Por Leticia Yamakami (leticiayamakami@usp.br)
“Anos 80, anos 2000, anos 2020. Presidente Prudente, Campinas, Texas. Tanto faz”. É assim que Lucca Filippin parafraseia o crítico de cinema Bernardo Oliveira e define seu longa-metragem Kickflip (2025), que teve sua estreia nas telonas de São Paulo no dia 15 de março, na 13ª Mostra Tiradentes | SP.
A mostra é originária da cidade histórica de Tiradentes, Minas Gerais, mas trouxe os títulos que mais se destacaram à capital paulista. Tradicionalmente, o cinema brasileiro contemporâneo é o que estrutura o festival, que busca ser uma plataforma para apresentar ao público a diversidade da produção brasileira, com novas representatividades, abordagens, personagens e estéticas.
Kickflip parte de uma premissa simples: “numa cidade do interior, um adolescente aprende a andar de skate enquanto seu melhor amigo grava vídeos para a internet”. No entanto, ela dá abertura para uma montagem subversiva e sentimentalmente complexa. Recortes e colagens de cenas e referências específicas constroem um quase documentário sobre nostalgia compartilhada.
Há três grandes estruturadores da narrativa. As cenas atuadas e gravadas com a câmera estática são as que estão mais próximas de apresentarem uma sequência temporal. Elas se mesclam com extratos de vídeos caseiros gravados pelos dois personagens principais em sua camcorder e cortes de referências para além do filme, como trechos de vídeos dos youtubers Zero e Denny, que caracterizam os primórdios do YouTube, nos anos 2010.

Todo o material coletado faz da versão final do longa uma obra que desafia os conceitos de linearidade, atos e teleologia. Afinal, assim é a adolescência. Em um momento, encontrar amigos para assistir e gravar vídeos caseiros na internet é o que faz a vida valer a pena. No outro, quebrar um skate tentando aprender uma manobra nova é o que faz a vida ficar opaca e melancólica.
Seja comendo hambúrguer e bebendo vodka em shoppings, andando de skate em estacionamentos, fazendo o chubby bunny challenge ou passando tempo conversando com estranhos no Omegle, o filme sabe se conectar com o público justamente por não se propor a abordar uma juventude fantasiosa. Pelo contrário: a sua alma é jovem, uma vez que os realizadores eram propriamente adolescentes quando começaram a idealizá-lo.
Essa é a característica que concede força e originalidade à trama. Tal qual adolescentes irreverentes, os criadores não levam Kickflip a sério no que tange aos requintes cinematográficos. “Eu penso no fracasso da premissa. É sobre aceitar que a premissa já nasceu como um fracasso”, disse Lucca Filippin em conversa com o público após a sessão.
No entanto, a duração da obra é um aspecto negativo. A partir da marca de 60 minutos, o filme comete uma espécie de suicídio formal ao deixar de lado a comédia que conquista o espectador e adotar um tom mais sombrio. Essa não é a parte ruim, mas sim as referências novas que passam a aparecer e consumir muito tempo de tela. O desfecho se estende mais do que o necessário e torna a experiência um pouco cansativa.

De modo geral, Kickflip subverte as noções de linearidade e narrativa no audiovisual e tem êxito ao abraçar o fracasso idealizado pelo diretor. O resultado não poderia ser mais surpreendente: o filme, intencionalmente ou não, acende um sentimento saudosista em todos os espectadores que já foram adolescentes e prova que sua irreverência, liberdade, não conformidade e provocação fazem do experimental uma obra de arte.

Esse filme fez parte da 13ª Mostra Tiradentes | SP. Para mais resenhas do festival, clique na tag no início do texto.
*Imagem de capa: Reprodução/YouTube/@lucca1020