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A liberdade multifacetada do Ocidente

Guiando povos e movimentos ao longo dos séculos, o conceito de liberdade pode tomar diversas formas Por Victoria Amorim (amorimvick@gmail.com) Dotada de diversos significados, tanto positivos quanto negativos, a palavra liberdade é amplamente conhecida e utilizada em discursos que vão desde a política até a maneira de se vestir. Entre os diversos filósofos que já …

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Guiando povos e movimentos ao longo dos séculos, o conceito de liberdade pode tomar diversas formas

Por Victoria Amorim (amorimvick@gmail.com)

Dotada de diversos significados, tanto positivos quanto negativos, a palavra liberdade é amplamente conhecida e utilizada em discursos que vão desde a política até a maneira de se vestir. Entre os diversos filósofos que já versaram sobre esse assunto, Schopenhauer dizia que a ação humana não era absolutamente livre; já Sartre afirmava que o homem é, antes de tudo, livre. Com tantas opiniões diferentes, fica impossível negar que a liberdade tem diversos conceitos e que é algo bastante subjetivo, podendo tomar diversas formas dependendo do contexto histórico e ideológico, da situação e do assunto onde ela é utilizada.

Origem da ideia de liberdade no Ocidente

Atualmente, no mundo ocidental, o conceito de liberdade mais conhecido é o que teve suas raízes no Século das Luzes e foi aprofundado com a Revolução Francesa. Os pensadores iluministas pensavam que o homem era livre quando fazia pleno uso da sua razão, portanto devia se desvincular das amarras que o prendiam ao misticismo. Como os iluministas achavam que o homem era bom por natureza, eram contra as imposições do clero e do absolutismo, que o corrompiam e não permitiam que ele exercesse a sua liberdade.

A Revolução Francesa aperfeiçoou essa concepção trazida pelo Iluminismo e a consolidou. A importância dada a esse assunto pelos revolucionários pode ser vista logo no seu lema, que era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Foi com a Declaração dos Direitos Humanos que a liberdade finalmente tomou forma, pois ela abolia a servidão e a cobrança dos impostos feudais, além de garantir direitos como o de ir e vir e a liberdade de expressão.

Com essa origem, é inevitável que o seu principal significado atual, pelo menos no Ocidente, seja contaminado pelos valores surgidos na época, como o capitalismo vinculado à liberdade, mesmo com o posterior estreitamento desse vínculo, que trouxe o “você é livre se tiver poder de consumo”, tão conhecido atualmente. A idealizadora do Blogueiras Feministas, Cynthia Semíramis, reitera isso ao dizer que “os conceitos de liberdade de hoje derivam das ideias iluministas e do Estado burguês, consolidado no início do século XIX, fortemente calcado na liberdade individual. O capitalismo é uma parte desse modelo, mas foi no pós-Segunda Guerra que passou-se a associar enfaticamente liberdade e cidadania ao potencial de consumo”.

Também são oriundos desse contexto os principais símbolos da liberdade do mundo ocidental, estando entre eles a pintura de Eugène Delacroix, “A Liberdade Guiando o Povo”, onde o barrete usado pela mulher na pintura simboliza a liberdade durante a Revolução Francesa; a Estátua da Liberdade, que, inspirada na pintura de Delacroix, foi dada de presente pela França aos Estados Unidos para comemorar os cem anos da  declaração de independência deste; e a própria bandeira da França, cujas cores, além de representar os três poderes, representam o lema da Revolução (mesmo sendo as mesmas cores do rei – branco – e de Paris – azul e vermelho – o simbolismo da liberdade e da Revolução acabou se sobrepondo a isso).

"A Liberdade Guiando o Povo"
Um dos principais símbolos da luta pela liberdade está no quadro de Eugène Delacroix, "A Liberdade Guiando o Povo". (Imagem: Divulgação)

Liberdade política

Já na Revolução Francesa, era buscada uma nova forma de governo que trouxesse mais liberdade que o absolutista. Na Constituição francesa de 1791, uma monarquia constitucional era instaurada, mas, com o voto censitário, mulheres e trabalhadores que não atingiam o limite rentário necessário para o voto não eram incluídos, sendo considerados cidadãos passivos. Já com o período Jacobino e a constituição de 1793 a restrição por renda acabou, trazendo maior liberdade política para os cidadãos, mas com o fim desse período, esse direito também acabou, voltando a existir só após os movimentos de 1848. Com essa conquista na França, os movimentos sociais de diversos outros países também começaram a reivindicar – e obter – seus direitos.

Já para as mulheres, a situação demorou um pouco mais, sendo um tema bastante debatido no século XIX. Após diversas lutas pelo direito do voto feminino ao redor do mundo, o primeiro país a adotá-lo foi a Nova Zelândia, em 1893. No Reino Unido, criou-se a União Nacional pelo Sufrágio Feminino, em 1897, fazendo com que as suas ativistas fossem chamadas de suffragettes (ou sufragistas). Entretanto as mulheres só obtiveram poder de voto com a Representation of the People Act de 1918.

Nos Estados Unidos esse direito também demorou para ser obtido. O primeiro estado a concedê-lo foi o Wyoming, em 1869, e, aos poucos, outros estados começaram os reconhecimentos. Porém, apenas em 1920 ele foi aprovado em todo o país.

No Brasil, em 1932, com o presidente Getúlio Vargas, a distinção de sexo para o direito eleitoral foi extinta. Porém, ainda hoje, em países como o Kuwait, Arábia Saudita, Qatar, Oman e os Emirados Árabes Unidos, as mulheres ainda não possuem direito ao voto.

Liberdade de expressão

Outro aspecto a ser abordado é o da liberdade de expressão, que é uma das principais características da democracia e um suporte para ela. Geralmente nos regimes autoritários essa liberdade é restringida, quando não suprimida.

No Brasil, a liberdade de expressão era garantida constitucionalmente até o Estado Novo, quando a censura foi adotada, com a criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), para impedir que determinadas informações circulassem. Em maio de 1945, esse órgão governamental foi extinto, entretanto, quando Vargas editou novamente a lei de imprensa, bastante repressora, quando retornou ao poder.

Novamente, com a ditadura militar, a liberdade de expressão foi abalada, uma vez que, mesmo não acabando com ela por inteiro declaradamente, delimitou-a, fazendo com que a manifestação do pensamento não afetasse aos bons costumes e nem fosse usada com o objetivo de se opor ao governo. Apenas com o Artigo 5° da Constituição de 1988, a liberdade de pensamento e de expressão foi garantida novamente para toda a população e assim continua até hoje.

 

Passeata contra a censura
Atrizes juntam-se a protesto contra a censura na ditadura militar. (Foto: Divulgação)

Entretanto, há atualmente um debate sobre se é uma forma de privar a liberdade de expressão o movimento que vai contra algumas piadas feitas por certos comediantes. Nomes como Danilo Gentili, Rafinha Bastos e os comediantes do programa Comédia MTV foram alvo desse tipo de movimento. De acordo com Cynthia Semíramis, “todos os assuntos podem ser tema de conversas, mas tudo depende da forma como são abordados, e do momento em que é feito um comentário. Humoristas muitas vezes se esquecem disso e não percebem que estão reproduzindo uma situação de opressão na qual se posicionam do lado do opressor. Aí não é mais piada, mas uma forma menos autoritária – e bem mais sutil e eficaz – de manter a opressão.”

Humoristas envolvidos com acusações de sofrer censura não são privilégio apenas do território nacional, o que pode ser observado na polêmica gerada em torno do humorista egípcio Basem Yussef, sua crítica ao presidente Mohamed Mursi e ao Islã e a situação que está se desenrolando com o governo do país.

Liberdade religiosa

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, afirma que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”. Apesar de as pessoas terem o direito de usufruir de sua liberdade religiosa – que engloba também não ter religião nenhuma – ainda nos dias de hoje a intolerância ainda é bastante forte.

No mundo ocidental, uma das religiões que é alvo das maiores perseguições é o islamismo. Principalmente pela associação que passou a ser feita com o terrorismo, seus fiéis são vistos com maus olhos, principalmente em países como os Estados Unidos da América e alguns países europeus.

Entretanto, no mundo oriental, há também um fechamento bastante forte da liberdade religiosa. Dentro do próprio mundo islâmico xiitas e sunitas permanecem em guerra. Em diversos outros países as respectivas minorias religiosas ainda sofrem perseguições nos dias de hoje.

O Brasil é considerado um dos países mais tolerantes em relação à religião, mas ainda há uma enorme dificuldade de aceitação das pessoas que não acreditam em Deus. Assim sendo, os ateus ainda não conseguiram fazer uso da sua liberdade religiosa. De acordo com Cynthia, além do ateísmo, as religiões africanas também são vistas com maus olhos e têm ferida essa forma de liberdade: “A liberdade religiosa que eu vejo sendo ferida é a de grupos não cristãos: candomblé, a umbanda ou os diversos tipos de paganismo e reconstrucionismo religioso. Templos vêm sendo invadidos e destruídos – muitas vezes com autorização judicial – e suas práticas vem sendo desrespeitadas.”

Liberdade sexual e de opção

Não há muito tempo atrás, assuntos como a prática sexual antes do casamento e entre pessoas de um mesmo sexo era tabu; totalmente desrespeitoso e impensado para a sociedade. Mesmo que ainda hoje ainda exista a luta para uma maior liberdade nesse quesito, Cynthia fala sobre a vitória que a sociedade já conseguiu nesse aspecto: “Houve uma época em que qualquer contato físico entre pessoas (não importando a orientação sexual) era visto como obsceno e inapropriado. Foi uma conquista que ao longo dos tempos a sociedade passou a permitir que as pessoas demonstrassem carinho, amor e desejo.”

Até meados do século XX, as mulheres eram obrigadas a casar virgens para não serem difamadas pela sociedade. Nessa época, no entanto, houve uma rebelião na forma da “revolução sexual”, tomando impulso principalmente após o advento da pílula anticoncepcional, em 1960, fazendo do sexo não apenas uma prática reprodutiva para as mulheres, mas também uma atividade prazerosa.

Marcha das vadias
Marcha das vadias, um dos principais movimentos pela liberdade sexual das mulheres. (Foto: Lucas Lacaz Ruiz/AE)

Sem o movimento feminista, que possui uma de suas bases justamente na liberdade sexual das mulheres, essa conquista que já obtivemos não teria sido possível. Cynthia afirma que “ainda temos uma sociedade intrinsecamente machista. Mas apesar disso as mulheres conseguem sim, usufruir de bastante liberdade sexual. Trinta, quarenta anos atrás ainda era mandatório mulheres se casarem jovens e virgens pra percebermos o quanto há de liberdade hoje”. Esse movimento ainda luta para que as mulheres consigam desfrutar cada vez mais de sua liberdade.

Mesmo assim ainda há muito a se avançar nesse quesito, pois, ainda hoje, muitas mulheres são chamadas de libertinas e vadias por não terem pudor ao tratar da sua sexualidade, por não se fixarem num único parceiro e por usarem a roupa que querem, mesmo que essa seja considerada imprópria.

A discussão a respeito disso vem adquirindo cada vez mais espaço na mídia após um comentário feito por um policial canadense, em 2011,  que aconselhava as mulheres a não se vestirem feito “vadias”, de modo a evitar o estupro. Após isso, surgiu um movimento de protesto, a Marcha das Vadias, que luta contra a repressão e a violência contra a mulher e a favor da liberdade de se vestir da forma que quiser. “As Marchas das Vadias são fundamentais, pois defendem a liberdade das mulheres e repudiam a violência como forma de fazer as mulheres se enquadrarem em valores machistas ultrapassados” comenta Cynthia a respeito do movimento que se espalhou pelo mundo e vem ganhando cada vez mais força.

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