares indicavam, quando eu ia ao reumatologista, sem ter feito exame, que parecia artrite. Eu, com menos de 35 anos, com artrite sem ser hereditário. Não tinha explicação. Meu joelho, tornozelo, ombro, cotovelo, punho… Tudo doía do lado direito”, complementa.

Diante disso, os médicos chegaram a cogitar, como os exames sempre estavam normais, que se tratava de uma menopausa precoce. Larissa não sentiu confiança no diagnóstico e buscou outro profissional. Sua médica reumatologista conhecia a doença do silicone e a síndrome ASIA e, então, explicou que a retirada do implante confirmaria a hipótese caso houvesse melhoria dos sintomas clínicos. 

A baiana relata que não foi fácil aceitar a situação. “Eu neguei. Foi logo na época que o linfoma, o BIA-ALCL, foi escancarado e o caso associado às próteses de silicone. Quando bombou esse assunto, uma amiga que já estava querendo tirar o silicone falou: ‘você tem certeza mesmo com o linfoma, um câncer, que não quer tirar?’. Aí eu fiquei me questionando e pensando: ‘nossa, algo que eu juntei tanto dinheiro para colocar, algo que era um sonho, uma vontade de ter um peito bonito… Só de eu me livrar da dor, de poder dormir de bruços e abraçar o meu filho novamente, porque chegou em uma fase insuportável”.

A professora entrou em grupos no Facebook para buscar apoio e relatos sobre o procedimento de explante. Foi necessário coragem para mudar e amadurecer a ideia ao longo do tempo. “Fui investindo em olhar para mim como eu era no passado, pegar minhas fotos antigas e falar ‘olha aqui, como eu estava feliz e nunca precisei de silicone’. Sem o apoio de outras mulheres, eu não teria chegado onde eu cheguei”.

Convencida da gravidade do que estava ocorrendo, Larissa passou a enfrentar um novo desafio: encontrar um profissional que realizasse a capsulectomia em bloco. Em suas palavras, a cirurgia foi um sucesso e a recuperação excelente, pois a capacidade respiratória retornou imediatamente e seus sintomas clínicos melhoraram muito.

Atualmente, Larissa é administradora do perfil no Instagram @explantedesilicone e explica que começou sua página quando ainda não tinha tirado sua prótese e estava em busca de informações. Em 2018, sua ideia inicial foi promover maior divulgação sobre o assunto com fotos e falar de maneira aberta com os seguidores. “Era a vontade de botar um megafone e dizer para todo mundo: acordem! Durante algum tempo o perfil foi fechado, porque eu tive medo de denúncias. Algumas das nossas postagens chegaram a cair por motivos inexplicáveis”. Ela também é uma das fundadoras da ACEITA, Associação de Conscientização sobre Explante, Implante, Toxicidade e Adjuvantes. Em parceria com médicos, fisioterapeutas, blogueiras, advogados e mulheres que tiraram o silicone, a associação busca informar o maior público-alvo possível. “Ainda estamos começando e temos pouca arrecadação, poucos fundos. Se eu pudesse, botava uma propaganda no horário nobre, mas não temos verbas. A intenção é fortalecer a causa ainda mais”.

 

 

Desinformação

Em seu livro A voz do silêncio: quando a ciência é inimiga. A saga da doença do silicone, Eduardo discorre sobre conflitos de interesse nos congressos médicos. Em sua opinião, existem interesses financeiros dos grandes grupos farmacêuticos. Atualmente, medidas éticas têm sido tomadas para amenizar a problemática, como a declaração do médico em caso de auxílios financeiros ou vínculos com laboratórios e empresas médicas.

 

Imagem de próteses de silicone.
Desinformação pode comprometer a saúde de pacientes. [Imagem: Reprodução/Centro Nacional Curitiba]

 

O relacionamento transparente estabelece a melhor relação e comunicação entre as pacientes, médicos e empresas. Dessa forma, todos os malefícios e benefícios são apresentados e a decisão sobre a utilização de implantes mamários é tomada de forma consciente.

O membro da Sociedade Europeia de Imagiologia das Mamas acredita que a disseminação da  informação é difícil, especialmente quando há uma controvérsia tão grande sobre o assunto. “A informação que chega para um médico sobre a doença do silicone geralmente é de que o silicone não causa problema. Um médico que está na clínica atendendo não tem informação da indústria e tem poucos dados do meio acadêmico. Isso faz com que ele tenha uma visão mais fechada sobre o tema”. À vista disso, o radiologista alega que os médicos são muito céticos e não compram a ideia da doença do silicone pela falta de conhecimento, porque ele demora para ser consolidado e estabelecido. Para essa informação chegar no médico final, precisa-se de uma evidência científica muito importante, porque vai mudar a conduta do profissional.

“Antigamente, o ônus da prova de que o implante causava malefício sempre ficou por conta da paciente. A partir do momento em que o FDA toma medidas, porque existem evidências que mostram que todo implante vaza e esse silicone é tóxico, você começa a jogar o ônus da prova na indústria”, complementa.

 

Futuro da ‘doença de silicone’

A veracidade do tópico ainda está em debate e as empresas precisarão comprovar a segurança de seus produtos ou apresentar alternativas que diminuam o sofrimento das mulheres que optaram pelo uso de implantes mamários.

Eduardo Fleury ressalta que a ciência não é concreta, objetiva e imutável. Não existe verdade absoluta na medicina. Para ele, a regulamentação e a mudança demandam tempo, paciência e evidência e, por isso, devem ocorrer paulatinamente e pautadas em muitas discussões. Ainda há controvérsias e conceitos que precisam ser consolidados. “Tudo demanda muita responsabilidade e tempo. O primeiro passo é ter mais transparência nas informações, como o que o FDA mostrou na última resolução, que as próteses não são para a vida toda. É levantar um alerta. Vamos ter uma discussão mais aberta e transparente relacionada ao tema. A partir desse momento, a paciente vai ter um consentimento compartilhado com o médico assumindo que a prótese pode dar problema”, conta.

Em seu livro, o médico destaca que o importante é que não haja pânico para a população, haja vista que a doença do silicone tem evolução lenta e geralmente benigna. Em suas palavras, muitas pacientes poderão conviver com os implantes por um prazo maior sem que existam grandes consequências para sua saúde e, caso apresentem sintomas, deverão realizar a capsulectomia em bloco. 

Larissa finaliza: “não acho prudente que as mulheres façam o auto diagnóstico, porém, as informações que temos são cruciais para que elas possam entender o que está acontecendo no organismo e possam investigar através de médicos e exames. A nossa cicatriz é referência para outras mulheres. É uma mulher puxando a outra, empoderando a outra. Seja com informação, relato ou aviso. A gente precisa falar sobre o assunto para que a nossa dor seja uma elevação para outras. Juntas somos mais fortes. Não somos exceção. Tem mulher muito silenciada e que ainda se vê presa a um padrão estético patriarcal e midiático. Somos maravilhosas do jeito que nascemos, seja com peito pequeno, grande, com o peito que amamentou ou com mastectomia (remoção completa da mama). Nós somos lindas e perfeitas da nossa forma. Não precisamos colocar um pedaço de plástico para nos sentirmos melhor”.

 

* Referência às mulheres em um senso mais amplo. Todavia, incluem-se transsexuais, transgêneros e todos aqueles que fazem uso dos implantes de silicone por diversas razões.

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