por Stella Bonici
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Em um tempo muito, muito distante, antes de Iggy Pop deixar as madeixas crescerem, antes de Johnny Depp encapar seus dentes de ouro para fazer o emblemático Jack Sparrow, existiu um longa que juntou essas duas personalidades, e mais algumas tantas, formando um exímio filme trash.
Em Cry-Baby (idem, 1990), Depp faz o papel de Wade Walker, mais conhecido como Cry Baby (que na tradução literal do inglês significa chorão). Wade era filho do “Terrorista das Letras”, que explodia estabelecimentos seguindo a ordem alfabética: primeiro o aeroporto, depois a barbearia e assim por diante. Por isso, o pai foi morto na cadeira elétrica, e a mãe, apesar de não ter cometido nenhum crime, também foi acusada e sofreu da mesma pena. Walker, então, diz que todos os dias tem que fazer algo de errado em memória a seus pais, e chora por ter que fazê-lo. Mas não muito: “Uma única lágrima salgada é tudo o que eles vão arrancar desse chorão”, diz, com uma única lágrima no olho.
O filme se passa na década de 50 e mostra o conflito entre dois grupos: os caretas e os farrapos. Os caretas, exemplificando em um contexto mais moderno, correspondem aos coxinhas. Ou seja, um bando de engomadinho com boas maneiras e cabelo muito bem penteado. Namoro era selinho e música era aquela coisa amorosa e melada. Já os farrapos eram os rebeldes que escutavam rock’n’roll. Eram topetudos, usavam jaquetas de couro, tinham tatuagens e beijavam de língua.
É nesse meio que nasce o amor entre Allison (Amy Locane), a careta, e Cry Baby, o líder da gangue dos farrapos. Como o filme é trash, claro que essa história não começou em uma festa, um café ou no trabalho. Começou na campanha de vacinação da escola. Enquanto os dois protagonistas tomavam uma picada de agulha no braço, eles se entreolharam, Cry Baby soltou sua única lágrima e Allison caiu de amores. Apesar de saber que Wade era um farrapo, ela soltou o clichezão, e disse: “Eu estou tão cansada de ser boa”, e se deixou levar pelo romance platônico. Mas essa história de amor desagradou muito a avó, Sra. Vernon-Williams (Polly Bergen), e o namorado da moça, Baldwin (Stephen Mailer).
Walker percebeu o desafeto dos caretas para com ele, mas, mesmo assim, não desistiu de seu grande amor. Então, quebrando as regras, ele foi buscá-la na escola de etiqueta da avó de Allison, para levá-la até o Turkey Point. Isso, como era de se esperar, causou uma briga entre Cry Baby e o (ex) namorado da protagonista, mas claro que quem venceu foi o bad boy. Além disso, o mundo conspirou mais ainda a favor da moça, e até a vovó Vernon-Williams acabou tendo um surto solidário e deixou a neta ir.
O casal chega, então ao Turkey Point. O lugar é uma espécie de casa de shows e ponto de encontro dos farrapos, e seus donos são a avó e o tio de Cry Baby, Ramona Rickettes (Susan Tyrrell) e Belvedere (o Iggy Pop!).
Os caretas, irritados com Walker, vão até o Turkey Point e começam a depredar alguns bens dos farrapos, gerando uma briga entre os grupos. Dada a confusão, a polícia chega, prende os farrapos, alegando que estavam atrapalhando a ordem pública, levam-nos ao tribunal e as sentenças são dadas. À Cry Baby, veio a pior delas: prisão até os 21 anos. Mas isso não o abala completamente, o amor o faz prometer sair da prisão o mais rápido possível para ficar com a sua “gata”.
Bom, se a descrição do filme ainda não te convenceu que ele é trash, falemos um pouco sobre a técnica deles. Espero convencer. Primeiro que o ritmo do filme é muito rápido. Os protagonistas se apaixonam de manhã, a tarde já fogem juntos e a noite estão sendo tragicamente separados. Segundo que a interpretação dos atores é péssima, completamente exagerada e teatral. Terceiro que as montagens que são feitas no filme parecem ser do Paint. E, em quarto, como se tudo isso já não bastasse, o filme ainda é um musical. Só que parece mais que os atores estão fazendo uma dublagem do nível “Qual é a música” (lembra do Pablo?), do que cantando de fato.
A questão é que tudo isso dá um ar muito engraçado ao filme. Os elementos são tão ruins, que não é possível que o diretor (John Waters) tenha feito isso ao acaso. Não é possível que mostrar uma menina chorando em um potinho e depois bebendo as lágrimas, seja algo ocasional. Nem que existir um bueiro com alto potencial de fuga dentro de uma cela, ou deixar um helicóptero entrar em uma prisão, tenha sido acaso. Muito menos ver um bebê nascer do nada, sem cordão umbilical ou sem estar envolto em placenta, dentro de um carro em alta velocidade com um cara no teto do capô. O filme é trash e foi feito para ser trash. Foi tudo de propósito. E isso é genial!
Por isso, se você quer ver o Johnny Depp novinho (mulherada que se aguente), o Iggy Pop fazendo ponta de ator ou um musical com clima de anos 50 sem o John Travolta, eu deixo a sugestão: assista a Cry Baby.
Além de tudo, o filme vem com um bônus: ensina a beijar na boca – de língua.