Aconteceu nos dias 5 e 6 de outubro a terceira edição da Casa TPM. O evento foi realizado em uma mansão no Pacaembu, o Nacional Clube. Antigamente o lugar era utilizado para reuniões de homens da alta sociedade paulistana, e agora é tomado por feministas, tanto mulheres quanto homens, dispostos a discutir o papel da mulher nas várias esferas da sociedade.
A casa abriu pontualmente as 14h30, e menos de dez minutos depois já estava cheia. Logo na entrada uma fila atravessava o salão, era para marcar horário para fazer as unhas, a agenda estava lotada e algumas mulheres ficaram sem vaga. Na sala seguinte um ilustrador fazia desenhos inspirados nas visitantes. Dentro e fora da sala de manicure, drinks eram servidos e, além disso, também havia bebidas e lanchinhos. No lado externo da casa, vários food trucks com opções como bolos, churros, brownie e pratos salgados – todos esses, pagos.
Os patrocinadores fizeram questão de marcar presença, mas de uma forma bem leve e interativa. O Banco Santander ocupou uma sala onde colhia depoimentos em vídeo de como as mulheres lidam com suas finanças; além de distribuir um maravilhoso gelato de amora com chocolate, muito elogiado por todos. Já a Natura foi responsável pelo espaço mais disputado, uma sala com maquiadores profissionais disponíveis para maquiar quem quisesse, a procura foi tanta que algumas maquiagens foram feitas fora da sala, para atender o máximo de mulheres possível. Além disso, vários itens estavam dispostos em duas mesas para quem optasse por se automaquiar.
Ao lado desse espaço estava a sala da Gol, com um painel que se chamava “Mulheres que mudaram o mundo”. Quem quisesse poderia ser fotografada ao lado de rostos de várias mulheres importantes para a luta feminista, mostrando que não só as grandes personalidades, mas também as mulheres “comuns” são responsáveis pelas transformações da sociedade.
Uma outra iniciativa interessante foi a do projeto “Por ser menina”. Ele tem como objetivo lutar pelos direitos das garotas, de várias partes do mundo, que sofrem preconceito única e exclusivamente por serem meninas e não têm acesso a educação. Em apoio à essa luta, cada visitante tirava uma foto com a mão direita levantada. Depois da foto ganhavam uma limonada rosa, um algodão-doce (cor-de-rosa) e uma sacolinha com brindes (esmalte, lenço removedor e lixas de unha).
A decoração do espaço chamou muito a atenção. Bom uso da transparência em alguns móveis, excelente disposição dos diversas atividades, além de almofadas e espelhos com frases pra lá de inspiradoras. Frases como: “Você é livre mesmo?”, “Menos pudor, mais poder”, “Eu não visto 38. E daí”, “Vida perfeita só existe no Facebook” e “Faça amor, não faça hora extra”, antecipavam o que estava por vir nos debates.
Assuntos necessários
“Trabalhar que nem homem, pra quê?”
O primeiro debate contou com a presença de Sandra Annenberg, Angela Pêgas e Paula Nader, todas com altos cargos nas empresas nas quais trabalham, mediadas pelo diretor editorial da Tpm, Fernando Luna.
O papel da mulher no mercado de trabalho atual foi muito bem colocado. Levantou-se a questão de como os homens encaram as mulheres que assumem cargos de comando, e o fato de muitas delas não se valorizarem tanto quanto deveriam. Segundo Angela Pêgas (consultora de recrutamento), um fato curioso pode explicar o porquê de os homens em altos cargos ganharem mais que mulheres que desempenham a mesma função, ainda que mais qualificadas. A mulher tem a tendência de esperar ser reconhecida, já o homem, quando quer um aumento, simplesmente pede.
Sandra Annenberg falou sobre como tenta conciliar carreira e família. Relatou a experiência de chefiar o marido, que também é jornalista, e como se dedica mais à carreira agora que sua filha já está mais velha.
Quando perguntada, Paula Nader (diretora de marketing do Santander) falou sobre os cuidados com a beleza que ela mantêm, e sobre a visão machista que muitos homens têm sobre as mulheres que se preocupam com a aparência. Muitos chegam a acreditar que quem usa um decote ou maquiagem para ir trabalhar só quer chamar a atenção e conquistar algum colega.
“O corpo é meu”
O debate mais polêmico foi, sem dúvidas, o que tratava sobre o corpo da mulher e teve como convidadas a atriz e modelo Luana Piovani, a modelo transsexual Carol Marra e a psicanalista Betty Milan.
Elas tomavam cerveja e o clima estava bastante descontraído, até que Luana usou a palavra ‘homossexualismo’ repetidas vezes. Uma das meninas do público ficou bastante irritada e corrigiu a atriz em alto e bom som: “Para de falar homossexualismo, isso é errado. É homossexualidade!”. Luana pediu desculpas, pois não sabia que a palavra homossexualismo tem uma conotação preconceituosa, e disse, “Calma, isso daqui é um debate!”
Mas suas polêmicas não acabaram por aí, não. Quando o assunto foi parar no vagão rosa, ela declarou: “Quando eu pegava ônibus, me vestia menos feminina. Não que eu concorde, mas foi ensinamento da minha mãe na época”, e levantou a questão de que, sabendo que enfrentarão transportes lotados e muitos tarados pelo caminho, as mulheres poderiam tomar mais cuidado na hora de se vestir. É claro que todas as presentes foram absolutamente contra, e defenderam a luta da liberdade para vestir o que quiser sem sofrer abuso por isso.
Carol Marra emocionou a todos ao contar sobre seu processo gradual e doloroso de consciência, aceitação e revelação da própria sexualidade. Segundo ela, quando criança não podia frequentar o banheiro feminino no colégio, e nem o masculino, “se entrasse, apanhava”; e por isso foram constantes as vezes em que fez xixi nas calças, o que fez com que sofresse ainda mais bullying. Contou ainda sobre como foi difícil para ela e para a família (“católica apostólica mineira”) lidar com a questão da transsexualidade. Ao recordar toda a sua história, Carol chorou e fez muita gente chorar também.
Na sequência, Luana Piovani falou sobre a dura decisão de denunciar a agressão que sofreu do então namorado, Dado Dolabella. Segurando pra não chorar, ela contou que só foi à delegacia quatro dias depois do fato, e que tomou essa decisão com a ajuda da mãe. “Eu pensei: eu não passei tudo o que eu passei na minha vida com a minha mãe, pra vir um idiota e fazer isso comigo”. Ela relatou ainda que, após denunciar, sofreu muito preconceito e foi alvo de chacota de anônimos e pessoas da mídia e que, por isso, teria entrado em depressão.
Assuntos como sexualidade, prostituição, finanças, vida de casal e beleza também foram tema de outros debates.
Elas cantam muito
E pra fechar o primeiro dia da Casa TPM, um show maravilhoso de Elza Soares com participação especial de Gaby Amarantos.
Elza chegou apoiada em seus dois DJ’s, e fez a apresentação sentada, mas com muito ânimo. A utilização de recursos eletrônicos, em vez de instrumentos ao vivo, mostra que, apesar dos mais de 60 anos de carreira, a artista continua inovando.
Depois de duas músicas solo ela recebeu Gaby Amarantos. Os duetos “Brasil” e “A carne” mostraram que não é só no tecnobrega que Gaby manda bem.
Para refletir
“Por que só ele começa o jornal? Por que o primeiro ‘boa noite’ é sempre dele?”- Sandra Annenberg sobre o modelo de jornalismo do início de sua carreira
“‘Agora tem mulher, a gente não pode mais falar palavrão’. E qual não foi a surpresa deles quando perceberam que eu falo muito mais palavrão que eles.” – Angela Pêgas sobre a visão dos colegas de trabalho no início de sua carreira executiva.
“O que espanta é a quantidade de mulheres machistas. Quem trabalha critica quem não trabalha, e vice-versa. A gente se ajuda muito pouco! Vamos nos unir mais!”- Angela Pêgas.
“Empresas que têm mulheres em cargos de 1ª linha dão retornos maiores do que empresas que só têm homem” -Paula Nader.
“Hoje, eu sinto orgulho de ter tomado a atitude que tomei. Porque, como mulher, eu não tô aqui pra isso. Por isso, vou gritar com todas que gritaram.”- Luana Piovani sobre a denúncia de agressões físicas.
Por Nairim Liz Bernardo
nairimlizbernardo@gmail.com