por Mariana Rudzinski
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Se alguém procurar a palavra cool em um dicionário, provavelmente encontrará uma foto de Xavier Dolan exemplificando a definição. O enfant terrible/menino prodígio que acumula as funções de diretor, roteirista, produtor, ator e responsável pelo figurino e trilha sonora de seus filmes, lançou seu primeiro longa quando tinha apenas 19 anos e atraiu a atenção dos críticos e dos grandes festivais tanto por seu comportamento petulante e declarações ácidas quanto por seu cinema intimista e autoral.
Filho de uma professora e de um ator canadense, Xavier Dolan-Tadros nasceu em Montreal, em 1989. Ele esteve inserido no meio artístico desde cedo, começando a atuar quando tinha 4 anos em comerciais e séries de televisão. Aos 17 anos, Dolan escreveu seu primeiro roteiro, que se transformaria, três anos depois, em seu primeiro filme.
De jovem cineasta desconhecido a veterano de Cannes
Eu Matei a Minha Mãe (J’ai Tué Ma Mère, 2009) apresenta o relacionamento conturbado de uma mãe e seu filho adolescente que não têm absolutamente nada em comum. Hubert, o filho, gostaria que a mãe fosse algo que ela não é e se sente culpado por não ser capaz de amá-la. O filme mistura a narrativa convencional e episódios documentais, nos quais o protagonista confessa seus segredos e pensamentos acerca de sua mãe e de relacionamentos em geral.
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Para produzir o longa, que é semibiográfico e inspirado na relação de Dolan com sua mãe, o diretor investiu seu próprio dinheiro na produção. Quando lançado, os aspectos técnicos e referências culturais do filme se destacaram. O uso de plano detalhe, iluminação para contrapor dois ambientes segundo a percepção de Hubert, trilha sonora que parece representar o que as personagens estão vivenciando e sentindo e tomadas simétricas, além das referências a Munch, Pollock e Musset intrigaram os críticos de cinema. Alguns julgaram o filme como uma “sopa de influências” e “artisticamente mercurial”, ou focaram apenas na juventude e falta de conhecimento cinematográfico do diretor. Apesar disso, o longa foi ovacionado por oito minutos após sua exibição no Festival de Cannes e Dolan levou para casa três importantes prêmios.
Depois de seu premiado filme de estreia, a dúvida que pairava era se Xavier Dolan conseguiria apresentar um trabalho satisfatório ou se enfrentaria algo semelhante à síndrome do segundo disco (termo que designa a dificuldade enfrentada por algumas bandas, após o sucesso do primeiro álbum, em lançar algo de qualidade). A resposta do cineasta a essas dúvidas veio em grande estilo: em 2010, lançou o vibrante Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires). A temática do amor inalcançável é retomada nesse filme, que acompanha a vida e ruína da amizade entre a blasé Marie e Francis (interpretado por Dolan), que se apaixonam por Nicolas, o “Adonis exibicionista”, e passam a competir, de maneira infantil, pela afeição do rapaz.
Amores Imaginários, ainda que não apresente grande desenvolvimento de personagens, é um filme esteticamente perfeito. Os protagonistas parecem saídos de páginas de revistas de moda, graças ao trabalho cuidadoso de Dolan com os figurinos. A trilha sonora, que mistura música clássica e bandas indie, traz um ar de videoclipe, corroborado pelo uso frequente de câmera lenta. As cores muito vivas também se destacam, como nos filtros de cores que são utilizados em algumas cenas para representar o estado emocional de Marie e Francis. Além disso, planos detalhe, cortes bruscos, close-ups e cenas com aroma surrealista, nas quais são apresentados sonhos e pensamentos das personagens, apontam que, ao invés de uma “sopa de influências”, o que estava sendo construído era o estilo de Dolan.
Em 2012, o diretor lançava Laurence Anyways (Laurence Anyways), seu trabalho mais ousado até então, que mostra os dez anos da transição de uma mulher transexual, tentando conciliar a sua descoberta de quem realmente é e a manutenção de seu trabalho e relações afetivas. O longa, que contou com Gus Van Sant como produtor executivo, foi selecionado para competir na seção Um Certo Olhar, no Festival de Cannes e ganhou a Queer Palm, prêmio concedido a obras com temática LGBT. Dolan, que é declaradamente gay, não concordou com o prêmio porque, para ele, seus filmes são simplesmente sobre amor, e não focados na orientação sexual das personagens.
O quarto longa-metragem do diretor, Tom na Fazenda (Tom à la Ferme, 2013), é um pouco diferente dos três anteriores. Ao invés de escrever um roteiro, Dolan adaptou a peça homônima de Michel Marc Bouchard em um suspense hitchcockiano. Tom, interpretado pelo próprio Dolan, visita a família de Guillaume, seu namorado recém-falecido, para prestar suas condolências. Lá, ele descobre que ninguém nunca soube que seu namorado era gay e é forçado por Frank, irmão de Guillaume, a esconder a verdade. Frank, que tem sérias tendências sociopatas, inicia uma espécie de relação destrutiva com o já transtornado Tom, impedindo-o de ir embora.
O filme, que dividiu a opinião da crítica, traz um detalhe técnico inovador que contribui na construção do suspense: em cenas em que há muita tensão entre Frank e Tom, a proporção de tela passa de 1:85 para 2:35, provocando a sensação de sufocamento. Há, também, muitas tomadas em close no rosto de Xavier Dolan, que geraram comentários sobre o narcisismo do diretor.
Alguns meses depois, outro filme de Dolan estrearia: Mommy (Mommy, 2014), considerado por muitos seu melhor trabalho. No início do longa, um aviso: em um Canadá fictício, pais podem internar seus filhos que tenham algum tipo de distúrbio de comportamento em hospitais psiquiátricos sem a necessidade de processo legal. A história de Die, uma mãe solteira da periferia de Quebec, está diretamente ligada a essa lei. Ela tira seu filho agressivo, Steve, de uma instituição e tenta lidar com ele com a ajuda da vizinha, Kyla.
Explorando novamente o relacionamento entre mãe e filho, Dolan surpreendeu ao usar a claustrofóbica proporção de tela 1:1, que é semelhante à usada em aplicativos como Instagram. Em algumas cenas, contudo, essa proporção é expandida para panoramas. Essa expansão está intimamente conectada aos sentimentos das personagens. Quando a tela se expande, o universo e a percepção das personagens também o fazem. Uma das cenas mais marcantes de Mommy é aquela em que Steve estica os braços e empurra a tela estreita até que ela se transforme em um panorama, enquanto ouvimos Wonderwall, da banda inglesa Oasis. A trilha sonora do filme é um ponto à parte. Incluindo Céline Dion, Andrea Bocceli e Lana Del Rey, ela, segundo a revista especializada The Fader, parece ser o pior pesadelo de qualquer esnobe musical, mas funciona incrivelmente bem para o longa.
A recepção de Mommy não poderia ter sido melhor. Quando foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes de 2014, a plateia aplaudiu e gritou “bravo!” durante os créditos. Além disso, o filme dividiu o Prêmio dos Jurados com Adeus à Linguagem (Adieu au Langage, 2014), de Jean-Luc Godard.
Expandindo os horizontes
Em 2013, Xavier Dolan acrescentou mais um cargo para sua longa lista de funções exercidas: diretor de videoclipe. Estrelado por Antoine-Olivier Pilon, o protagonista de Mommy, o clipe de College Boy, da banda francesa Indochine é muito polêmico. Ele acompanha um garoto que sofre bullying na escola e que, no final, é crucificado por seus colegas. Devido ao seu conteúdo controverso e cenas fortes, ele foi censurado na França.
Dois anos depois, Dolan seria procurado novamente para dirigir um videoclipe, dessa vez, da premiada cantora Adele.
Bad boy canadense
Existem diretores de cinema que são populares devido a seu trabalho. Outros são mais lembrados por seu comportamento polêmico. Xavier Dolan reuniu o melhor (ou pior?) dos dois mundos e é reconhecido por ambos.
Logo em sua primeira aparição em Cannes ele recebeu a alcunha de enfant terrible (criança terrível, em francês) por sua postura extravagante e arrogante. Dolan justifica a atitude como insegurança e nervosismo de um jovem de 19 anos. No entanto, no ano seguinte, ele parecia muito irritado e reclamou dos jornalistas, que, segundo ele, pareciam ter consumido muito mais cafeína do que deveriam.
Sua lista de declarações controversas é longa: quando questionado sobre suas influências para a produção de Amores Imaginários, que foi exaustivamente comparado a filmes de diretores como François Truffaut e Jean-Luc Godard, Dolan respondeu que não tinha um conhecimento sofisticado a respeito de cinema e preferia assistir a filmes comerciais. Algum tempo depois, quando lançou Mommy, disse que Godard era um “velho ranzinza” e que não assistiria a seus filmes porque não gostava dele. Em uma coletiva de imprensa, foi perguntado se ele havia sido quem escolhera a trilha sonora de Laurence Anyways. A resposta? “Bem, quem escolheu? Minha mãe? Claro que fui eu!”
Dolan também já deixou claro que tem o costume de ler todas as críticas a seu trabalho. Ele não apenas lê tudo que é publicado sobre ele como também responde os comentários da maneira que acha melhor pelo Twitter, rede social na qual o diretor é muito ativo e tem mais de 180 mil seguidores.
Xavier Dolan e o universo pop
Sendo um jovem diretor independente, reconhecido e premiado por Cannes e outros festivais importantes e que produz os figurinos para os próprios filmes, já era de se esperar que Dolan fosse convidado para frequentar a Semana de Moda em Paris. Desde 2013, o diretor pode ser visto na primeira fila dos principais desfiles do evento. Surgiu, daí, em 2015, o convite da grife Louis Vuitton para que Dolan fosse o novo rosto da marca, o que trouxe muito mais visibilidade para o cineasta canadense dentro do mundo pop.
A maior prova de que Xavier Dolan estava se tornando popular foi o clipe viral de Hello, da cantora Adele. O cineasta conta que foi procurado por ela, que havia assistido a seu primeiro filme, Eu Matei a Minha Mãe, e tinha se interessado particularmente pelos episódios documentais do longa. A partir daí, os dois conversaram e chegaram à ideia do clipe, que atingiu mais de 27 milhões de visualizações em apenas um dia. No entanto, o que parece ter chamado mais atenção do público foi o uso de um antiquado celular flip, o que irritou o diretor profundamente.
O que vem pela frente
Xavier Dolan parece estar, pouco a pouco, deixando o cinema independente para produzir filmes mais comerciais. Seu filme mais recente, Juste la Fin du Monde (2016) conta com elenco de renomados atores franceses, como Gaspard Ulliel e Marion Cotillard e, nas palavras do diretor, é uma história sobre “família e a dificuldade de amar uns aos outros”. O longa estreou em Cannes e não agradou a crítica, especialmente a norte-americana. Ao vencer o prêmio Grand Prix (o segundo mais importante do festival), Dolan chegou a ser vaiado por alguns jornalistas.
O próximo trabalho do diretor, que já está em produção, promete marcar o fim da série de filmes pessoais. The Life and Death of John F. Donovan será seu primeiro longa em inglês, e atores como Jessica Chastain e Kit Harington já estão confirmados no elenco.
Afinal, o que esperar de um filme de Xavier Dolan?
Os estudiosos de cinema dirão que a filmografia do diretor é notável principalmente pelo que ficou conhecido como “estilo Dolan”: exaustivas tomadas das personagens de costas ou se afastando, muitos close-ups, câmera lenta frequentemente unida a músicas e diferentes proporções de tela. Alguns criticam essas características por julgarem que são apenas floreios que não adicionam nada aos filmes; outros declaram que elas são o que torna o diretor tão prestigiado.
Em contrapartida, Xavier Dolan diz que as características técnicas são meramente secundárias, uma vez que seu maior interesse sempre foi contar histórias. Então, o que esperar de um filme do cineasta? Mulheres fortes, figurinos extravagantes e uma cuidadosa direção de arte. Amor não correspondido e crises de personagens em conflito para se encaixarem na sociedade. Acima de tudo, histórias sobre jovens, contadas sob a perspectiva de um diretor jovem, que é capaz de provocar identificação e empatia na audiência justamente por tratar assuntos que estão diretamente na luta diária para encontrar seu lugar no mundo.