Por Júlia Sardinha (juliasardinha@usp.br)
A influência do cineasta Orson Welles ultrapassou a primazia de Cidadão Kane (1941) e chegou ao cinema documental. Em 1996, nasceu o Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade, nomeado após a obra inacabada do estadunidense, It’s All True. Neste ano, a mostra chega a sua 30ª edição consagrada como um dos maiores festivais do gênero documental da América Latina, comprometida a valorizar as produções artísticas não-ficcionais brasileiras e estrangeiras.
Em coletiva de imprensa realizada no Instituto Moreira Salles (IMS) no dia 15 de março, o É Tudo Verdade anunciou a seleção de filmes para a programação deste ano. Serão exibidas 85 produções documentais de 30 países diferentes. As sessões gratuitas ocorrem de 3 a 13 de abril em cinco salas na cidade de São Paulo e três no Rio de Janeiro.
Na mesa, estavam presentes Kety Nassar, coordenadora de conteúdo audiovisual do Itaú Cultural, Érika Mourão Trindade Dutra, gerente de ação cultural do Sesc-SP, e Lyara Oliveira, presidente da Spcine. Amir Labaki, diretor e fundador do Festival, também esteve presente e trouxe reflexões sobre a história e a importância do evento para o gênero documental.
“O documentário exigia uma janela no país que propiciasse o acesso do público das salas à excelência e à originalidade da produção não-ficcional.”
Amir Labaki
Com conferências, debates e sessões de documentários diversos, a 30ª edição do Festival também contará com a exibição de longas, médias e curtas-metragens. A programação do É Tudo Verdade é dividida em Mostras Competitivas de Longas/Médias-Metragens e Curtas-Metragens, ambas com categorias separadas para premiar as produções nacionais e internacionais.
Também foram incluídas na programação as Mostras Não-Competitivas de documentários, como os Programas Especiais, O Estado das Coisas, Foco Latino-Americano e Clássicos É Tudo Verdade. Neste ano de celebrações, o Especial 30! se junta à grade de projetos e encontros especiais que rememoram a trajetória do evento. Serão exibidos os primeiros documentários vencedores das mostras competitivas do Festival: O Velho – A História de Luiz Carlos Prestes (Toni Venturi, 1997) e Noel Field – A Lenda de Um Espião (Werner Schweizer, 1996)
De repente 30
Para celebrar as três décadas do É Tudo Verdade, o evento trará provocações da sociedade contemporânea e suas questões políticas, culturais, tecnológicas e ambientais. Pensando nessas inquietações, o filme About a Hero (Sobre um Herói, 2024), de Piotr Winiewicz, com roteiro gerado por Inteligência Artificial (IA), foi exibido após a coletiva.
A festividade não se limita apenas aos 30 anos do É Tudo Verdade: uma das parceiras do evento, a Spcine, completa uma década do seu trabalho de formar novos públicos para o cinema documental. O Festival e a empresa têm trabalhado juntos para compreender a sociedade brasileira a partir da arte, criticidade e política abordada pelas produções não-ficcionais.

Para Kety Nassar, o evento chega em um momento de significativa efusão do cinema nacional, principalmente após a vitória de Ainda Estou Aqui (Walter Salles, 2024) no Oscar, na categoria Melhor Filme Internacional. A coordenadora de conteúdos do Itaú Cultural acrescenta que os longas, médias e curtas-metragens devem ser utilizados como ferramentas para levar arte, cultura e educação a todos.
E com o propósito de levar o cinema documental brasileiro para regiões além das salas de cinema paulistanas e cariocas, a programação do É Tudo Verdade também terá sessões na plataforma Itaú Cultural Play. Entre 14 e 30 de abril, seis dos curtas-metragens da competição nacional estarão disponíveis ao público.
De cineasta para cineasta
Desde a sua criação, o Festival tem como compromisso revisitar as trajetórias e criações de importantes autores no desenvolvimento das produções documentais. Em 2025, a vida e a produção cinematográfica de Vladimir Carvalho ganham espaço para homenagens. Durante as atividades do É Tudo Verdade, serão exibidos nove longas-metragens do cineasta, sendo quatro desses também disponibilizados pelo streaming Itaú Cultural Play.
Ao lado de Vladimir Carvalho, o diretor britânico Humphrey Jennings também terá os seus trabalhos ovacionados. Considerado o primeiro cineasta das produções não-ficcionais inglesas, Jennings será homenageado com a apresentação de oito de suas obras clássicas e um documentário, dirigido por Kevin Macdonald, sobre sua trajetória no cinema.
As homenagens anuais às personalidades do cinema dividem espaço às rememorações das vidas de importantes artistas. Neste ano, Amir Labaki revelou que as sessões de aberturas do Festival contarão com as pré-estreias de dois documentários nacionais que narram as trajetórias de duas mulheres simbólicas da cultura brasileira: Rita Lee e Marília Pêra.

Ritas (2025), de Oswaldo Santana, inaugura o É Tudo Verdade em São Paulo, às 20h30 do dia 2 de abril, com exibição do documentário na Cinemateca Brasileira. No Rio de Janeiro, a estreia será no Estação Net Botafogo, às 20h30 do dia 3 de abril, com a pré-estreia de Viva Marília (2024), com direção de Zelito Viana.
De olho no Oscar
Reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos como um festival classificatório para o Oscar, o É Tudo Verdade selecionou a coletânea de produções cinematográficas desse ano dentre 2.100 documentários inscritos. O número representa a vitalidade do cinema documental, revelando cada vez mais diferentes narrativas não-ficcionais ao público.
“Vivemos um momento potente dos documentários. [O cinema] é uma ferramenta de formação de público para termos um país mais equilibrado e organizado.”
Kety Nassar
Como espaço privilegiado de exibição e experimentação da cultura, o Festival também promove atividades que vão além das exibições de documentários. Nos dias 8 e 9 de abril acontece a 22ª edição da Conferência Internacional do Documentário, em realização com a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, cuja programação será anunciada posteriormente.
Entre as demais atividades paralelas, destacam-se ainda os encontros da Formação Spcine Convida e os seminários propostos como parte do Especial 30!, nos dias 10 e 11 de abril. O Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP receberá quatro cineastas brasileiros vencedores da mostra competitiva – Eliza Capai, Joel Zito Araújo, Paulo Sacramento e Roberto Berliner – para discutirem sobre o cinema documental.
A cerimônia de premiação e a consequente pré-classificação para o Oscar 2026, ocorrerá às 19h30 do dia 12 de abril, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. As produções documentais vencedoras serão reapresentadas em sessões especiais no dia 13 de abril, tanto na capital paulista quanto no Rio de Janeiro.
*Imagem de capa: Reprodução/Arquivo Pessoal/Rafael Dourador